O Brasil está em 61ª posição no ranking dos países inovadores. Associado a esse dado, há o número de depósitos de patentes no país, ainda baixo, que denota a necessidade de que os pesquisadores atuem mais nessa direção. Isso não é, entretanto, prejudicial à pesquisa científica, conforme defendeu o diretor de Cooperação Institucional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Acadêmico, Paulo Beirão, na palestra “Publicações ou patentes: um falso dilema da ciência no Brasil”, durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Rio Branco, no Acre.

Paulo Beirão e o também Acadêmico Otávio Velho,
que apresentou o palestrante

Beirão afirmou que, enquanto aumentamos em números como os de matrículas na graduação, doutores formados e currículos cadastrados na Plataforma Lattes, os avanços na área de inovação são bem mais modestos. O déficit na balança comercial de produtos de alta tecnologia tem aumentado e ainda temos menos pesquisadores do que a média mundial – apesar de esse total ter dobrado em seis anos. “Apesar do atraso, estamos fazendo o dever de casa”, comentou.
O problema é que a maioria dos doutores segue pela área acadêmica e são pouco absorvidos pelas empresas. Além disso, a contribuição de empresas estrangeiras que depositam patentes no país é maior do que das brasileiras. Segundo Beirão, há uma ideia, que surge constantemente na mídia, de que publicar e patentear são ações inconciliáveis, o que não é verdade. “Os pesquisadores não devem se dedicar menos às publicações científicas e mais às patentes, nem aqueles que interagem com a indústria deixam de fazer ciência”, afirmou Beirão, que é pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na área de bioquímica.
A patente está inserida na pesquisa
Uma das explicações para essa possibilidade de conciliação está no próprio processo de produção da pesquisa. Para produzir patente, não é preciso saber o porquê do fato constatado no estudo, basta que ele aconteça. Ou seja, são necessários menos conhecimento e informação do que para publicar um artigo científico e, por isso, a patente pode ser depositada antes da publicação. “O problema é que poucos cientistas conhecem o processo de pedido de patente”, explicou Beirão. Ele ainda citou um estudo de Van Looy et al (2006) que constatou que pesquisadores inovadores que depositam patentes publicam mais.
Beirão comparou o cenário dos Estados Unidos e do Brasil. No ranking das universidades que mais depositam patentes, em primeiro lugar está a Universidade da Califórnia, cuja posição no ranking das entidades que mais patenteiam é 52ª. O Massachusetts Institute of Technology (MIT), reconhecidamente uma instituição inovadora, está em 110º lugar neste mesmo ranking. “Para os norte-americanos, não há conflito algum entre patentear e fazer pesquisa básica”, destacou Beirão, lembrando que, ainda assim, mais de 96% das patentes daquele país se originam no setor não-universitário.
No caso do Brasil, a entidade que mais patenteia é a Petrobras, com 450 depósitos entre 2003 e 2012, logo seguida pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com 395 patentes. A Universidade de São Paulo (USP) vem em terceiro lugar, com 284. “Aqui, concluímos que é o setor não-universitário que está falhando na geração de tecnologias e patentes.”
O que vem sendo feito
Beirão foi otimista, afirmando que os pesquisadores brasileiros estão cada vez mais envolvidos nesse processo. O número de patentes registradas na Plataforma Lattes vem aumentando desde 2000. “Ou seja, pesquisas de qualidade e publicações de alto impacto são compatíveis com a proteção da propriedade intelectual.” Entre os desafios para superar essa lacuna estão a falta de pessoal qualificado para desenvolver inovação nas empresas, o baixo investimento das próprias companhias nesse setor, a necessidade de atrair talentos para a ciência e a baixa qualidade da educação básica.
Nesse sentido, o que o CNPq tem feito é dar visibilidade a essas ações, com uma renovação da Plataforma Lattes. Foram incluídas as citações nas bases de dados ISI e Scopus, o fator de impacto da produção científica, abas para inovação, patentes e divulgação científica, além da certificação por empresas parceiras na declaração de projetos de pesquisa e certificação de patentes.
Há também os programas voltados para a fixação de graduados, mestres e doutores em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nas empresas, como as bolsas de Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (DTI) e Iniciação Tecnológica e Industrial (ITI). O CNPq apoia, ainda, o Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas (SBRT), que visa a orientar empreendedores, e os núcleos de inovação tecnológica (NITs) que vem sendo implantados em universidades.
Beirão afirmou que as empresas têm muito a ganhar com a cooperação junto aos pesquisadores. Algumas das vantagens são obtenção de recursos humanos qualificados, prestígio e acesso precoce a resultados de pesquisas. Já para as universidades, os benefícios são a aquisição de novos recursos para pesquisa, o aumento da relevância dos estudos e a oportunidade de absorção de estudantes pós-graduados.
“As culturas empresarial e acadêmica são diferentes”, ressaltou o Acadêmico. “A empresarial está mais ligada ao sigilo, ao curto prazo e o aspecto financeiro é fundamental. No mundo acadêmico há mais liberdade, busca-se menos o financeiro e mais o honorífico. Isso não quer dizer que essas culturas sejam incompatíveis. É possível haver diálogo entre as partes.”
Opiniões diversas
No debate, o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Acadêmico, Jorge Guimarães, argumentou que é quase impossível fazer patentes sem conhecimento científico. “E qual o interesse dos financiadores das patentes em também investir em pesquisa?”, questionou, acrescentando: “Todos sabem que o Brasil não produz patentes, mas somos líderes em busca de petróleo em águas profundas, um dos países que mais produzem alimentos, temos o maior sistema de automação bancária do mundo, a melhor odontologia. E nada disso gerou patentes”.
O professor de física da USP e também Acadêmico Adalberto Fazzio opinou que não se pode negar que o conhecimento está na universidade, mas esta é vista com desconfiança. “O seu atual formato dificulta as coisas. Não acho que a universidade tem que fazer, ela tem que interagir.”
Professor da área de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Abílio Baeta Neves comentou que, toda vez que uma ideia é lançada com muita
ênfase no Brasil, surge o medo de que antigas ideias sejam deixadas de lado. “O problema é que não temos uma cultura de inovação e cobramos que a universidade, tradicionalmente conservadora, seja a instituição mais inovadora do país.”
Beirão respondeu lembrando que o objetivo da palestra não era defender uma mudança de rumo, mas, justamente, mostrar que não há conflito entre publicar e produzir patentes.