Desconstruir o ensino superior como um fator de exclusão social é um dos principais desafios do da educação brasileira. A afirmação é de Naomar de Almeida Filho, ex-reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), uma das universidades mais inovadoras do país. Ele participou do Seminário Internacional de Políticas de Ensino Superior nos Países em Desenvolvimento, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) nos dias 21 e 22 de setembro, na sede da ABC.
Kirti Menon; Nilcea Freire, que coordenou a sessão; e Naomar Almeida
Filho apresentou a dinâmica das desigualdades sociais no Brasil, marcada por um sistema de impostos e uma estrutura de educação desigual, que reproduz uma dominação política e perpetua a pobreza. “Há uma minoria social que recebe incentivos fiscais e tem uma qualidade de educação em escolas privadas com benefícios fiscais, afirmou. “Essa minoria é a que terá acesso às universidades públicas, em que não há mensalidades e a qualidade do ensino é melhor. Ou seja, é essa minoria que terá uma renda maior, empregabilidade, capital político e valor social.”
Ao mesmo tempo, explicou o palestrante, a maioria pobre, que financia o Estado, só tem acesso a uma educação básica pública de qualidade baixa e, depois, a um ensino superior pago e também de má qualidade. Isso gera uma renda mais baixa, desemprego e exclusão social. Ou seja, é um círculo vicioso, como mostra o esquema abaixo:
Fonte: Apresentação/ Naomar Filho
A reforma das universidades de 2008 expandiu as políticas de ação afirmativa, o número de vagas e promoveu a abertura de cursos noturnos e de novas universidades. Isso ampliou o acesso da maioria pobre ao ensino superior, além de possibilitar a reformulação de currículos e a experimentação de cursos e instituições inovadoras. Uma delas é a Universidade Federal do ABC (UFABC), um exemplo de universidade com uma estrutura curricular mais moderna.
A UFSB, outra universidade inovadora, está instalada no sul da Bahia, atendendo a 48 municípios e 1,5 milhão de habitantes. A expansão das universidades para o interior do país envolve vários desafios, mostrou Filho. Entre eles, a dificuldade de retenção de professores e uma integração social reduzida. A proposta da UFSB foi levar à região uma instituição de graduação mais geral, com um sistema trimestral e currículos modulares e flexíveis, além de uma cobertura territorial ampla e estrutura organizacional muito leve.
“A área básica de ingresso inclui o primeiro ciclo, de três anos, em que estão englobados os graus de ensino interdisciplinares e bacharelados interdisciplinares”, explicou Filho. A cota é de 85% para pobres, pessoas de áreas rurais, negros e indígenas. Na região, contou o palestrante, não há escolas privadas.
A UFSB também tem colégios universitários, incluindo colégios indígenas e em áreas de quilombos e assentamentos, e está integrada com tecnologias digitais. “O conflito entre ampliação do acesso e a excelência acadêmica pode ser resolvido com o uso intensivo da tecnologia, a integração entre ensino e pesquisa, estratégias pedagógicas solidárias e planejamento sistêmico participativo”, concluiu.
Diferenciação na África do Sul
Kirti Menon, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, comentou que o sistema de ensino superior no seu país é menor do que no Brasil, pois há apenas um milhão de estudantes nesse nível. “O problema da diferenciação na África do Sul é que tem um passado ruim [da segregação racial promovida pelo regime do apartheid].”
Ela contou que, atualmente, existem 26 universidades no país. “De um sistema que tinha universidades tradicionais e technikons, passamos a ter três novos tipos, que são o que chamamos de universidades tecnológicas, voltadas para a prática e técnica; tradicionais, com ensino voltado para a teoria; e abrangentes, com os dois tipos de formação.
“Ensino superior na África do Sul é marcado pela ausência de política”, disse Kirti. “Pode-se mudar a política no papel, mas continuam a seguir o velho norte.” Ela explicou que, portanto, a diferenciação é impulsionada pela ausência de políticas, e todas as instituições acabam buscando, principalmente, implementar programas de pós-graduação, pois não há recompensas para o ensino de graduação. “Políticas acadêmicas para o ensino superior não levam em conta a necessidade de diferenciação.”
Kirti apontou que, para se avançar nesse sentido, é preciso compreender as necessidades dos estudantes e do mercado e investir na flexibilidade, articulação e inovação.