Vanderlan Bolzani, Elíbio Rech, Adrian Pohlit, Manoel Odorico e Eliezer Barreiro

A segunda sessão do Simpósio Brasil-França sobre Biodiversidade, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) em parceria com a Academia de Ciências da França, tratou dos produtos naturais da biodiversidade providos de capacidade medicinal. Dentro do tema “O que está escondido na biodiversidade?”, apresentaram seus trabalhos os Acadêmicos Vanderlan Bolzani (Unesp), Eliezer Barreiro (UFRJ) e Elibio Rech (Embrapa), assim como os pesquisadores Manoel Odorico de M. Filho (UFC) e Adrian Martin Pohlit (Inpa).

Biodiversidade pode contribuir muito para o desenvolvimento sustentável

A professora titular do Instituto de Química de Araraquara (Unesp) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Vanderlan Bolzani, iniciou comentando como o país é rico em diversidade biológica e também em diversidade química. Em seguida, destacou como isto é importante para a população, seja na forma de metabólitos que podemos obter através dela, como farmacêuticos e agroquímicos, seja como meio eficaz de regular o clima ou auxiliar a polinização, por exemplo.

A pesquisadora apresentou a linha do tempo de como produtos naturais têm ganhado espaço nas pesquisas e têm ajudado a revolucionar a humanidade. Como exemplo, temos a descoberta da morfina (1804), que é uma substância extraída da papoula do ópio, e também a descoberta do captopril (1981), uma substância importante no tratamento contra a hipertensão. Além disso, em 2015, o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina foi entregue para três cientistas que pesquisaram terapias para combater parasitas a partir do uso de compostos naturais.

De matéria para medicamentos a cosméticos, a biodiversidade brasileira pode contribuir em muito para o desenvolvimento sustentável, trazendo benefícios para a população.

Moléculas de plantas e microrganismos para tratar câncer

Em seguida, o professor associado e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Manoel Odorico de M. Filho, reforçou os pontos já trazidos por Vanderlan, porém focou em moléculas anticâncer presentes em nossa biodiversidade.

O câncer é a segunda causa de morte entre as doenças, matando cerca de 10 milhões de pessoas por ano. No Brasil, já em 2018, tivemos 650 mil novos casos. Além da chance de cura de um tumor diagnosticado ser de apenas 30% e de algumas células tumorais serem resistentes à quimioterapia, as drogas usadas nos tratamentos são bastante tóxicas.

Ïsso já explica a importância que os estudos dessas novas moléculas merecem, principalmente porque elas são capazes de atuar em diversos alvos moleculares durante o desenvolvimento do câncer”, observou Odorico. Ele relatou que há moléculas que atuam em receptores, por exemplo, enquanto outras atuam em proteínas metastáticas ou em fatores de transcrição. Além disso, essas moléculas vêm de diversas fontes, como plantas, microrganismos ou organismos marinhos.

No Brasil, temos plantas que podem ser alvo de pesquisa, mas há fatores que dificultam. Odorico relatou que temos entre 250 mil e 300 mil espécies de plantas superiores. “Apenas 10% foram estudadas e apenas 3% das estudadas foram avaliadas para atividade anticâncer. Além disso, mais de 50% de todo o território nacional foi desmatado. E, infelizmente, ainda que pesquisas na área comecem a ser feitas incessantemente, da pesquisa à comercialização de um novo medicamento, é possível que o processo demore de 10 a 14 anos, esclareceu o pesquisador.

Substâncias sintetizadas em laboratório imitam biodiversidade

Logo após, o professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro , falou sobre a química medicinal, disciplina que combina química e farmacologia para desenhar, descobrir, desenvolver e sintetizar substâncias químicas originais que tenham valor terapêutico.

Apresentando um breve histórico, o pesquisador passeou entre as descobertas na área ao longo dos anos, como substâncias antimaláricas, substâncias contraceptivas, anti-hipertensivos, estatinas e até mesmo medicamentos quimioterápicos.

No final, ele reforçou: “Vejo que devemos tentar motivar os jovens a seguir o caminho da ciência, pois precisamos de mais químicos medicinais. Só assim deixaremos de ser apenas consumidores para nos tornarmos produtores de medicamentos”.

Engenharia da biodiversidade

O pesquisador do Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa e diretor da ABC, Elíbio Rech, que falou em seguida, apontou o potencial da engenharia da biodiversidade como modelo para a aconservação das espécies. “Ela é uma fonte para domesticação sintética para traços específicos úteis”, explicou. “Com ela, ganhamos escala, agregamos valor e fazemos uso sustentável da biodiversidade”, completou.

Como exemplos, Rech falou da cianobactéria Nostoc ellipsosporum, que possui intensa atividade anti-viral e é capaz de inibir vírus como o da hepatite B, o vírus da gripe e o HIV. Referiu-se também a uma fibra sintética que reproduz a seda feita pelas aranhas e tem altíssima resistência.”É um biopolímero com base em proteínas secretado pelas células da pele das aranhas”, explicou o Acadêmico.

Para transformar estas pesquisas em produtos, foi criado o Instituto Nacional de CI6encia e Tecnologia em Biologia Sintética (INCT-Biosyn), financiado pelo Ministério de CIência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). As instituições nacionais atuantes no instituto são a Embrapa, a Fiocruz e o Instituto Tecnológico Vale. Ë há muitas parcerias internacionais”, concluiu Rech.

Biodiversidade contra a malária

Finalizando a sessão, o engenheiro químico e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Adrian Martin Pohlit, abordou a capacidade que as plantas amazônicas possuem para combater a malária.

Adrian apresentou o processo para testar essa capacidade. Primeiro, faz-se a extração de plantas tradicionalmente usadas como antimaláricas. Depois, esses extratos, com distintos componentes químicos, é testado in vitro. Se houver atividade antimalárica, é feito o teste in vivo em camundongos infectados. Havendo entre 30% e 40% de supressão do parasita, a atividade antimalárica é confirmada.

Por fim, Adrian mostrou diversos exemplos de plantas com extratos ativos para atividade antimalárica. A principal delas, com maior atividade, é a espécie Andropogon leucostachyus, que apresenta supressão de 71% do Plasmodium berghei em doses orais de 250mg/kg.