O que é pobreza e quem é o pobre? Segundo o Banco Mundial, que tem entre seus principais objetivos a redução do fenômeno no mundo, todos aqueles que ganham menos de 1,25 dólar por dia (aproximadamente 92 reais por mês) são considerados extremamente pobres. Segundo a visão econômica tradicional, esses indivíduos jazem na ”pobreza absoluta”, onde necessidades básicas como alimentação, saúde e abrigo não podem ser cumpridas.

Mas há também a pobreza relativa, que considera a posição do indivíduo na sociedade e as desvantagens que surgem desta posição. Por exemplo, alguém que está na base ou próximo da base da pirâmide de renda de certa comunidade pode não gozar de muitos direitos em relação àqueles melhor posicionados, mesmo que suas necessidades básicas estejam supridas. A dificuldade de competir de igual para igual com pessoas em estratos sociais mais elevados é um dos problemas-chave desta pobreza, onde a ”desigualdade socioeconômica” é um termo central.

Seriam estas as únicas categorias para a definição de pobreza, e somente nelas as políticas públicas deveriam se basear? Em palestra no Workshop Internacional Sociedade e Natureza, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) em colaboração com o Conselho Internacional de Ciência (ICSU) e o Conselho Internacional de Ciência Social (ISSC), o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Andre Portela, demonstrou novas abordagens possíveis para a pobreza.

 

A pobreza está no olho de quem a mede?

”Quando queremos medir a pobreza, nós escolhemos apenas uma dimensão, e uma bem simples: renda”, explica o professor, que também coordena o Centro de Microeconomia Aplicada (C-Micro) da FGV. ”Mas se ela for pensada como um fenômeno social que abrange múltiplas dimensões, podemos defini-la como uma falta de capacidades – ou seja, das habilidades que um indivíduo precisa para funcionar bem na sociedade.”

Segundo esta visão, o conceito expande-se além da pobreza como uma mera insuficiência de renda para incluir características que impedem o indivíduo de se realizar como cidadão pleno em direitos no seu meio. ”Ser analfabeto, por exemplo, é associado com baixa renda, mas o próprio analfabetismo é uma falta de capacidade, como a de acessar informações”, continua Portela. ”Assim, ser analfabeto equivaleria a ser pobre.”

A adoção de novas abordagens tem consequências diretas sobre o tamanho da pobreza que um país acredita possuir. O Brasil, por exemplo, conseguiu uma notável redução da pobreza em termos de renda: com 24% da população sendo considerada ”pobre” em 1996, esta fração caiu para 4,2% em 2012 – ou uma para cada 23 pessoas.

Contudo, se forem consideradas características como falta de acesso a eletricidade e água, analfabetismo ou mortalidade infantil – que compõem aquilo que Portela apresenta como MPI, ou Índice Multidimensional de Pobreza -, o número de pobres aumenta e o avanço no combate à pobreza parece mais tímido: quase um terço da população brasileira (29,8%) em 1996 e mais de 15% em 2012 seria considerada ”pobre” sob essa medição – ou um em cada seis indivíduos.

”Eu escolhi este índice porque acredito que seja bom para o debate entre ciências sociais e naturais”, justifica. ”Essa literatura conjunta entre a abordagem axiomática
de pobreza absoluta baseada na renda] e multidimensional pode ser bastante útil em medir a pobreza em longo prazo”, ou seja, quando os indivíduos permanecem consistentemente em situação de pobreza ao longo do tempo.

Além de mais completa, uma visão compreensiva sobre a pobreza pode impulsionar políticas que ampliem a qualidade de vida e a cidadania como formas diretas de combate à pobreza. Para Portela, embora a relativa escassez de dados sobre a pobreza em longo prazo no Brasil seja um dos fatores que dificultam a real análise do fenômeno no país, essas novas abordagens permitirão uma alocação mais competente de recursos e investimentos pelo poder público.