O vencedor do Prêmio Nobel de Medicina de 2011 Jules Hoffmann encerrou o segundo dia de palestras da Reunião Magna 2015 com uma conferência que lotou o auditório da Academia Brasileira de Ciências (ABC) de estudantes, professores e interessados das mais diversas áreas. O francês, pesquisador da Universidade de Estrasburgo, além de diretor de pesquisa e membro do conselho de administração do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), prendeu a atenção do público ao explicar como chegou às suas descobertas sobre a ativação da imunidade inata.
Com formação em química e biologia, Hoffmann foi vencedor do prestigiado prêmio juntamente com o pesquisador Bruce Beutler. Ele mostrou como o sistema de defesa da imunidade inata atua desde os insetos até os humanos, utilizando drosófilas em suas pesquisas. O sistema imunológico é o que protege o organismo de doenças, que podem ser causadas tanto por bactérias como por vírus, fungos, protozoários, entre outros.
O sistema imune inato, ou imunidade inata, são as formas de imunidade que vêm desde o nascimento do indivíduo, sem especificidade nem memória imunológica, em oposição à imunidade adquirida por meio da exposição. “A imunidade inata desempenha um papel central no campo dos medicamentos”, afirmou a Acadêmica e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, ao apresentar o conferencista.
Hoffmann explicou que a expectativa de vida da população não sofreu mudanças significativas desde o Paleolítico até 1690. A partir daí, passou a crescer enormemente, por conta de descobertas inovadoras em imunologia e microbiologia. Entre 1850 e 2000, a expectativa de vida aumentou três vezes, e os responsáveis foram, em parte, a melhora das condições de higiene, o desenvolvimento dos antibióticos e a vacinação. “Provavelmente 2 bilhões de vidas foram salvas devido à vacinação”, afirmou o francês.
Os desafios, no entanto, não acabaram. A higiene adequada ainda é um problema em muitas regiões do planeta, e vacinas ainda são inexistentes para agressores microbiais essenciais, como o HIV, ou então não oferecem proteção suficiente contra cepas microbianas [espécies descendentes de micróbios, seja por mutações ou adaptações ambientais, que compartilham semelhanças morfológicas ou fisiológicas].
Além disso, outros fatores que complicam o quadro são o fato de a vacinação ainda sofrer muita oposição por determinados setores da sociedade e de os micróbios estarem se tornando cada vez mais resistentes a antibióticos (para saber mais, veja também a matéria sobre a conferência da vencedora do Prêmio Nobel de Química Ada Yonath). “Então, é interessante que as ciências médicas busquem melhorar a defesa contra estes micro-organismos prejudiciais”, comentou Hoffmann.
Sua pesquisa, desenvolvida na Universidade de Estrasburgo, visou a entender as defesas antimicrobianas em insetos. Ele explicou que, na época, sabia-se que os insetos são afetados por bactérias, fungos, protozoários e outros micro-organismos. “Insetos correspondem a cerca de 80% de todas as espécies vivas da Terra. Anualmente, destroem um terço das colheitas, e colocam um terço da humanidade em risco de infecções bacteriais, fungais, virais e parasitas por suas capacidades de vetor.” Ele afirmou que os objetivos desses estudos não são propriamente encontrar uma aplicação prática, mas entender o que acontece na natureza.
Assim, Hoffmann explicou como sua equipe trabalhou na indução de uma atividade antibacteriana na drosófila para investigar a resposta ao desafio imunológico. Buscaram compreender a identidade das moléculas, o controle da expressão gênica e os receptores de padrões microbianos. “Não sabíamos nada sobre isso, levamos sete anos para entender.”
Entre suas descobertas, Hoffmann e sua equipe perceberam que as moscas que tinham uma mutação ao nível de um gene chamado Toll morriam quando eram infectadas por bactérias ou fungos, porque não conseguiam desenvolver uma reação imunológico contra eles. Esse gene estaria envolvido na detecção dos micro-organismos patogênicos pelo sistema imunológico das moscas, e sua ativação seria necessária para a imunidade inata funcionar corretamente.
O trabalho de Hoffmann, combinado com o de Beutler, que estudou o sistema imune em ratos, pode ter aplicações potenciais em terapias voltadas para o tratamento de infecções, inflamações, problemas no sistema nervoso central, nos rins, câncer, entre outros.
Hoffmann foi presidente da Academia de Ciências da França em 2007, mesmo ano em que ganhou o Prêmio Balzan, e é membro da Academia Russa de Ciências, da Academia Leopoldina (Alemanha) e outras associações.