O despertar do interesse pela ciência e as lembranças da infância se misturam na vida do catarinense Juliano Ferreira. Nascido em Blumenau, cresceu na pequena cidade de São João Batista, no interior de Santa Catarina, onde predominava o ambiente rural. Suas diversões eram o futebol, o jogo de queimado, corrida a pé ou de bicicleta e a “construção” de brincadeiras com os amigos, como pernas de pau, rampas para saltar de bicicleta ou skate, carrinho de rolimã, casa em árvores… longe de videogames. Numa casas com muitos livros, onde a mãe lia para ele todas as noites, Juliano se interessava muito pela leitura. “As palavras escritas no papel se transformavam em imagens e modelos na minha cabeça. Além disto, sempre queria saber como as coisas funcionam, não somente aparelhos, mas também fenômenos da natureza”, conta, atribuindo a esta combinação de curiosidade e imaginação seu interesse científico.

E Juliano expressava de formas curiosas esse interesse: o que aprendia na escola, experimentava em casa. “Um dia, invadi um dos banheiros de casa e montei meu primeiro laboratório”, conta. Na cidade pequena, era fácil comprar material químico (ácidos, bases, sais, metais, etc) em lojas agropecuárias, de material de construção, supermercados e farmácias. Depois, era só chegar em casa e aplicar os conceitos. “Nem sempre meus objetivos eram pacíficos. Um dos projetos foi produzir pólvora de boa qualidade para fazer rojões… Hoje eu chamaria de ciência aplicada, mas na época…”, brinca Juliano.

Além da vocação científica, o fato de seu pai trabalhar em uma farmácia deve ter influenciado sua escolha pelo curso na área. Prova disso é que um dos seus seis irmãos também cursou farmácia. “Meu irmão que cursou faculdade antes de mim foi muito importante na minha formação. Como ele tinha estudado em colégios públicos estaduais, teve muita dificuldade em disciplinas básicas da universidade federal. Então, quando vinha visitar a família, ele me ensinava e me avaliava em várias matérias, especialmente em química e biologia”, recorda Juliano.

Ingressando na graduação em farmácia da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Juliano Ferreira foi monitor da disciplina Química Geral e, em seguida, ingressou na iniciação científica (IC). Ele se interessou por farmacologia e farmacognosia – área que estuda princípios ativos naturais, sejam animais ou vegetais – e começou a pesquisar no laboratório do professor Adair R.S. Santos, analisando o conhecimento popular dobre o uso de plantas medicinais e comparando com o conhecimento científico da farmacologia, para comprovar a eficácia das espécies selecionadas. “No verão, quando a maioria dos meus colegas de turma estava de férias, ficávamos no laboratório fazendo experimentos, discutindo artigos e fazendo seminários. Adorava esta rotina, o que era difícil de explicar para os amigos. A partir daí, não parei mais e sou colaborador e amigo do meu primeiro orientador em pesquisa até hoje”, complementa.

Juliano Ferreira desenvolve pesquisas voltadas para a prevenção e redução do sofrimento de pacientes com diferentes tipos de dor, através do uso de medicamentos de origem natural, ou seja, utilizando substâncias de plantas medicinais ou animais venenosos. Dentro do ramo de farmacologia bioquímica, ele atua principalmente no desenvolvimento de analgésicos, anti-inflamatórios e na observação de toxinas e plantas medicinais. “Em relação às plantas, exploramos o conhecimento popular que indica diferentes espécies para o tratamento da dor. Em um primeiro momento, coletamos e identificamos a planta a ser estudada, preparamos extratos da mesma e verificamos cientificamente se esta planta possui efeitos analgésicos ou tóxicos em ensaios controlados em animais de laboratório”, explica o pesquisador, complementando: “Buscamos responder às perguntas: Funciona mesmo?, É seguro usar?”.

O estudo etnofarmacológico, segundo Ferreira, utiliza o saber científico para comprovar o uso medicinal empírico da população, além de alertar sobre possíveis efeitos tóxicos. “Em um segundo momento, identificamos os princípios ativos responsáveis pelo efeito analgésico e tentamos explicar seu exato mecanismo de ação. Na linha de princípios ativos de animais peçonhentos a lógica é inversa e usamos conhecimento da própria natureza”, discorre. Venenos de animais peçonhentos são uma mistura de substâncias químicas que, por diferentes mecanismos de ação bem específicos, têm a função de facilitar a obtenção da presa. “Em um primeiro momento fazemos a obtenção de substâncias químicas e mostramos como ela funciona. Posteriormente, investigamos se funciona no tratamento da dor e se é seguro. Em ambos os casos, o objetivo é desenvolver novos analgésicos que sejam mais eficazes e seguros do que os atualmente usados”.

A trajetória para desenvolver estes estudos incluiu o mestrado e o doutorado em farmacologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Seu orientador foi João Batista Calixto, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e, para Ferreira, um grande exemplo de dedicação à causa científica e à formação de recursos humanos. “Ele nos dava uns merecidos puxões de orelha, mas incentivava a boa formação de seus alunos sempre baseada no estudo aprofundado dos temas de pesquisa”. A maturidade científica veio com a rotina de pesquisas e, ao conquistá-la, foi incentivado por seu orientador a desenvolver projetos próprios, embora com acompanhamento próximo. Para Ferreira, esta liberdade para conduzir os próprios projetos foi essencial para o seu desenvolvimento. “Talvez esta seja a diferença na formação de um cientista e não de um técnico de laboratório”, observa.

Atualmente, Juliano Ferreira é professor adjunto do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Também é integrante do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Medicina Molecular (INCT-MM), uma colaboração de grupos de cientistas e médicos experientes dedicados a integrar a ciência básica e tecnológica à prática clínica. Ferreira diz que sua motivação maior na ciência é a busca pelo desconhecido, motivo pelo qual sua atividade nunca é monótona. Ele acredita que as características fundamentais de um bom cientista são a curiosidade, a persistência e o uso ético do método científico. Membro afiliado da ABC eleito para o período 2012 -2016, Juliano Ferreira considera o título como “um passo para outro patamar de discussão científica, saindo da base individual e partindo para a discussão coletiva sobre ciência”. E pretende contribuir para que a ciência possa entrar também com força no interior do país, “onde muito ainda pode ser feito”, conclui.