O desenvolvimento de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) na Amazônia foi o assunto abordado pelos componentes da última sessão do 2º Encontro Nacional de Membros Afiliados, no dia 30 de agosto, em Petrópolis. Coordenada pelos Acadêmicos Emiliano Medei, Luis Carlos Crispino e Pedro Walfir, a sessão contou com Adalberto Val (ABC/Inpa), Roberto DallAgnol (ABC/UFPA), Ricardo Ferreira (Fiocruz Rondônia) e Sandra Azevedo (INPeTam/UFRJ) no papel de provocadores. Durante a plenária final, Crispino relatou as conclusões do debate, expondo às autoridades presentes as propostas sugeridas para um maior crescimento da região amazônica no âmbito da ciência.

“Seria a Amazônia grande demais para o Brasil desse século?”

Para o Acadêmico Adalberto Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é necessário incluir a Amazônia na agenda brasileira. “Sempre que vou falar sobre CT&I na região, eu penso sobre quando me mudei para lá e noto que nós estamos lidando com as mesmas questões com que lidávamos há 30 anos atrás”, afirmou. A primeira provocação do Acadêmico foi bastante inusitada: ao invés de colocar em sua apresentação fotos de belas paisagens, ele convidou os presentes a irem à Amazônia e tirarem suas próprias conclusões sobre a riqueza local. “Quem de fato conhece a Amazônia profunda?”, questionou.

A região é composta por nove estados nacionais, algo em torno de 60% de todo o território nacional, e lá existem apenas 11 universidades federais, menos do que no estado de Minas Gerais. Ressaltando que a Amazônia não é só brasileira, Val afirmou que a primeira bobagem que nós fazemos é elaborar leis que impeçam a coleta de material biológico e coloquem uma cerca em torno do território nacional. Ainda nesse contexto, o professor forneceu alguns números: 70% dos trabalhos publicados no mundo sobre a região não têm nenhum autor brasileiro. Dos 30% restantes, 70% são publicados por autores não amazônidas do território brasileiro. “O grande desafio é inverter esse quadro e, para isso, nós precisamos pensar em fixar doutores nas dimensões da questão amazônica. Dos 12 mil doutores formados anualmente no Brasil, temos apenas 3.500 trabalhando nas universidades e institutos de pesquisa amazônicos”, afirmou, pontuando que boa parte da outra metade já passou dos 55 anos de idade.

Safári science: interpretando a questão amazônica como um desafio nacional

Auto intitulando-se uma “palpiteira de fora”, Sandra Azevedo foi a segunda provocadora do painel. Diretora e professora titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela afirmou que nunca teve a oportunidade de residir na região, mas que enxerga seus desafios como uma questão nacional. A inserção de Sandra em pesquisas diretamente ligadas à Amazônia começou quando passou a integrar o Comitê Gestor do Instituto Nacional para Pesquisa Translacional de Saúde e Ambiente na Região Amazônica (INPeTAm). Nesse sentido, ela teceu sua primeira provocação: “Será que devemos diferenciar o desenvolvimento de CT&I na Amazônia do resto do país?” Em sua reflexão, levantou que os desafios podem não ser tão distintos no tocante a questões cruciais, apenas em sua dimensão, como já havia colocado Val.

Além disso, a pesquisadora opinou que o conhecimento que se tem sobre a Amazônia, de modo geral, é ainda um pouco simplório e romântico. Em sua opinião, a região é erroneamente vista como um lugar onde o desenvolvimento de CT&I significa uma mera transferência de conhecimento para os amazônidas. “Também devemos pensar no modo como vamos buscar esse progresso e inovação. Vamos continuar fazendo safári science?”, questionou.

“Antes de dinheiro, nós precisamos de gente”

Todo o vínculo de trabalho do vice-presidente da ABC para a região Norte Roberto DallAgnol, pesquisador titular do Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável, é com a Amazônia. Mesmo enquanto se especializava no exterior, o foco de seus estudos era a região amazônica. Ex-professor da UFPA, DallAgnol avaliou – assim como os outros provocadores – que a maior carência da localidade é relacionada à questão dos recursos humanos. Trata-se, em sua visão, de um desafio bastante complexo, pois o pesquisador que vai atuar na Amazônia deve ter muita sensibilidade para entender que ele não está lá só para ensinar, mas também para aprender. Antes de fornecer aos presentes alguns números relativos à formação de pessoal qualificado na região, ele sintetizou os principais pontos de uma política pública eficaz – ainda inexistente no Brasil – para expandir a pós graduação na Amazônia: formar, atrair e fixar.

Desconstruindo a ideia de que a região amazônica só recebe auxílios do restante do país e nada faz para ajudá-lo, o palestrante afirmou que, em 1996, ela respondia por aproximadamente 2% dos mestrados e pouco mais de 1% dos doutorados do Brasil. No ano de 2013, esses números cresceram para 5% e 3%, respectivamente. “Trata-se de um aumento enorme para uma região tão isolada e carente”, ressaltou. Ele também falou sobre o setor mineral do Pará, que contribui com um valor que varia de R$12 a R$15 bilhões por ano para que o Estado contrabalanceie sua dívida externa. “Além disso, a capacidade de absorção da região é muito grande: ela absorve não só os seus mestres e doutores, mas também os de outras localidades”, complementou. Para DallAgnol, o que os amazônidas e demais pesquisadores interessados na região estão pedindo é apenas o mínimo necessário para que se tenha equilíbrio com o restante do país.

CT&I a serviço do bem estar e do progresso cultural

O último provocador da sessão foi Ricardo Ferreira, diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Rondônia. Citando a Acadêmica Bertha Becker, falecida neste ano, ele afirmou que as problemáticas ambientais e desigualdades sociais da Amazônia não poderão ser resolvidas sem que uma alta prioridade e especificidade seja dada ao desenvolvimento de CT&I na região. Ferreira ainda lembrou que os aspectos demográficos, ambientais e culturais da Amazônia são muito diferentes das demais localidades do Brasil e avaliou que esse investimento no campo científico deve ser feito a serviço do bem estar e do progresso sociocultural da população amazônida. “É importante, no entanto, que se garanta uma máxima preservação do equilíbrio e ambiente locais”, ressaltou.

Após mostrar um gráfico que evidenciava valores preocupantes de renda per capita, mortalidade infantil e expectativa de vida na região, o palestrante lembrou que a principal atividade econômica de Rondônia é o gado. “Lá existem mais de oito cabeças de gado por habitante”, apontou. Além da cultura agropecuária, a i
ndústria de soja também está em expansão na região. A crítica feita por Ferreira a esses meios de produção é que eles trabalham com a acumulação de renda para grandes produtores, que ficam milionários, enquanto a população local continua a viver em condições precárias.

Por fim, ele observou que mesmo que maiores investimentos para a fixação de pesquisadores no local ainda sejam necessários, já existem boas oportunidades para profissionais que desejem trabalhar com atividades de pesquisa na Amazônia. “Para quem tem vontade de empreender e fazer a diferença, essa é não só uma provocação, mas também um convite”, finalizou.

Conclusões

“A Amazônia contribui mais do que recebe, então não estou aqui na qualidade de pedinte”, afirmou Crispino, fazendo suas as palavras de DallAgnol durante sua palestra. De acordo com o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), a região contribui com cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e, em contrapartida, não recebe investimentos correspondentes, necessários para o desenvolvimento de CT&I. Para resumir em alguns minutos uma tarde de ricas discussões sobre o tema, o Acadêmico destacou cinco tópicos de extrema importância para que mudanças efetivas sejam realizadas.

Para o grupo de afiliados que discutiu o tema, é essencial o fortalecimento da educação básica e tecnológica, incluindo a socialização da informação cientifica. “Sem um ensino básico de qualidade, não tem sentido falar em ensino superior e pós-graduação”, enfatizou. O segundo ponto exposto por ele foi a necessidade de garantir infraestrutura para os pesquisadores que desejem se fixar na Amazônia, com ênfase na área de tecnologia da informação e comunicação. “É preciso, ainda, estimular a simetria na cooperação cientifica nacional e internacional”, prosseguiu. Na visão do físico, um profissional que vai à região amazônica desenvolver suas pesquisas não apenas ensina aos amazônidas como produzir conhecimento; há, na realidade, uma troca de conhecimentos, uma via de mão dupla, que abre ao visitante um leque de coisas novas a aprender, em sua própria área de atuação.

Na tentativa de ser um pouco mais propositivo, Crispino passou aos dois últimos tópicos selecionados: o Programa de Atração e Fixação de Doutores na Amazônia (Foprop Norte) e o Ciência sem Fronteiras (CsF). De acordo com ele, o Foprop Norte permite bolsas diferenciadas aos pesquisadores interessados em trabalhar na região amazônica. “Um cientista contratado para atuar na localidade receberia, mediante a aprovação de um projeto de pesquisa, uma bolsa mensal no valor de R$3 mil”, explicou. Já sobre o CsF, o grupo propôs que houvesse uma ampliação no programa, permitindo assim a contemplação de pesquisadores fixados no Brasil para atuarem na Amazônia. “Essas propostas estão longe de resolver os problemas da região, que são muito grandes, mas seriam contribuições importantes e perfeitamente factíveis”, concluiu.