Doutorado em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pós-doutorado em ecofisiologia de algas pelo Instituto de Ecologia de Água Doce (Inglaterra), Francisco Barbosa abordou os serviços ecossistêmicos. A palestra ocorreu no âmbito do Simpósio sobre Recursos Hídricos no Sudeste, promovido pela Academia Brasileira de Ciências e realizado no Instituto de Botânica de São Paulo, nos dias 20 e 21 de novembro.

Barbosa destacou, de início, que as populações humanas são os maiores agentes de mudança ambiental e que as crises atuais estão diretamente relacionadas à superpopulação e ao crescimento tecnológico acelerado. Esse crescimento derivou no consumo excessivo de recursos naturais, na transformação e destruição de ambientes naturais e na erradicação de espécies únicas.

O crescimento populacional mundial foi maior na Ásia, seguida da África e América Latina. Barbosa se valeu de um tipo de avaliação não muito utilizada recentemente, que é a de crescimento demofórico. ”Esse conceito relaciona o aumento da população com o aumento do consumo de materiais e de energia, em função do crescimento tecnológico e econômico. É inevitável que esses processos, da forma como foram e vêm sendo conduzidos, levem à degradação ambiental”, afirmou o especialista.

O crescimento populacional amplia a demanda de todos os serviços. Para o ano de 2050, está previsto um aumento de 55% no consumo global. Avalia-se que 40% das pessoas viverão sob estresse hídrico e haverá uma redução significativa da capacidade dos ecossistemas de purificar água. As demandas municipais, agrícolas e industriais vão aumentar. Secas e enchentes serão mais frequentes e intensas e os mais ameaçados serão as mulheres, crianças e idosos. Ou seja, as perspectivas para 2050 não são boas e requerem ações urgentes e efetivas para enfrentá-las.

 

A disputa em torno de um poço em aldeia indiana: menos de 1% da água doce
do planeta está disponível para uso humano (Agência Reuters)

Os ecossistemas de áreas úmidas – lagos, rios, brejos, pântanos e regiões costeiras – fornecem ampla gama de serviços ecossistêmicos. Estes serviços envolvem produção pesqueira, de fibras, suprimento e purificação de água, regulação do clima, proteção costeira, oportunidades recreativas e de turismo. No século XX, 50% de tipos específicos de áreas úmidas da América do Norte, Europa, Austrália e Nova Zelândia foram destruídos.

A mudança climática global deverá exacerbar a perda e/ou degradação de áreas úmidas, com diminuição de suas espécies e aumento da incidência de vetores de doenças de veiculação hídrica. ”Cargas excessivas de nutrientes são ameaças crescentes para rios, lagos, zonas costeiras e recifes de coral, pelo risco de eutrofização”, explicou Barbosa. Ele afirmou que as pressões crescentes de múltiplas origens aumentam as chances de mudanças abruptas, de grande impacto nos ecossistemas de áreas úmidas. ”E a reversão, nesses casos, é difícil, porque requer procedimentos caros ou impossíveis de implementar”, alertou.

Para compreendermos a importância dos serviços ecossistêmicos das áreas úmidas, devemos considerar que a produção pesqueira e a pesca interior constituem a principal fonte de proteína animal para as comunidades locais nos países em desenvolvimento. Só a pesca em áreas costeiras contribui com U$34 bilhões/ano do produto bruto mundial. Os lagos, rios, pântanos e aquíferos subterrâneos são a fonte principal do suprimento de água doce para três bilhões de pessoas no mundo. Barbosa ressaltou que vários rios têm sido modificados, visando aumentar a disponibilidade de água para consumo humano: estimativas recentes indicam que represas retêm de seis a sete quilômetros cúbicos de água em todo o mundo.

Barbosa referiu-se a outros aspectos fundamentais das áreas úmidas. Um deles diz respeito ao tratamento e detoxificação de produtos de despejo. ”Algumas áreas reduzem mais do que 80% das concentrações de nitratos”, observou. Outro aspecto – um dos mais importantes – é na regulação da mudança climática global através do sequestro e liberação de carbono fixado na biosfera. ”Manguezais e planícies inundáveis podem desempenhar papel crítico no tamponamento físico dos impactos das mudanças climáticas”, declarou o ecólogo.

Além dos benefícios tangíveis, Barbosa destacou também os serviços culturais: áreas úmidas fornecem significativos benefícios estéticos, educacionais, culturais e espirituais, bem como uma ampla gama de oportunidades de recreação e turismo. ”A pesca recreativa, por exemplo, pode gerar consideráveis recursos e a maior parte do valor econômico de recifes de coral advém do ecoturismo, principalmente do mergulho.”

Barbosa, que é professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do curso de especialização em Gerenciamento Municipal de Recursos Hídricos do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, apresentou trabalhos de seu grupo de pesquisa. O Laboratório de Limnologia, Ecotoxicologia e Ecologia Aquática (Limnea-ICB/UFMG) desenvolve, entre outras, pesquisas sobre poluição de águas por arsênio em áreas de mineração e bioacumulação de pesticidas, hormônios e antibióticos. Também têm interesse no uso de bactérias heterotróficas aeróbias associadas a cianobactérias para degradar compostos de petróleo. ”Cianobactérias, aparentemente, não degradam esses compostos, mas desempenham um papel indireto na biodegradação, possibilitando o crescimento e a atividade dos grupos de bactérias biodegradadoras. E sabemos que as cianobactérias possuem capacidade de biotransformação de elementos tóxicos”, explicou o especialista.