Isolado do mundo, no meio do sertão cearense, a 430 km de Fortaleza, Antônio Gomes de Souza Filho teve uma infância tranquila. O pai era agricultor e viúvo, com sete filhos. Casou com uma professora de uma escola isolada, multisseriada, que ficava a 30 km da cidade mais próxima. Com ela teve Antônio e mais uma filha.”Fui alfabetizado e estudei com minha mãe até a 4ª série. Depois, tive que ir para outra escola em um vilarejo a 3km distante de onde morava, onde tinha 5ª série. Eu fazia esse percurso, caminhando, todos os dias.” De manhã ia à escola e voltava ao meio-dia. As matérias preferidas eram ciências e matemática. Fazia as tarefas e depois ajudava o pai na roça, assim como seus irmãos. Como quase todo garoto brasileiro, gostava de futebol: jogava até a exaustão. Viu TV pela primeira vez aos dez anos, para assistir a Copa do Mundo de 1986.
Antônio avalia que seu interesse pela ciência veio da infância, em função do contato intenso com a natureza, pois vivia longe do mundo “moderno”. Observava tudo, prestava atenção e refletia. “Uma coisa que me intrigava muito, por exemplo, eram os redemoinhos de poeira que temos no sertão, principalmente nos meses mais quentes. De repente , a gente via a poeira começando a subir e as folhas rodopiando”. Apesar de pequeno, o redemoinho tem uma força muito grande e o povo da cidadezinha onde Antonio vivia atribuía o fenômeno a causas sobrenaturais. A “lenda” dizia que não se podia deixar que ele entrasse em casa – ao avistar um redemoinho, a regra era correr pra casa e fechar bem a porta. Na primeira oportunidade que teve, procurou entender como se formava aquele fenômeno: quem lhe ajudou foi um professor do ensino médio, que o orientou a estudar a física envolvida. E assim foi com o sifão, usado para retirar a água por cima da parede do açude. “Como aquilo era possível? Fazer a água subir sozinha?” E ainda com os eclipses, que o pai dizia que era algo sobrenatural e impeliu o menino a buscar explicação no laboratório de ciências. “Enfim, certamente foi a curiosidade sobre os fenômenos diários que me empurraram para a ciência”, afirma o Acadêmico.
Primeiro da família a entrar para a faculdade, fez o vestibular para Física na Universidade Federal do Ceará (UFC) e já no segundo semestre começou a iniciação científica (IC), que, segundo Souza, foi fundamental na sua vida. “No primeiro momento, ela me ajudou de forma muito prática: financiava minhas despesas básicas e isso me deu muita tranquilidade. Pude comprar livros, participar de alguns congressos, ingressar em um curso de línguas”. Na IC, trabalhava com propriedades óticas de filmes finos de semicondutores.
No último ano da graduação, Souza assumiu que fazer pesquisa lhe dava satisfação e embarcou na pós-graduação. Ingressou no mestrado e defendeu a dissertação em um ano e quatro meses, focada em propriedades óticas de vidros dopados com terras raras. Durante esse período passou um mês na USP de São Carlos, preparando amostras que foram estudadas em Fortaleza. No doutorado, Souza usou a técnica de espectroscopia Raman para estudar um ferroelétrico tradicional bastante utilizado em transdutores e deu contribuições importantes no entendimento de aspectos estruturais desse material. Realizou, ainda, uma série de estudos das propriedades eletrônicas e vibracionais dos nanotubos de carbono. “Essa parte do trabalho foi realizada durante estágio no MIT [Massachussets Institute of Technology], sob a orientação de uma grande especialista em materiais carbonosos, a professora Mildred Dresselhaus, que é Membro Correspondente da ABC”. Souza defendeu a tese de doutorado em dois anos e oito meses e recebeu o Prêmio Sociedade Brasileira de Física de Melhor Tese de Doutoramento 2002 – Menção Honorífica.
Atualmente, Antônio Gomes de Souza Filho é professor adjunto do Departamento de Física da UFC e bolsista de produtividade do CNPq, nível 1C. Ele atua na área de física da matéria condensada com ênfase em nanociência e nanotecnologia, estudando nanomateriais de carbono. “São estruturas simples, formadas pelo átomo carbono e organizados na forma de um favo de mel, ou seja, com estrutura de hexágonos. Esses materiais são muito interessantes, porque pequenas modificações na forma lhes dão propriedades completamente diferentes”, explica o cientista.
Uma dessas variantes é o grafeno, que é uma folha cuja espessura é a menor conhecida na natureza, com apenas um átomo de espessura. “Nesse material os elétrons andam tão rápido que ele pode, no futuro, ser aproveitado para construir uma eletrônica mais eficiente que a atual.” Souza explica que se enrolarmos essa folha de carbono, teremos os nanotubos de carbono, que podem ser metálicos ou semicondutores, dependendo apenas de pequenas modificações na forma como os átomos são arranjados. “São sistemas muito resistentes por que as ligações químicas são muito fortes, uma das mais fortes na natureza.”
Seu trabalho envolve estudar como modificar as propriedades dos nanomateriais de carbono usando diferentes reações químicas, ou seja, colocando os nanotubos de carbono em contato com outros sistemas. “Entendendo como essas propriedades são modificadas, poderemos tirar partido dessas informações para usar as nanoestruturas como sensores, para gases tóxicos, por exemplo, ou até para vírus. Resumindo, estudamos como as nanoestruturas de carbono interagem com o meio que as cerca.”, esclareceu Souza.
Para Antônio Gomes de Souza Filho, a ciência é uma criação humana fabulosa. “O que me fascina é o fato de termos criado modelos que certamente não representam a natureza como ela é, mas traduz para o nosso entendimento a explicação de como as coisas acontecem”. Ele dá como exemplo a matemática, que é uma criação do homem, mas que explica fenômenos naturais que aí estão desde que o universo existe. “A elaboração de um modelo e a capacidade de prever/antecipar fenômenos, ir ao laboratório ou mesmo na natureza e medir o que foi previsto é algo incrível. Essas pequenas descobertas dão um prazer enorme, um conhecimento interior que nos deixa por alguns dias em estado de êxtase”. E é esse êxtase que dá entusiasmo ao cientista, profissional que é sempre curioso e está sempre elaborando perguntas – por que elas são mais importantes que as respostas, na opinião de Souza. “E o cientista tem que ter disposição para trabalhar duro, concentrado e por muito tempo. Não acredito em ciência feita com moleza!”, brinca o Acadêmico.
Ter sido eleito para Membro Afiliado da ABC significou muito para Souza, por que é um reconhecimento da comunidade científica nacional ao trabalho que ele vem realizando. “Pertencer aos quadros da mais prestigiosa instituição de ciências do país representa um passo importante na carreira. É uma responsabilidade de, no mínimo, manter o nível de atividade científica que nos trouxe até aqui”. Ele participou da Reunião Magna da ABC em maio de 2009 e constatou os benefícios do título. “A ABC é um fórum de altíssimo nível, onde ouvimos expoentes de diferentes áreas e, portanto, criamos uma visão mais sistêmica da ciência brasileira. Só a ABC pode proporcionar a nós, jovens cientistas, esse nível de participação nas discussões que envolvem as definições das políticas cientificas do país.”