Vanessa Rodrigues Paixão-Cortês nasceu e viveu a infância na cidade gaúcha de Rio Grande, onde passava os verões brincando na rua e aproveitando o mar. Com os amigos, gostava de jogar taco, futebol e cartas, quando chovia. Mas, nos longos dias frios de inverno e outono do sul do Brasil, seu passatempo preferido era a leitura. Ficção científica, fantasia, mistério e terror eram os gêneros de que a futura cientista mais gostava.
Vanessa constantemente se fazia as clássicas perguntas de uma criança curiosa: “De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?”. Ela sempre achou que a ciência iria lhe fornecer as respostas, principalmente diante de tantas revoluções tecnológicas. Parte dessa certeza devia-se à influência de filmes e séries como “Starwars” e “StarTrek”, mas os bons professores de ciência que teve também contribuíram para isso. Na escola, sua curiosidade foi estimulada e, mais importante do que encontrar as respostas, ela começou a se fazer ainda mais perguntas.
A escolha da carreira e a superação
No colégio, suas matérias preferidas eram ciências, matemática e artes. Mas, apesar da vocação, a escolha da profissão não foi planejada com antecedência. Vanessa sabia que queria uma carreira científica, e chegou a cogitar oceanografia, biologia e farmácia. “Foi na fila da inscrição no vestibular da [Universidade Federal do Rio Grande do Sul] UFRGS que optei pelas ciências biológicas – meu único vestibular prestado”, conta. “A escolha pela Faculdade de Biologia se deu em consequência da busca por respostas, pela curiosidade sobre como a vida funciona, em todos os níveis.”
O processo até se tornar uma renomada pesquisadora e, hoje, membro afiliado da ABC para o período 2014-2018, não foi fácil. Aos 12 anos, ela perdeu o pai, que trabalhava como guarda portuário e fazia faculdade de economia, em um acidente de trânsito. Anos depois, perdeu seu irmão caçula, também em acidente de trânsito. Os primeiros semestres da graduação foram de entusiasmo e dedicação, mas, sentindo-se abalada, Vanessa optou por trancar o curso no último período. Voltou após três anos, com o incentivo de seu marido e da família.
Durante a faculdade, Vanessa fez alguns estágios voluntários e iniciação científica. Passou por laboratórios de ecologia e fisiologia de invertebrados, e contou cromossomos no laboratório de citogenética humana. Completada a graduação em licenciatura em ciências biológicas, ela fez um estágio no Departamento de Genética, tema que ela escolheu para seguir no mestrado, juntamente com evolução humana, também na UFRGS.
Os genes e o desenvolvimento embrionário
No mestrado, a pesquisadora deu continuidade a um projeto sobre um gene mestre do desenvolvimento, o PAX9, e, embora este envolvesse somente o estudo em humanos, ela também procurou entender um pouco da evolução molecular deste gene nos vertebrados. No doutorado, Vanessa ampliou o projeto e buscou integrar eventos microevolutivos – as variações populacionais – com eventos macroevolutivos – divergências gênicas e genômicas.
Ela relata que a sua orientadora, a professora Maria Cátira Bortolini, sempre incentivou sua independência intelectual, sendo muito importante na sua pós-graduação. Dois Acadêmicos também marcaram a formação de Vanessa: “O professor Francisco Salzano é um exemplo a ser seguido pela simplicidade e dedicação, e a professora Vera Valente Gaiesky, pelo entusiasmo com a biologia.”
Atualmente, a jovem cientista estuda a evolução de genes que tem um papel central durante o desenvolvimento, ou seja, que são ativos durante o período embrionário e determinam, entre outros fatores, a formação de órgãos e tecidos.
“Investigo estes genes de duas maneiras: primeiro comparativamente, onde confrontamos as semelhanças e diferenças destes genes entre humanos e outros animais, buscando entender como genes que surgiram há mais de 500 milhões de anos conseguem determinar, por exemplo, a formação dos olhos de uma mosca da fruta e também os olhos dos humanos e outros vertebrados”, explica. “A segunda forma é estudar a variabilidade destes genes dentro da espécie humana, já que variações nestes genes muitas vezes causam doenças e defeitos no nascimento.”
O emprego das duas abordagens busca uma visão integrada das questões que envolvem estes genes e pode tanto ajudar a entender como surgiu a variabilidade das formas e estruturas em diferentes animais, bem como explicar muitas doenças que afligem recém-nascidos.
“A ciência é uma obra em construção”
A dedicação da nova afiliada da ABC vem rendendo frutos, e ela já recebeu diversos prêmios e menções honrosas em congressos da Sociedade Brasileira de Genética por seus trabalhos apresentados. O esforço é hereditário: filha de uma dona de casa que sempre foi devota à família, Vanessa teve o exemplo de mulheres que trabalhavam fora, como a avó paterna, que era merendeira na sua escola primária; a tia materna, técnica de enfermagem; e a tia paterna, que era professora. A irmã mais nova é formada em administração de empresas.
Para a pós-doutora em genética e evolução, a ciência é uma obra em construção, e é isso que ela considera mais atraente nesse campo. “A cada dia novos conceitos são descritos, fundações são demolidas e outros alicerces são erguidos, com o surgimento de ideias e técnicas.” Vanessa considera propício o momento vivido nas ciências biológicas, com a geração e a publicação, nos últimos dez anos, dos genomas humanos. “Hoje, qualquer um com acesso à internet pode participar da concepção de novas ideias e conceitos.”
Caseira, Vanessa é aficionada por leitura e cinema e, no tempo livre, gosta de cozinhar para a família e os amigos, inventando receitas novas. Ela acredita que o título de membro afiliado da ABC é uma certificação de que, como pesquisadora, está fazendo boas escolhas na sua jornada. “é uma honra fazer parte desta entidade que tem procurado guiar o pensamento científico brasileiro. Acho que posso contribuir com a ABC com o meu entusiasmo e dedicação pela ciência e com o compromisso de participar de maneira ativa e efetiva nesta entidade, que pode conduzir os novos rumos da ciência no Brasil.”