A oitava edição da Conferência Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe também contou com uma sessão de ciências biológicas coordenada pelo Acadêmico Luiz Drude de Lacerda, biólogo que atua como docente na Universidade Federal do Ceará (UFC). Os palestrantes foram o Acadêmico Carlos Eduardo Bicudo, pesquisador do Instituto de Botânica (IBot) da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e Afonso Bainy, professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Por fim, Olaf Malm – chefe do Laboratório de Radioisótopos Eduardo Penna Franca e ex-diretor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – ministrou uma palestra especial que traçou um panorama histórico da criação desse laboratório.

Bicudo foi o primeiro a falar. Em apresentação intitulada “Reconstruir o passado e monitorar o presente para prognosticar a qualidade da água dos reservatórios de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)”, o professor chamou atenção para a escassez de monitoramento na localidade. De acordo com ele, os estudos realizados são dispendiosos e iniciados, na maioria das vezes, apenas após a detecção de algum problema. Partindo do estudo de caso do Lago das Garças – um lago artificial construído para reforçar o abastecimento de água em São Paulo, cidade onde se localiza – Bicudo enfatizou a importância de se avaliar a qualidade da água e dos sedimentos dos reservatórios de abastecimento da região metropolitana a partir de abordagem inovadora, “que permita avançar para a caracterização de níveis de referência da qualidade da água e elaboração de modelos”.

Outro ponto abordado pelo palestrante foi o projeto de reconstrução paleolimnológica da represa Guarapiranga, também em São Paulo, e o diagnóstico da qualidade atual da água e dos sedimentos de mananciais da RMSP. Referindo-se aos critérios de seleção das represas para o abastecimento da região, ele explicou: “As que são muito recentes não apresentam acúmulo de sedimento satisfatório para a proposta”. De acordo com Bicudo, a iniciativa é inovadora devido a muitos aspectos, principalmente por sua capacidade de integrar a paleolimnologia [ciência que estuda as condições limnológicas do passado] a neolimnologia [ciência que estuda as águas interiores, considerando as interações entre as condições bióticas – biológicas – e abióticas]. Na opinião do professor, o gerenciamento desses reservatórios é essencial para mapear a qualidade do sedimento e suas implicações para o abastecimento de água da RMSP, para subsidiar a implementação de modelos preditivos mais efetivos e, por fim, para aumentar seus níveis de sustentabilidade. Desde 2010, o projeto serviu como base para cinco dissertações de mestrado e duas teses de doutorado defendidas, além de três trabalhos publicados e 16 apresentações em congressos.

“Só durante a minha fala, cerca de uma tonelada de produtos químicos tóxicos será lançada por instalações industriais ao redor do mundo”, alertou o segundo palestrante da sessão, o oceanógrafo Afonso Bainy. Vice-coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, Toxicologia Aquática (INCT-TA), o professor explicou que são classificados assim os produtos capazes de causar doença severa, intoxicação, defeitos de nascimento e doença ou morte em razão de sua ingestão, inalação ou absorção. Ainda de acordo com ele, a cada segundo, 310 quilos dessas substâncias são liberados no planeta. “Isso equivale a aproximadamente 10 milhões de toneladas liberadas anualmente em nosso ambiente. E o mais alarmante é que, dessa quantidade, mais de 2 milhões de toneladas são conhecidos agentes cancerígenos”, ressalta.

Tratando da pressão ambiental característica da contemporaneidade, Bainy citou o Princípio da Precaução, estabelecido no Rio de Janeiro durante a Eco-92, e a Resolução 357, publicação de 2005 que define os diferentes tipos de água – doce, salina e salobra. Em sua palestra, “Novas tendências na avaliação de ambientes aquáticos: uso de biomarcadores bioquímicos e moleculares”, as águas salinas eram o real foco. Mas suas considerações não se ativeram somente a esse tópico; compartilhando o resultado de algumas projeções, ele forneceu interessantes estimativas aos presentes. “Na lista dos países mais populosos do mundo, estamos em quinto lugar”, começou. Daqui a alguns anos, no entanto, o Brasil irá ocupar a sétima posição e, em 26 anos, sua população terá se estabilizado na casa dos 18 milhões de pessoas. Também é importante observar que 40% dessa superpopulação, que já ultrapassa os 7 bilhões de habitantes em todo o planeta, vive a menos de 100 quilômetros da costa. Ainda de acordo com seus dados, 13 das 20 megacidades mundiais – isto é, daquelas com mais de 10 milhões de habitantes – vivem nessas áreas. E ele afirma que a região costeira também prevalece em termos de população no Brasil. “Com esse aumento no número de habitantes, a demanda por uma série de produtos, como medicamentos, vestuário, alimentação, agropecuária e petroquímica também crescem. Isso levanta o que nós chamamos de paradoxo do uso dos xenobióticos“, contextualiza. Trata-se de um paradoxo na medida em que, por um lado, esses produtos são parte integrante do cotidiano das populações e, por outro, uma verdadeira ameaça à saúde humana e ambiental.

O homem por trás do Laboratório de Radioisótopos

Uma contextualização histórica do Laboratório de Radioisótopos Eduardo Penna Franca, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ. Assim pode ser definida a conferência de Olaf Malm, vice-coordenador do INCT de Pesquisa Translacional em Saúde e Ambiente na Amazônia (INPeTAm). Malm relatou como “a mente aberta e completamente transversal de Carlos Chagas Filho” descobriu Eduardo Penna Franca, aluno brilhante da Escola de Química da UFRJ, que à época se chamava Universidade do Brasil. Logo após sua formatura, em 1949, o rapaz iniciou um estágio no Instituto Oswaldo Cruz (IOC, atual Fiocruz) para trabalhar na purificação de fármacos. Apesar de ter crescido dentro da instituição, o distanciamento dos professores catedráticos sempre o incomodou. Em sua trajetória também realizou estágios na Universidade de Columbia, no Laboratório Nacional de Brookhaven e na Universidade Case Western Reserve, todos nos Estados Unidos. Lá, ainda passou dois anos em função de uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para treinamento nas aplicações de radioisótopos em pesquisas biológicas.

“O retorno ao Brasil foi traumático”, contou. De acordo com Malm, Eduardo passou seis meses dedicado apenas à composição de relatórios sobre a viagem. Foi então que, em 1956, Chagas Fi
lho o convidou para trabalhar com ele. “O chá das cinco, que funcionava como ponto de encontro para se discutir os experimentos, fazia os membros da equipe se sentirem estimulados a ponto de muitas vezes trabalharem noite adentro e nos fins de semana”. Durante essa época, eles observaram uma enorme lacuna no conhecimento sobre o comportamento de metais estáveis no meio ambiente. Após a criação do Laboratório de Radioisótopos, sua equipe se lançou ao estabelecimento de metodologias para análise de metais-traço em amostras ambientais por espectrofotômetro de absorção atômica (EAA) – aparelho doado ao laboratório, no início da década de 1970, pelo Instituto de Pesquisas da Marinha. Na época, esse era o método mais sensível para a medida de elementos-traço existente no país.

Após algumas considerações sobre radioatividade, metais pesados, poluentes orgânicos persistentes e saúde humana, Malm concluiu sua participação dizendo que a busca por uma abordagem multidisciplinar é essencial para a questão da saúde ambiental e humana. Além disso, afirmou que áreas e populações carentes devem receber atenção por, tradicionalmente, serem contaminadas com maior frequência e suas populações estarem mais expostas. Ele também teceu algumas perspectivas futuras. Em sua visão, os estudos na área avançarão a partir de três vertentes: investigações com outros compostos organometálicos em ambientes recém-inundados; investigações com substâncias com ação interferente endócrina (reprodutiva/imunológica) e seus efeitos na biota; e aprofundamento de pesquisas epidemiológicas dos efeitos neurocomportamentais de agentes neurotóxicos no ambiente, como mercúrio, estanho e manganês.

A coordenação geral da Conferência Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe 2013 da ABC (28 a 30/11) foi do Acadêmico Fernando Garcia de Mello. Os coordenadores das áreas foram os Acadêmicos Vivaldo Moura Neto (Ciências Biomédicas), Paulo Arruda (Ciências Agrárias), Luiz Drude de Lacerda (Ciências Biológicas), Jacob Palis (Ciências Matemáticas) e Renato Machado Cotta (Ciências da Engenharia).Veja a programação completa.