Matemática não é um tema que atraia multidões, mas, no Brasil, é um caso de sucesso. A afirmação é do Acadêmico Marcelo Viana, que apresentou um panorama geral dessa área em conferência na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em julho na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro.
Marcelo Viana fala sobre o panorama da matemática no Brasil em Porto Seguro, Bahia
Viana, que recentemente foi o primeiro brasileiro a ganhar o Grande Prêmio Científico Louis D., a maior distinção da França para a pesquisa científica, afirmou que a matemática começou a se desenvolver no Brasil há pouco tempo. Ele apresentou um histórico iniciado com a criação da Academia Brasileira de Ciências (ABC) há 100 anos, em 1916. Em 1934, foi criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Em 1948, surgiu a SBPC; em 1951, o CNPq e Capes e, em 1952, o Impa.
Em 1954, o Brasil aderiu à IMU – União Matemática Internacional – “um marco importante, equivalente à CBF entrar na FIFA”, comparou Viana. Ele informou que, curiosamente, ninguém sabe quem propôs a entrada do Brasil na IMU, pois não há registros. Em 1957, aconteceu o 1º Colóquio Brasileiro de Matemática, que ocorre regularmente sem falha há 60 anos. Em 1969, foi criada a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).
Finalmente, há dois anos, foi aprovada a realização do Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) no Brasil, em 2018. Neste evento, é entregue a consagrada Medalha Fields, considerada o “Nobel da matemática”, que é entregue a cada quatro anos. Na última edição, em 2014, o brasileiro e Acadêmico Artur Avila foi um dos vencedores, sendo esta a primeira vez que a Medalha foi entregue a alguém do hemisfério Sul.
Números brasileiros
Segundo Viana, não existem estatísticas confiáveis de quantos matemáticos há no país, mas acredita-se que a comunidade dessa área seja composta por cerca de 2 mil doutores, professores e pesquisadores ativos. “Acredita-se que a Austrália, que tem um décimo da população brasileira, também tenha 2 mil matemáticos”, afirmou o Acadêmico. A França tem 6 mil, os Estados Unidos 15 mil e o total mundial é de 80 mil.
O Brasil tem 59 programas de pós-graduação na área, formando cerca de 170 doutores e 400 mestres por ano, com um crescimento recente de em torno de 10% ao ano. Os principais temas de pesquisa são análise funcional, geometria diferencial, sistemas dinâmicos, teoria das folheações, teoria da probabilidade, entre outras. Produzimos 2% dos artigos científicos de matemática do mundo, e somos 1,81% em relação às citações. “Isso significa que os artigos de matemática publicados por brasileiros são cerca de 12% menos citados que a média mundial”, apontou Viana.
A área brasileira que produz mais artigos são as ciências da agronomia, com um total de 6% no mundo, mas, em termos de citações, não chegam nem a 40%. “Se fosse pelo poderio econômico, deveríamos ser 3% do mundo em matemática, então teríamos que aumentar nossa produção matemática em pelo menos 50%”, calculou o Acadêmico, que indicou que o fomento do CNPq à matemática e estatística é da ordem de 2% do total.
Além disso, é preciso que haja mais matemáticos. O Brasil tem cerca de 250 universidades com cursos de matemática. São necessários cerca de 280 doutores nessa área formados por ano para dar conta de atender essa demanda, considerando que os professores se aposentam, além de outras razões de afastamento. “Os Estados Unidos formam 1.700 doutores por ano em matemática, em mais de 270 departamentos. Lá, essa formação não atende só o setor acadêmico, mas também o produtivo.”
Motivos para comemorar
Viana destacou, no entanto, boas iniciativas brasileiras que justificam a afirmação do início deste texto. Uma delas é a OBMEP – Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, da qual, atualmente, participam cerca de 18 milhões de crianças e 98% das escolas. Mesmo tendo pouco para onde crescer, a OBMEP está se intensificando. “Não queremos que seja só uma competição, mas que tenha um efeito na sala de aula. Quando a escola se envolve, ela acaba evoluindo mais.” Por isso, foi criado o programa OBMEP na Escola, que envolve o treinamento dos alunos e auto avaliação, visando também a valorização do professor. “A OBMEP é um descobridor de talentos e esta se tornando cada vez mais um projeto educacional.”
Outra iniciativa importante foi o Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (Profmat), cuja maioria dos alunos é composta por professores de matemática da rede pública. Além disso, há a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), já consagrada.
Além de sediar o Congresso Internacional de Matemáticos em 2018, outro motivo de comemoração para o Brasil é a realização da Olimpíada Internacional de Matemática no Rio de Janeiro, em julho de 2017. Será um evento para 1.000 participantes de 120 países. “Para mim, que tenho um papel institucional, é uma dor de cabeça, mas vai ser uma festa”, celebrou Viana. “O Brasil está passando por uma fase horrível em que todas as notícias são ruins, mas essa é uma exceção.”
A ideia de Marcelo Viana é que o país aproveite esses dois eventos para construir uma agenda que aborde os desafios que a matemática enfrenta: “O primeiro deles é o fato de essa disciplina não atrair as pessoas, despertar medo.” Para isso, está tramitando no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara 25/2016, que institui o Biênio da Matemática no Brasil, em 2017 e 2018, e deve ser votado até agosto. “Estamos montando uma programação e construindo parcerias para fazer do biênio um divisor de águas no panorama da matemática no Brasil.”
Ele afirmou que a matemática brasileira, apesar de muito jovem, apresenta focos de excelência do mais alto nível internacional e ocupa uma posição de destaque no cenário científico mundial. “Ela vem crescendo qualitativa e quantitativamente, mas continua sendo muito pequena e aquém das necessidades nacionais, particularmente na formação de alto nível.” Os focos de excelência, de acordo com Viana, estão concentrados em um pequeno número de instituições, de áreas de pesquisa e de jovens pesquisadores, que têm dificuldade para crescer.
“A situação do ensino de matemática no Brasil, em praticamente todos os níveis, é catastrófica. De modo geral, ela é respeitada, mas incompreendida e temida”, comentou Viana. O diálogo com outros setores, especialmente o produtivo, cresce, mas ainda é incipiente. Alguns exemplos positivos são o Instituto de Matemática Industrial, em Curitiba, e o Centro de Matemática Aplicada a Indústria, em são Carlos.