Com apenas 30 anos, o farmacêutico Guilherme Baldo já vem traçando uma trajetória relevante no estudo das doenças genéticas, mas não se pode dizer que sua bem-sucedida carreira científica não era esperada. Na infância, quando ele ganhou um minilaboratório de Natal em que manipulava tubo de ensaios, pipetas de plástico e soluções, já tinha dois discursos prontos: um para quando recebesse o Prêmio Nobel de Química pela descoberta do elemento convenientemente intitulado “Báldio”, e outro de agradecimento após levar o Oscar por ter interpretado ele mesmo em um filme autobiográfico!
A ambição pode ainda não ter levado Baldo a Hollywood, mas fez com que ele trocasse a cidade de Vespasiano Corrêa, situada a duas horas de Porto Alegre, pela capital gaúcha, onde ingressou aos 17 anos no curso de farmácia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na pequena cidade de menos de dois mil habitantes, onde passou a infância, ele tinha liberdade para brincar na rua e gostava de jogar futebol e vôlei. “Tínhamos um quartel general que ficava numa antiga fábrica”, recorda. Quando roubava frutas dos vizinhos com os colegas, era o estrategista do grupo: “Eu fazia todo o planejamento do evento e ficava de vigia ou coordenando as ações, enquanto meus amigos mais corajosos entravam no quintal e subiam nas árvores”.
Baldo também gostava de assistir ao “Mundo de Beakman”, programa educativo em que um professor, acompanhado de seu rato de laboratório, ensinava a fazer experimentos científicos. Na única escola de Vespasiano Corrêa, em que seus pais eram professores do ensino fundamental, o jovem cientista “gostava muito de qualquer coisa”, mas diz que sempre foi ruim em artes. “Até hoje desenho muito mal.”
A escolha pautada pela combinação química + biologia
A opção pela graduação em farmácia se deu na época do vestibular. Baldo sempre gostou muito de química e, durante os estudos, se deu conta de que também se interessava pela parte de biologia humana. “Escolhi farmácia por englobar as duas áreas.” Já no segundo semestre da faculdade, foi monitor de química e, concomitantemente, começou a fazer iniciação científica (IC) no Departamento de Parasitologia da UFRGS, onde ficou por um ano.
Logo depois, fez um curso sobre terapia gênica, assunto do qual gostou muito, e começou outra IC no Centro de Terapia Gênica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (CTG-HCPA). “Foi durante este período que decidi seguir a carreira acadêmica”, relata. Seus orientadores na IC foram o membro titular da ABC Roberto Giugliani (com quem organiza a Escola Latino-Americana de Genética Humana e Médica – ELAG desde 2007) e a afiliada Ursula Matte, que hoje Baldo considera seus modelos. Outro exemplo de bom pesquisador, para o gaúcho, é o também Acadêmico carioca Rafael Linden.
O estudo das mucopolissacaridoses
Baldo concluiu a graduação aos 21 anos e, no mestrado em ciências biológicas/bioquímica da UFRGS, trabalhou com terapia celular como tratamento para doenças hepáticas. O doutorado foi pelo mesmo programa, com um período sanduíche na Washington University, nos Estados Unidos, com a professora Katherine Ponder. “Durante o meu doutorado, comecei a trabalhar com um grupo de doenças genéticas, as mucopolissacaridoses [MPS], buscando desvendar mecanismos responsáveis pelas alterações presentes nesta doença, e no desenvolvimento de novos tratamentos para as mesmas, principalmente estudando terapia gênica.”
O trabalho de Baldo, que é professor adjunto do Departamento de Fisiologia da UFRGS, consiste em estudar as MPS, doenças nas quais a degradação de certos tipos de açúcares não consegue ser feita de forma adequada. Isso gera várias alterações no portador da doença, como baixa estatura, má-formação dos ossos e até mesmo retardo mental. “A minha pesquisa foca em descobrir por que os pacientes com MPS possuem as variações observadas. Além disso, por ser uma doença genética, tentamos criar um novo tratamento, que corrija esse defeito genético do paciente.”
Afiliado aos 30 anos
As coincidências marcam as conquistas de Baldo. No mesmo dia e hora em que se encerrava o concurso para professor da UFRGS em que foi aprovado, seu irmão, cinco anos mais novo, se formava em engenharia da computação pela mesma universidade. Além disso, um dia depois de completar 30 anos, ele descobriu que fora eleito membro afiliado da ABC para o período 2014-2018. “Ter recebido esse título neste momento da minha vida foi, antes de mais nada, uma honra, e também um grande estímulo para seguir nestas próximas décadas.”
Outro estímulo que impulsiona sua carreira científica é o desafio de descobrir coisas novas e relevantes, proporcionado pela ciência. “Além disso, me encantam a possibilidade de ajudar pessoas com certos tipos de doenças e o dinamismo da minha área em particular”, afirma. Gremista, Baldo também é dinâmico nos seus gostos: ouve de música clássica ao heavy metal, “se possível misturado”. É fã de filmes antigos, especialmente os de suspense e terror, como os de Alfred Hitchcock e Roger Corman.
Desde 2013, Baldo, que foi alfabetizado com gibis da turma da Mônica, é editor assistente do “Journal of Inborn Errors of Metabolism”. Em 2008, foi o primeiro lugar no Prêmio Genzyme pelo desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para o tratamento de doenças lisossômicas.
Fã de videogame e de séries de comédia como “Friends” e “The Big Bang Theory”, o cientista tem uma lista de coisas para fazer antes de morrer, que incluem desfilar em uma escola de samba, visitar todos os continentes, escrever um livro de ficção e participar de um filme. Nessa película, já sabemos qual papel Baldo representará.