O lugar da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês) na educação e no mercado de trabalho brasileiros foi o tema de uma das sessões do “Simpósio Internacional Desafios da Educação Técnico-Científica no Ensino Médio”. O evento, coordenado pela Acadêmica Debora Foguel, aconteceu nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.

Anomalias no sistema educacional


O Acadêmico Simon Schwartzman

Na sessão, o Acadêmico e sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), apresentou alguns problemas que o Brasil apresenta relativos a essa área. O país tem cerca de 10 milhões de profissionais de nível superior e cerca de 7 milhões de nível médio. “Ter mais gente formada no nível superior do que no técnico indica uma anomalia”, afirmou. “O ideal seria ter uma base técnica ampla.” Nesses dois níveis, o número de pessoas que atuam na área de STEM é baixo (veja a tabela abaixo).

Outro problema se encontra na pós-graduação. São titulados em torno de 15 mil doutores por ano, sendo apenas 3 mil da área de STEM (veja a tabela abaixo). “Das 87 mil pessoas fazendo doutorado, pouco mais de 20% são dessas disciplinas”, destacou Schwartzman. O cenário se repete no caso do mestrado. “O Brasil não desenvolveu mestrado profissional, outra anomalia do sistema educacional, e pessoas que vão fazer pesquisa mais avançada acabam indo para o doutorado.

Além disso, 66% dos doutores brasileiros dão aula em universidades e fazem pesquisas acadêmicas, atuando pouco na indústria. “É um ciclo que se reproduz.” Já a graduação conta com cerca de 7 milhões e 300 mil estudantes, dos quais um milhão é da área de STEM. A maior parte dos alunos está nas ciências sociais, negócios e direito e, em seguida, na área de educação. “Esse dado, então, é compatível com o mercado de trabalho, que acaba não tendo uma demanda muito grande de profissionais de STEM. No Brasil, basicamente, o mercado de trabalho é de serviços. Se estivéssemos formando um grande numero de engenheiros, será que gerariam trabalho?”, questionou o sociólogo.

Outra anomalia apontada por Schwartzman é o fato de que, considerando a área de formação por grau acadêmico, no setor tecnológico (cursos de duração curta, de dois a três anos), a área com mais estudantes é a de ciências sociais, negócios e direito, e não a de STEM. Ele citou como um bom exemplo o sistema de college norte-americano, correspondente a dois anos de estudo após o ensino médio que precedem a graduação. “Seria exatamente o nosso tecnológico, com uma grande base de acesso a um ensino mais curto e, depois, com um número menor de pessoas indo para o ensino superior.”

No caso do nível médio, o país tem cerca de dez milhões de estudantes, dos quais um milhão e 700 mil são técnicos de nível médio – a Europa e os Estados Unidos, por exemplo, têm um grande número de estudantes de nível técnico-profissional. “No Brasil, para que o aluno possa fazer o ensino técnico, ele precisa terminar todo o nível médio”, criticou o Acadêmico, informando que a maior parte dos técnicos brasileiros atua na área de saúde e meio ambiente.

Schwartzman também chamou atenção para o fato de existir um sistema “invisível” de formação profissional que não aparece em nenhum quadro. São escolas livres, terceiro setor, sindicatos, associações, treinamento no setor privado, formação de servidores civis e militares, entre outros. “Há muita gente sendo treinada em lugares como hospitais e empresas.”

“Uma conclusão é que o setor de STEM é pequeno dentro da área geral de educação profissional”, disse Schwartzman. Na pós-graduação, é preciso fortalecer os vínculos dos formados com o setor produtivo. “O ensino superior dá poucas opções de formação profissional pós-secundária e o ensino médio dá pouco espaço para o ensino técnico, que é atendido mais pelo setor privado.”

O desafio do letramento científico

Luís Carlos de Menezes, membro do Conselho Técnico Científico da CAPES para Educação Básica e professor de física da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que mais da metade das pessoas que passaram pela escola não tem sequer o letramento científico básico. Além disso, dos que tem ensino superior, apenas cerca de 10% têm letramento científico eficiente, incluindo professores. “Isso mostra a qualidade da nossa educação, não só científica”, alertou, dando como exemplo sua experiência pessoal.


Kelly Maurice (Worldfund Brasil), que coordenou a sessão; e os palestrantes João Batista e Oliveira, Luis Carlos de Menezes e Marcos Paim

“Formo pessoas há três décadas e, até hoje, a educação científica escolar é totalmente distante do mundo real. Pergunte a um professor de física do ensino médio o que é LED. Jovens passam muitas horas por dia em frente ao LED, mas ninguém sabe explicar por que emite luz. Há uma distância entre o professor escolar e a realidade vivida”, afirmou Menezes. Nas licenciaturas de física, continuou o palestrante, não há um único curso que dê uma ideia de como se opera um semicondutor; para aprender isso é preciso fazer uma pós-graduação.

“Quando usa-se o método hands-on, os alunos gostam, mas os professores se assustam”, disse Menezes. “Ser professor é contar para os outros, de segunda mão, algo que ele entende mais ou menos. Uma aula é um sujeito escrevendo no quadro o que o aluno podia ler no livro, mas não leu. Tenho fortes dúvidas se estamos caminhando em uma boa direção.”

Além disso, para o físico, o esforço de formar gente em ciência e tecnologia deve vir acompanhado de um esforço político de industrializar o país e de criar espaços onde essas pessoas vão trabalhar. Segundo Menezes, o Brasil foi fortemente desindustrializado nas últimas décadas. “Produzimos uma massa de analfabetos científicos, mas a demanda de gente que seja cientificamente alfabetizada também não é grande. Temos um grave problema educacional, mas que está associado ao fato de termos voltado a ser exportador de commodities.”

A questão do currículo

João Batista Araujo e Oliveira, criador da ONG Instituto Alfa e Beto (IAB), que promove políticas e práticas de educação e alfabetização, afirmou que, nessa discussão, STEM é um ponto de apoio, mas é essencial falar sobre o currículo. “Ele vai influenciar o que os professores vão ensinar. Dizem que faltam 100 mil professores no ensino médio, mas também não faltam alunos qualificados?” Segundo Oliveira, há uma relação muito forte entre um tópico constar em um currículo e o desempenho dos alunos em uma prova. O currículo é um referencial importante que possibilita, mas não garante, que algo será ensinado.

“Nossa base disciplinar do currículo não responde a uma estrutura lógica, nem considera se o indivíduo estará preparado para pensar em determinado assunto”, comentou. “Deve haver respeito ao indivíduo e ao que ele sabe, e torná-lo capaz de saber.” Além disso, o currículo determina quais conhecimentos o professor deve ter. “Isso envolve a questão das habilidades cognitivas e não cognitivas, um tópico espinhoso, pois diz respeito àquilo que é relevante que a criança estude. Para ter-se efeito em habilidades cognitivas, o salto é muito grande.”

Oliveira sugeriu que a Academia Brasileira de Ciências se manifeste, portanto, sobre a proposta de uma base curricular, que está em discussão. A ABC, no momento, tem dois grupos de estudo sobre educação em andamento. “É preciso repensar, também, a questão de critério e rigor. A ABC tem a função de chamar a Capes, o CNPq e outras associações e começar a melhorar os critérios das pessoas que vão fazer as nossas políticas.”

Um exemplo positivo

Marcos Paim apresentou a experiência do programa STEM Brasil, uma comunidade de aprendizagem virtual que atua no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. É uma iniciativa do Worldfund, que trabalha em parceria com os governos locais da América Latina e leva empresas privadas para investirem recursos e conhecimentos em projetos voltados para a educação.

No programa STEM Brasil, professores da área de física, química matemática e demais disciplinas STEM têm um treinamento para ensinar de forma prática e inovadora. A formação desses professores é supervisionada por Paim, que é o treinador líder. Nessa rede virtual, os professores conversam sobre práticas diferentes que experimentaram em sala de aula, buscam informações, tiram dúvidas etc. “É preciso olhar para quem é o nosso professor de hoje”, disse Paim. “Eles têm problemas, mas também estão conectados. Queremos que o professor gaste o tempo dele investindo em estratégias de aprendizado.”

Paim mostrou o exemplo de um professor de São Paulo que ofereceu uma disciplina eletiva aos alunos em que eles construíam um ventilador inteligente, que aumenta a velocidade conforme a temperatura. “Isso é eletrônica do mundo real, feita a partir de arduíno [plataforma física de computação de código aberto baseado numa simples placa microcontroladora, e um ambiente de desenvolvimento para escrever o código para a placa], que é fácil de conseguir. Nosso objetivo é ensinar o que é LED, sensor, para que serve uso decimal, o que é programação, logaritmo. Trabalhamos com mapas conceituais ou mentais que possam identificar no currículo o que está presente naquela atividade, ou seja, cumprimos o compromisso curricular.”

O programa conta com 144 atividades para o ensino médio que cobrem todo o currículo, além de extras, como robótica. Durante a formação, os professores realizam exatamente as mesmas atividades que são propostas como ponto de partida para os alunos.” Essas atividades podem durar duas horas ou dois meses, o professor é quem vai transformar a atividade em projeto. Assim, ele ganha segurança porque já fez a atividade e vai fazer as adaptações em cima disso.”