No dia 6 de fevereiro de 2016, sábado de carnaval, um grupo de 10 cientistas coordenados por Stevens Rehen, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro afiliado da ABC de 2008 a 2012, reuniram-se no Instituto DOr de Pesquisa e Ensino (Idor) com o objetivo de descobrir se havia, de fato, alguma relação entre o vírus da zika e os casos de microcefalia descobertos em várias regiões do Brasil.

O estudo foi feito a partir da aplicação do vírus da zika em pequenos organoides feitos com células-tronco que simulavam uma forma embrionária do cérebro humano. O processo para se produzir “minicérebros” e as possibilidades oferecidas por este avanço da neurociência foram os temas tratados por Rehen na palestra “Neuroesferas e organoides de cérebros”, realizada na 68ª Reunião Anual da Sociedade brasileira para o Progresso da Ciência, em Porto Seguro (BA).

Sabendo dos experimentos que estavam sendo realizados com organoides de cérebros pelos pesquisadores no Idor, Amilcar Tanuri, pesquisador do Instituto de Biologia da UFRJ, conversou com Stevens Rehen, durante evento na ABC, e propôs que essa tecnologia fosse usada para pesquisas sobre a ação do vírus da zika no cérebro humano.

Em 25 dias, a partir do início das pesquisas, os cientistas já tinham a comprovação da ação da zika nos modelos de minicérebros. O vírus provoca a morte das células cerebrais, impedindo a neurogênese, que é a produção de novos neurônios pelo cérebro, provocando a microcefalia. Pouco tempo depois, a pesquisa foi publicada na revista Science, um dos principais veículos de divulgação científica do mundo.

Evolução da neurociência

Stevens Rehen estabeleceu, em sua apresentação, uma trajetória evolutiva das pesquisas em neurociência que culminaram na possibilidade de produção de organoides de cérebro com células-tronco.

Na década de 1950, Aaron Moskona em Nova York, fazia experimentos criando agregados quiméricos com células de camundongos e galinhas. No Brasil, durantes as décadas de 1980 e 90, o Acadêmico Fernando Garcia de Mello contribuiu para o ramo da neurociência com pesquisas utilizando agregados de retina de aves e mamíferos, método empregado até hoje na UFRJ.

Essa trajetória culminou, na década de 1990, na descoberta de Brent Reynolds e Samuel Weiss das neuroesferas, agregados tridimensionais produzidos por células-tronco que produziam neurônios e astrócitos.

Em 1998, o pesquisador estadunidense James Thomson isolou células-tronco embrionárias humanas. “São células com capacidade de formar qualquer tecido do corpo, desde que sejam dadas pistas a elas de como fazer isso”, explica Rehen. “Entre os tecidos possíveis, as células poderiam se tornar neurônios.”

Dez anos depois, no Japão, o cientista Yoshiki Sasai começava a criar os primeiros órgãos humanos utilizando células-tronco embrionárias de Thomson. Era o início da formação de estruturas tridimensionais a partir das células-tronco. Nessa mesma época, Shinya Yamanaka reprogramou células humanas, identificando quatro genes que poderiam fazer células voltarem a se comportar como as embrionarias.

Poucos anos depois, em 2013, um grupo liderado pela neurocientista Madeline Lancaster, da Academia Austríaca de Ciências, desenvolveu os primeiros minicérebros, pesquisa amplamente citada e referenciada por Stevens Rehen nos experimentos com o vírus da zika. “Atualmente é possível criar organoides com células reprogramadas de pacientes para identificar alterações na formação de seus cérebros”, explica Rehen.

Investimentos em pesquisa

As pesquisas utilizando organóides cerebrais continuam, conta Rehen, e outras partes do corpo humano também podem ser reproduzidas a partir da combinação de reprogramação celular e geração de organoides, mas o cientista destaca a necessidade de investir em pesquisa para que resultados sejam conquistados a longo prazo.

“A ciência precisa de investimento e isso leva tempo”, diz Rehen. “Vejam quanto tempo se passou desde as descobertas do professor Garcia de Mello. Para conseguir essas descobertas é necessário percorrer um caminho.”-