Mike Hopkins, Jean Weissenbach, Camila Ribas, William Magnusson e Jean Dominique Lebreton

A primeira sessão do Simpósio Internacional BR-FR sobre Biodiversidade, realizado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus, entre 5 e 8 de junho, contou com cinco apresentações com diferentes enfoques do tema.

Impacto humano e perda de biodiversidade

O ecólogo australiano William Magnusson trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) desde 1979. É credenciado pela Wildlife Society (EUA), membro do Grupo de Especialistas em Crocodilos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Ele coordena o núcleo executor da Amazônia Ocidental do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) e do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD). Magnusson relatou que o PPBio foi criado em 2004 com o objetivo de intensificar estudos sobre biodiversidade no Brasil, descentralizar a produção científica, integrar atividades de pesquisa e divulgar os resultados para diferentes finalidades, como gestão ambiental e educação.

O programa engloba três componentes: suporte e desenvolvimento de coleções biológicas, como herbários, museus e coleções vivas; os inventários biológicos, com levantamentos da biodiversidade, sítios de coleta, metadados e dados para estudos de longa duração; e os projetos temáticos, que tratam de desenvolvimento de métodos para o manejo sustentável da biodiversidade e bioprospecção. Possui diversos núcleos regionais e projeto parceiros pelo país. Promove, ainda, cursos de formação para os funcionários de órgãos ambientais e outras partes interessadas na investigação da biodiversidade, bem como o intercâmbio científico e a colaboração entre parceiros.

O Acadêmico explicou que vários estudos sobre a distribuição das comunidades de lagartos e de morcegos na região atingida pela barragem da hidrelétrica Santo Antônio , por exemplo, mostram o seu impacto. “Precisamos não só saber onde ocorre o impacto, mas o porquê”, apontou Magnusson.

As mudanças de biomassa na floresta amazônica também são estudadas e indicam alto nível de perda, relacionando solo, tempo e clima. “As demandas são muito diversas. Será possível planejar de modo a atender a todas? Precisamos considerar a população local, pois a terra é deles e eles a conhecem melhor do que nós”, apontou o cientista.

Segundo Magnusson, o PPBio conta com pesquisas padronizadas, informação biológica, disponibilização dos dados para formuladores de políticas públicas, infraestrutura de longo prazo, envolvimento de pessoal local e treinamento. “Com imagens de satélite, os resultados são mais rápidos e eficientes. Podemos elaborar modelos de distribuição das espécies e substituição de paisagens. Podemos também planejar as perdas, avaliando o impacto”, concluiu.

Exploração sem conhecimento é dano garantido

O biólogo inglês Mike Hopkins coordena o programa de pós-graduação em botânica no Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA) e é curador do herbário da instituição. Ele diz que estamos longe de conhecer a diversidade das plantas amazônicas. “Nosso conhecimento sobre este aspecto na região está pelo menos 60 anos atrasado em relação às outras regiões do país”, disse o palestrante.

Seu interesse em tentar quantificar as espécies de plantas na bacia amazônica não é por interesse naquele número, mas sim em chamar atenção para as lacunas imensas na informação atualmente disponível. “Os números atuais subestimam a região e isso gera indefinição nos tomadores de decisões políticas sobre investimento em atividades relacionadas com biodiversidade”, alertou Hopkins.

O biólogo considera a bacia amazônica uma das partes do planeta menos perturbadas pelo homem, lar para imenso número de plantas e animais, cada uma com sua própria identidade, ecologia, química e redes de interações. “Cada espécie possui uma riqueza de informação genética e variabilidade única”, destacou o pesquisador.

Para ele, a ênfase imediatista na exploração comercial da floresta amazônica sem conhecimento detalhado de sua biodiversidade gera riscos de danos futuros, ainda não entendidos para a bacia inteira. “Precisamos investir na possibilidade de coexistência harmoniosa entre uma espécie, o Homo sapiens, e as milhões de outras espécies presentes na região”, apontou.

Construção de barragens prejudica fauna amazônica

A bióloga Camila Ribas trabalha na Coordenação de Biodiversidade e no Programa de Coleções Científicas Biológicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde é curadora da Coleção de Recursos Genéticos Animais. A pesquisadora tratou da diversidade e evolução dos pássaros amazônicos e as implicações para sua conservação e a biogeografia.

De acordo com Camila, a Amazônia tem alta diversidade e endemia de aves. Apenas em 2013, 16 novas espécies foram descritas com base em dados de inventários e coleções biológicas. “Utilizamos dados moleculares em biogeografia, que possibilitam estabelecer relações entre espécies e sua história, como demografia e migração”, explica a pesquisadora.

Quanto desta diversidade nós conhecemos? Muito pouco. Apenas 15% dos pássaros amazônicos ficam restritos a ambientes criados pelos rios, que facilitam a pesquisa. “Temos 24 espécies ameaçadas de extinção e pouco sabemos sobre elas”, lamenta Camila.

As mudanças climáticas influenciam a diversificação de pássaros. Pesquisas indicam que nas eras glaciais a floresta foi fragmentada e outros tipos de florestas ocuparam os espaços. A construção de barragens nos Andes e na Amazônia brasileira alterou significativamente os padrões naturais de distribuição, habitat e conectividade entre populações de pássaros, em função da redução de nutrientes disponíveis O desmatamento, inclusive, já levou à extinção de diversas linhagens de pássaros. “Ainda não temos um conhecimento amplo da diversidade regional”, pontuou Camila.

Continuidade na pesquisa é base para construção de bancos de dados

Diretor do Centro Nacional de Sequenciamento da França – Genoscope – desde 1997, Jean Weissenbach é um dos pioneiros do sequenciamento de DNA e análise dos genomas. Foi o primeiro pesquisador a desenvolver um mapa genético em alta resolução. Ganhou, em 2008, a Medalha de Ouro do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), o maior prêmio de pesquisa na França. No evento, ele abordou a diversidade bioquímica das bactérias da região amazônica.

Weissenbach explicou que a vida é baseada em transformações químicas de componentes do ambiente. Esta capacidade de transformar componentes químicos caracteriza a diversidade bioquímica. “Cada organismo apresenta determinadas atividades transformadoras moldadas pela evolução, possibilitando sua sobrevivência num dado ambiente”, apontou.

Ele apresentou a base de dados GOLD (Genome Online Database), um inventário genômico interessante. “Nele vemos que o catálogo de genes marinhos, por exemplo, é 23 mil vezes maior do que o genoma humano sequenciado”, pontuou.

O cientista esclarece que, para a aquisição de novos conhecimentos, são necessários recursos biológicos e genômicos, dados estruturais e filogenéticos, assim como testes bioquímicos.

Weissenbach acrescentou que a diversidade bioquímica pode ser estimada pela extensão do repertório de transformações químicas conduzidas pelos organismos vivos; pelo número de diferentes maneiras químicas de transformar um determinado componente e pela diversidade de componentes. “O que sabemos sobre isso hoje é baseado em projetos de sequenciamento de genomas e metagenomas, censos de genes, bases de dados de proteínas e enzimas. Assim, as descobertas sobre enzimas e metabólitos precisa ser continuada.”

Conservação envolve observação, modelagem e nas interações multidisciplinares

Jean Dominique Lebreton apresentou um documento recente da Academia de Ciências da França sobre biodiversidade. O texto foi elaborado por um comitê multidisciplinar, coordenado pelo Acadêmico Yvon Le Maho, que também foi palestrante do evento.

Diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), cientista da computação e matemático, naturalista por tradição familiar, Lebreton é um biomatemático. Especialista em modelagem dinâmica em ecologia, populações animais, sua conservação e gestão, ele atualmente dirige uma das unidades de pesquisa do Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva (CEFE), na França. Foi eleito para a Academia de Ciências da França em 2007.

O documento que ele apresentou, intitulado “Mecanismos de adaptação da biodiversidade às mudanças climáticas e seus limites”, destaca que o primeiro aspecto para contextualizar a biodiversidade são as mudanças climáticas, cujo impacto sobre os serviços ecológicos já é e será muito significativo no futuro, mas não é a única questão. Outras mudanças nas atividades humanas vêm impactando o planeta, como o uso da terra.

“A interação entre os vários tipos de mudanças é a chave para o entendimento da situação e seu enfrentamento. A Academia francesa procurou focar seu documento na adaptabilidade da biodiversidade ao tipo de mudança esperada”, informou.

Dentre as conclusões e recomendações, Lebreton destacou que embora o potencial de adaptação genética e plasticidade varie muito entre espécies, a distribuição delas vem sendo muito afetada pelas mudanças antropogênicas. “A desestruturação de espécies locais é inevitável, mas não pode ser predeterminada, devido às particularidades de cada ecossistema”, alertou.

Outra recomendação ressalta que é fundamental a alimentação de bases de dados, assim como a ênfase nas pesquisas multidisciplinares, envolvendo ciências humanas e sociais e as ciências duras. Realça também o papel fundamental da educação para o desenvolvimento sustentável, com o que a Academia francesa procura colaborar através do programa de formação de professores “La Main à la Pâte” (Mão na Massa).

Com relação à Amazônia, especificamente, Lebreton comentou que o desmatamento vem sendo enfrentado com grandes esforços de proteção ambiental. “Para garantir o avanço da conservação é preciso investir em observação, modelagem e nas interações multidisciplinares.”