Nesta segunda-feira (22), o ex-vice-presidente do sistema Universidade da Califórnia e atual diretor executivo da Academia Nacional de Ciências e do Conselho Nacional de Pesquisas dos EUA, Bruce Darling, compareceu à sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, para compartilhar suas experiências e discutir com acadêmicos de diversos países e diferentes estados do Brasil sobre como atingir um nível de excelência no ensino superior.

A ocasião de sua palestra foi o Simpósio Internacional sobre Excelência no Ensino Superior, que reúne, entre os dias 22 e 24 de outubro, autoridades acadêmicas e ministros brasileiros para um debate sobre formas de aprimorar a qualidade do ensino universitário.

 
Um sistema de excelência em série

A Universidade da Califórnia (UC) é um sistema de universidades públicas do Estado norte-americano da Califórnia, com um total de nove universidades, ou campi, para graduação e um para pós-graduação. Com um orçamento de mais de 11 bilhões de dólares para seus quase 235 mil alunos, a UC é considerada um dos melhores sistemas universitários do mundo: em 2012, quatro de suas universidades estavam entre as 100 melhores do mundo, segundo o ranking da revista Forbes, e sete de acordo com o U.S. News & World Report e Academic Ranking of World Universities (ARWU). Desde 2003, sua ”filial” mais conceituada, a UC Berkeley, se alterna entre o segundo e a quarto posto de melhor universidade do mundo segundo o ARWU.

 
Entrevista exclusiva à ABC

Após sua palestra, Darling concedeu uma entrevista à Assessoria de Comunicação da ABC, na qual aprofundou os tópicos de sua apresentação e deu suas opiniões sobre tópicos como o papel do capital público e privado no ensino universitário, as universidades na era das mídias digitais e a relação entre meritocracia, qualidade de ensino e crescentes custos administrativos do ensino superior.

ABC | A Universidade da Califórnia, nos EUA, é considerada um dos sistemas públicos de ensino superior mais eficientes dos Estados Unidos, no sentido em que concilia altíssima qualidade educacional (leia mais no final da matéria) com custos administrativos razoáveis, incluindo taxas de mensalidade acessíveis para seus estudantes. O senhor acredita que este modelo é realmente único, ou seja, que nem outras universidades do país o possuem? Se sim, o que o torna tão especial?

DARLING | Eu não sei se é um sistema realmente único, mas a Universidade da Califórnia conseguiu conquistar dois objetivos que são geralmente muito difíceis. O primeiro é excelência em seu programa acadêmico, tanto em termos de pesquisa quanto de educação estudantil, e o segundo é ter permitido que estudantes de baixa renda participassem da universidade. Por isso, entre as principais universidades de pesquisa dos EUA, a Universidade da Califórnia possui a maior taxa de estudantes de baixa renda – quase 40% de nossos alunos vêm de famílias de origem humilde. Isso contrasta com muitas outras universidades, onde essas taxas abrangem em torno 10% do alunado. Tanto a política da universidade quanto a do Estado da Califórnia tem sido, por muitos anos, de disponibilizar alta qualidade de educação para famílias de baixa renda, então no início nós cobrávamos mensalidades muito baixas. Entretanto, conforme o governo reduziu seu financiamento e o número de matrículas cresceu, a Universidade precisou lidar com isso, aumentando suas mensalidades. Mas mesmo com este encarecimento, seus custos continuam muito baixos se comparados aos de outras universidades dos EUA, públicas ou privadas – e certamente mais baixos do que os de qualquer universidade com semelhante performance.

ABC | O senhor acredita que este modelo de alta qualidade acadêmica com baixos custos possa ser replicado em países em desenvolvimento como o Brasil, ou será que ele é algo exclusivo de nações como os Estados Unidos ou países desenvolvidos em geral?

DARLING | Ele é um modelo raro mesmo dentro dos EUA, pois não há muitos outros exemplos dele no país – se é que há! Portanto, eu não sei nem se ele pode ser reproduzido no país, quanto mais em outros países. Isso acontece porque ele requer muitas outras fontes de financiamento para sustentar a universidade, visto que as mensalidades para os estudantes são muito baixas.

ABC | Na palestra, o senhor ouviu sobre a Universidade de São Paulo (USP), tradicionalmente a melhor universidade brasileira e uma das melhores da América Latina, e soube que ela passa atualmente por uma grande crise financeira. O senhor também falou sobre a importância do capital privado, especialmente de doações, para o orçamento das universidades públicas e privadas dos EUA. A USP já recebeu ofertas de doações de famílias ou grandes grupos econômicos brasileiros, mas estes episódios sempre foram cercados de muita polêmica e certa hostilidade, pois existe uma forte crença no país de que os interesses do capital privado não devem se envolver com os assuntos e instituições públicas. O senhor acredita que a relação entre a filantropia privada e o capital público seja inerentemente conflituosa? E quais as maneiras de promover um relacionamento harmônico entre eles?

DARLING | Eu não conheço muito sobre a situação da USP, então eu não tentarei falar sobre este caso específico. Mas eu posso dizer que, nos EUA, universidades públicas dependem não só do financiamento do governo, mas também cada vez mais da filantropia de fundações privadas, indivíduos e corporações para sustentar a educação de seus estudantes. Sem isso, elas teriam grandes dificuldades em atingir seus objetivos acadêmicos. Mas essa diversidade de investimentos tampouco foi algo fácil de conseguir, pois tal polêmica não é nada nova nos EUA. Antigamente, muitos também defendiam que universidades públicas deveriam ser exclusivamente financiadas pelo governo. Foi necessário algo em torno de 20 a 30 anos de evolução, com o máximo de cuidado para garantir que as doações e suas condições fossem utilizadas corretamente – de modo que os filantropos não exigissem coisas inapropriadas das universidades. Mas isso possibilitou grandes avanços: muitos estudantes são financiados por programas privados de bolsas ou parcerias filantrópicas e não conseguiriam estudar sem este tipo de apoio. Então eu acho que esta é uma relação importante e que deve continuar, mas com a devida atenção aos problemas particulares de cada sociedade.

ABC| Tratando da relação entre universidades e a era da tecnologia de informação: o senhor acredita que as universidades sejam uma das principais forças por trás da recente explosão de tecnologias digitais – principalmente as chamadas mídias sociais e startups de internet – ou que este fenômeno se desenvolveu de forma independente dos grandes centros universitários e que estes agora estejam procurando ”alcançar” o ritmo de inovações desses novos empreendimentos?

DARLING | Eu não sou um acadêmico de mídias sociais, então não posso responder essa pergunta de um jeito inteligente. Ainda assim, eu acredito que é uma combinação de tudo isso. Eu tenho um amigo que, quando trabalhava nos laboratórios Bell (Bell Labs) nos anos 80, estava envolvido com pesquisas relacionadas ao que ele chamava naquela época de ”mídias sociais” – e eu não entendia ao que ele estava se referindo. Mas agora que este fenômeno emergiu, você vê que há pessoas como este meu amigo, que sempre apoiaram estas ideias com pesquisas científicas e trabalhos de engenharia, e também pessoas em empresas privadas que contribuíram para torná-las uma realidade. Por isso eu acredito que se trata de uma combinação de diferentes forças, inclusive a do governo, que tornou possível muito deste trabalho em pesquisa. Meu amigo e muitos outros no ramo recebiam, além de auxílio do capital privado, financiamento do governo.

ABC | Recentemente tem havido muita preocupação com o aumento dos custos administrativos de universidades e outras instituições de ensino superior, tanto nos EUA e países desenvolvidos quanto em nações em desenvolvimento. O senhor acredita que este aumento de custos – especialmente o das mensalidades estudantis – fere o preceito da meritocracia, no qual muitas universidades de seu país se baseiam?

DARLING | Eu acho que há uma discussão nos EUA sobre isso e não tenho certeza de que temos uma resposta quantitativa baseada em estudos econômicos, mas a maioria das pessoas acredita que, conforme as mensalidades sobem, a situação dos estudantes de baixa renda fica mais difícil. Entretanto, deixe-me dar um exemplo de modelos que indicam que este não é o caso: na Universidade da Califórnia, uma parcela das taxas estudantis é reservada para um programa de auxílio financeiro. Assim, toda vez que as taxas sobem, de fato aumentam os fundos para auxiliar os estudantes. Um jeito de descrever este sistema é o seguinte: famílias com condições financeiras auxiliam aquelas que não podem arcar com os custos, pois parte das taxas que são cobradas das pessoas de alta renda são transferidas para as de baixa.

Agora, isso gera um novo problema, pois algumas famílias não são ricas o bastante para custear os estudos de outras, mas não são pobres demais para se qualificar ao auxílio estudantil. Assim, a grande preocupação agora é garantir que famílias de classe média também consigam enviar seus filhos para a universidade sem se endividar. Para isso, a Universidade da Califórnia e muitas outras adotaram políticas de financiamento que permitam a estudantes dessas famílias receber algum auxílio.

ABC| Quais os maiores obstáculos para uma mudança substancial de políticas que promovam a qualidade acadêmica de um nível regional para um nível global nas instituições do ensino superior?

DARLING | Há muitas forças na sociedade que estão tentando atingir este objetivo. O governo está exercendo uma influência muito positiva, assim como os setores privados e as próprias universidades. Entretanto, alcançar este padrão de excelência é algo muito difícil e perdê-lo é muito fácil. Os obstáculos que existem são internos, ou seja, dentro das próprias instituições; são também da sociedade, pois todos querem excelência com o menor custo possível e esses desejos são muitas vezes incongruentes; e também é verdade que muitos empecilhos vêm do governo, que também quer conquistar excelência mantendo os custos baixos para as famílias.

Há maneiras de fazer isso, claro; uma delas é providenciando auxílio financeiro para aqueles sem condições de pagar pelos estudos. Entretanto, manter as despesas baixas muitas vezes compromete a qualidade. Eu acho que tanto nos EUA quanto em qualquer sociedade haja debates sobre se esses são objetivos sensatos e, se sim, como é possível controlar os gastos sem prejudicar as instituições ou destruir as aspirações de seus estudantes.