O 3º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC) reuniu cerca de 80 jovens cientistas da ABC na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, entre os dias 27 e 29 de julho – entre eles, muitos que acabaram de ser eleitos. Para que esses pesquisadores pudessem se familiarizar mais com o ambiente novo, o presidente da Academia, Luiz Davidovich, fez uma apresentação sobre a história desta instituição centenária e sobre o valor da ciência, no primeiro dia do evento.

Davidovich contou que a ABC foi criada em 3 de maio de 1916 e se consolidou no período até 1930. Sua fundação contou com grandes nomes, como Henrique Morize (seu primeiro presidente), Oswaldo Cruz, Roquette-Pinto e Juliano Moreira. A Academia francesa foi criada em 1666 e a dos Estados Unidos, em 1863, com a missão explícita de contribuir com o governo norte-americano. Ou seja, nossa Academia é jovem perante as mais tradicionais do mundo.

Aqui, foi fundada por cientistas, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Henrique Morize, em seu discurso de posse, ressaltou a importância do que ele chamava de “ciência pura”; o progresso da ciência e o engrandecimento do país foram destacados como duas missões da academia.

Uma de suas primeiras atividades foi a fundação da Rádio Sociedade em 1923, que depois se tornou a rádio Roquette-Pinto. Em 1917, foi lançada a Revista de Ciências que, em 1929, passou a se chamar Anais da ABC, publicado até hoje. Uma série de importantes iniciativas teve a participação da ABC ou de seus membros, como Theodoro Ramos, que teve um papel importante na consolidação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), e Joaquim da Costa Ribeiro, que participou da criação da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB).

Da mesma forma, agências de fomento e entidades científicas foram fundadas por membros da ABC, como o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), criado pelo Almirante Álvaro Alberto em 1951, quando era também presidente da ABC. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também tiveram influência da Academia em suas respectivas fundações. “Então a ABC não era só era um centro de excelência reunindo pesquisadores, mas também contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da pesquisa no país”, explicou Davidovich.

Já em 1963, foi proposta pela ABC e CNPq a criação de um Ministério de Ciência e Tecnologia, o que só aconteceu em 1985. “Hoje, após as mudanças no Ministério [referindo-se à fusão do Ministério de CIência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações, determinada pela medida provisória 726/16 anunciada no dia 12 de maio, pelo presidente interino, Michel Temer], estamos constantemente nos manifestando sobre isso, bem como sobre a importância da recomposição do financiamento de ciência, tecnologia e inovação.”

Em 1916, a ABC tinha 43 membros, nas áreas de ciências físico-químicas, biológicas e matemáticas. Em 2016, são 957 membros, incluindo todas as categorias, distribuídas por dez áreas da ciência. Ciências biomédicas é a área com o maior numero de membros. Dos 532 titulares, 73 titulares são mulheres – 13,72% do total. “É pouco, apesar de ser mais do que em algumas academias de ciências de países desenvolvidos. É desproporcional, se pensarmos no percentual de mulheres com doutorado no Brasil.”

A ABC também desenvolveu uma forte colaboração internacional. Hoje, tem relações com a Rede Interamericana de Academias de Ciências (IANAS), Rede Global de Academias de Ciências (IAP), Painel Médico InterAcademias (IAMP), Conselho Internacional para a Ciência (ICSU), Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento (TWAS), entre outros.

Alem disso, a Academia tem publicado, nos últimos anos, uma série de trabalhos sobre temas relevantes, entre eles educação básica, ensino superior, doenças negligenciadas, recursos hídricos e Amazônia, que geram políticas públicas. Todos estão disponíveis gratuitamente online.

Percalços da ciência no Brasil

“A ciência no Brasil é jovem, então esses percalços que atravessamos são típicos dos países que estão tentando avançar e estão na própria história da colonização do país”, apontou Davidovich. Em 10 de maio de 1747, Dom João V proibiu a impressão de livros no Brasil e, em 1785, D. Maria I, “a louca”, proibiu manufaturas no país. Em 1808, com a transferência da família real para cá, é que começaram a surgir iniciativas como a Academia Real do Rio de Janeiro, a Academia de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, o Jardim Botânico e o Museu Real, hoje Museu Nacional.

Em 1822, com a Independência, outras mudanças vieram. O primeiro cientista brasileiro conhecido foi José Bonifácio de Andrada e Silva, tutor de D. Pedro II. O imperador, que costumava frequentar encontros científicos, foi o primeiro brasileiro citado na revista Nature, em 1877. “Talvez essa seja uma boa estratégia: nós, cientistas, sermos tutores de nossos governantes”, brincou Davidovich.

Depois desse período, surgiram instituições de pesquisa importantes, como o Instituto Butantan, o Instituto Oswaldo Cruz, a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, o Instituto Agronômico de Campinas e a Universidade Federal de Viçosa. Estas três últimas correspondem aos primórdios da agricultura brasileira, que hoje vive uma pujança com o grande sucesso e crescimento da Embrapa. “A formação de pessoal no Brasil tem tido resultados fantásticos. O país dá certo, desde que tenhamos políticas continuadas.”

A Universidade Federal do Amazonas foi a primeira do Brasil, criada em 1909. Bologna, a primeira do mundo, foi fundada em 1088. Harvard, em 1636. “Então chegamos tarde e tivemos que correr, mas conquistamos muita coisa”, destacou Davidovich. Ele informou, por exemplo, que o Brasil foi construído em concreto graças à Escola Politécnica da USP; que o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) levou à fundação da Embraer e o tanque oceânico da Coppe, com capacidade de 23 milhões de litros, é o maior do mundo.

O número de artigos produzidos no Brasil aumenta, o impacto também. Estamos avançando, mas não de forma suficientemente rápida. Em 2010, o Brasil tinha 710 pesquisadores por milhão de habitantes, e a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é 7.600. O número de graduandos que concluem o curso de engenharia é metade do número de matriculas, ou seja, há uma evasão alta. Em áreas como o Direito isso não acontece, mas um dos motivos é a quantidade de instituições privadas com o objetivo de lucro de baixo nível de qualidade no país. Nos Estados Unidos, essas instituições são apenas 2%, aqui são cerca de 70%. Há, portanto, muito a fazer.

Davidovich comentou que, em época de crise econômica, o primeiro ministro da China, em 2012, anunciou que ia aumentar o investimento em pesquisa básica em 26% em relação ao ano anterior. O mesmo fizeram a Índia e a Rússia. “Vários países contrariam a ideia de que a crise deve significar um sacrifício econômico para todas as áreas. Dado que se está em uma crise, deve-se investir mais em ciência, para se ter uma saída sustentável.”

Ciência e arte

Para que serve a ciência básica? Sobre essa questão, Davidovich citou uma resposta do físico Michael Faraday a William Gladstone, então ministro das Finanças da Inglaterra, quando perguntado sobre o uso prático da eletricidade, em 1850. Ele respondeu: “um dia o senhor vai taxá-la”. Muitos cientistas da física quântica do século XX pesquisavam sem estarem preocupados com a aplicação – faziam porque eram apaixonados, entre eles Albert Einstein, Marie Curie, Max Planck e Erwin Schrödinger. Ainda assim, o que eles descobriram mudou o mundo.

São resultados da física quântica, por exemplo, o laser e a ressonância magnética. “Pesquisa básica sem o objetivo de aplicação, muitas vezes, resulta em grandes descobertas”, afirmou Davidovich. “Devido a uma sutil peculiaridade da evolução da espécie humana, a paixão pela ciência serve à humanidade, revoluciona o cotidiano das pessoas.”

Davidovich fez, ainda, uma associação entre ciência, arte, beleza e cultura, citando Max Planck ao afirmar que não se pode dissociá-las: “É impossível fazer um corte claro entre ciência, religião e arte. O todo nunca é igual à soma de suas partes”.

Einstein, que participou de um grupo de estudos sobre filosofia e física, também falou sobre o tema: “A coisa mais bela que podemos experimentar é o misterioso. Essa é a fonte de toda verdadeira arte e toda a ciência. Aquele para quem essa emoção é estranha, aquele que não pode mais fazer uma pausa para refletir e ficar absorto em admiração, está praticamente morto: seus olhos estão fechados”.

Veja aqui a apresentação.