Violência urbana, educação deficiente, investimentos à míngua e falta de políticas públicas sólidas e de longo prazo são questões conhecidas entre os cidadãos de países em desenvolvimento. Somem-se a elas, contudo, inéditos problemas da contemporaneidade – como a insuficiência de energias renováveis, o risco da mudança climática e a carência de um modelo de vida sustentável – e o resultado é um quadro ainda maior de desafios para a sobrevivência e prosperidade destes povos.

Uma solução possível, como proposto na primeira sessão do Workshop Internacional Sociedade e Natureza – realizado em 30/09 e 01/10 na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC) -, seria a valorização da responsabilidade social da ciência e a maior integração entre as áreas de exatas e das ciências sociais e humanas, visando a uma análise mais precisa da sociedade.

”Eu sempre achei essas divisões muito estranhas. É como se as ciências sociais não fossem naturais, nem as naturais fossem sociais”, disse o físico e diretor da ABC, Luiz Davidovich, durante sua palestra. ”As pessoas às vezes falam de ‘ciências exatas’ e ‘humanas’; então as outras seriam ‘inexatas’ ou ‘inumanas’?”

Além de Davidovich, a primeira sessão do workshop – organizado pela ABC em colaboração com o escritório latino-americano do Conselho Internacional de Ciência (ICSU) e do Conselho Internacional de Ciência Social (ISSC) – contou com a presença do coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), Claudio Beato, e do subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), o Acadêmico Ricardo Paes e Barros.

 

A estética por trás da ciência

Para iniciar o debate, Luiz Davidovich questionou a divisão entre ciências exatas e humanas como dois polos opostos ou mesmo antagônicos e a visão utilitarista da ciência, ou seja, a crença de que o valor comercial das pesquisas científicas é visível logo de início.

”O físico Michael Faraday fazia demonstrações sobre a eletricidade na corte inglesa”, contou. ”Em uma ocasião, o ministro de finanças da Inglaterra perguntou qual era o valor prático da eletricidade e Faraday respondeu: ‘um dia, senhor, você coletará muitos impostos graças a ela.’”

 

 

Um segundo exemplo dado referiu-se ao desenvolvimento da física quântica a partir do final do século 19. Segundo Davidovich, os pioneiros da área não estavam motivados pelas expectativas de ganhos financeiros com as descobertas, pois até o momento elas praticamente inexistiam. No lugar, ”eles foram movidos pela paixão e pelo fascínio.” Apesar do ceticismo inicial, as inovações e produtos advindos da mecânica quântica chegaram a representar um terço do PIB norte-americano em 2001.

É esse compromisso com a curiosidade e com um senso peculiar de beleza por trás das equações e fórmulas, corroborado com o contato pessoal de muitos cientistas ilustres com a filosofia e as artes – Einstein, por exemplo, possuía um grupo de estudos em filosofia -, que levou Davidovich a afirmar: ”a ciência está intimamente conectada com a arte e outras áreas da cultura humana”.

 

A concentração e o contágio da violência

Esclarecendo o problema da criminalidade com ajuda da estatística, o coordenador do Crisp e professor da UFMG, Claudio Beato, expôs a tendência dos crimes violentos a se concentrarem em regiões específicas: ”metade de todos esses crimes estão concentrados em pouco mais de 100 dos mais de oito mil distritos analisados no Rio de Janeiro.”

Um fato triste, mas alinhado ao senso comum, é que a simples proximidade de locais muito violentos contribui para a disseminação da violência. Demonstrando um caráter de contágio, a violência de uma determinada região tende a se espalhar às áreas vizinhas. ”É interessante também notar que, comumente, regiões com baixas taxas de criminalidade são vizinhas de outras regiões com pouco crime.”

 

 

Contrário às expectativas, porém, o problema da violência não está necessariamente atrelado à desigualdade e à pobreza. ”Nós temos muitas comunidades que são muito pobres, mas não são violentas.” Para o pesquisador, a desorganização social, baixa eficácia do poder comunitário, desordem e tendência à decadência urbana são elementos mais propícios ao crescimento da violência – e, por isso, devem ser alvos prioritários das políticas públicas.

 

Progresso social ameaçado pela produtividade estagnada

A melhora da desigualdade social – uma das grandes manchas da sociedade brasileira – nos últimos dez anos prova que o poder público, munido com análises científicas sólidas, é capaz de executar grandes transformações. ”Para garantir os direitos fundamentais a todos os seres humanos com um bom custo-benefício, as políticas públicas necessitam de evidências empíricas”, disse o subsecretário da SAE/PR, Ricardo Paes e Barros.

Descrito pela revista Exame como o ”maior especialista brasileiro em políticas públicas”, Paes destacou a contribuição dos estudos sociais para a queda da desigualdade no país: o índice Gini (mais famosa métrica da desigualdade de renda em um país, cuja escala vai de 0 a 1 – quanto maior, maior a desigualdade) do Brasil caiu de 0,6 em 2001 para 0,49 em 2013, a menor desigualdade desde os anos 60. ”A maior parte da melhora nos indicadores sociais do Brasil está relacionada à inclusão dos pobres na força produtiva.”

 

 

”Embora admitam nossos progressos sociais, muitos dizem que ele veio de fora”, lembra Paes. ”Que, como os chineses e o mundo estavam desejando muitos produtos brasileiros, o país enriqueceu graças a isso e as ações do governo não foram importantes.” Comparando o Brasil com países vizinhos ricos em commodities minerais – um dos principais motores das exportações brasileiras nos últimos dez anos -, mas sem os mesmos ganhos sociais, o pesquisador procurou desconstruir esta visão.

Mas esses avanços estão ameaçados por um termo familiar no cenário econômico: a produtividade – ou melhor, a falta dela. ”A produtividade brasileira é praticamente a mesma de 30 anos atrás. No mesmo período, a produtividade na Coreia do Sul saltou do mesmo patamar do Brasil para um nível três vezes maior que o do país hoje.” Sem mais condições de adicionar tantos indivíduos de baixa renda ao mercado de trabalho, segundo Paes e Barros, o aumento da produtividade torna-se importantíssimo para que tanto o crescimento econômico quanto a melhora dos indicadores sociais continuem.