De família simples e humilde, Gisele Olímpio da Rocha teve os pais muito presentes e muito preocupados com a sua educação. O pai é professor de violão clássico e a mãe, costureira. “Cresci ouvindo muita música clássica e instrumental, além de música popular brasileira e sertaneja”, rememora. Ela e a irmã ajudavam nos afazeres da casa, mas havia tempo suficiente para brincar e estudar – coisa que sempre gostou de fazer. Gostava de brincar de boneca, de andar de bicicleta, de pega-pega, esconde-esconde, amarelinha, queimada, detetive e ladrão. Mas se divertia muito estudando e sempre gostou de ler. Sempre estudei em colégios públicos, que ainda ofereciam formação de qualidade. Tinha interesse por português e literatura, mas também por matemática, ciências e, mais tarde, física e química. “Por isso enxergo minha escolha pelos caminhos da ciência como algo natural.”
Gisele se recorda de sempre ter tido muita curiosidade em saber ou descobrir como as coisas eram feitas ou como funcionava a natureza. Como o acesso às informações não era tão fácil como é hoje, ela era do tipo “perguntadeira”: “Por que o arco-íris só aparece depois da chuva e nunca antes dela? Por que o céu é azul?” E nem sempre conseguia respostas convincentes. “Eu sempre lia os rótulos de qualquer coisa, assim como as bulas de remédio. “Eu lia a composição dos produtos e tentava entender como que juntando todos esses ingredientes conseguia-se obter uma barra de chocolate ou um sabão em pó. Apesar de não entender por que misturar um não-sei-o-quê-de-sódio com aquela-outra-coisa-de-metila resultava em um xampu para deixar os cabelos sedosos e um outro frasco essas mesmas duas coisas resultava em um xampu anti-caspa. O que tinha de diferente neles já que, em princípio, tinham a mesma composição?”
Com muitos por quês na ponta da língua, ela se deliciou com a professora 5a série que, na primeira aula de ciências, explicou como era formado o arco-íris e porque ele aparecia depois de chover. “Acho que foi a primeira vez que recebi uma resposta satisfatória para uma das minhas curiosidades. A partir desse momento, fui fisgada pela ciência e pela pesquisa. Acho que também fui fisgada para ser professora.”
Logo após iniciar o curso de graduação em química na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, Gisele ficou sabendo que seria possível fazer um estágio em laboratório e que isso era chamado de iniciação científica (IC). Pediu indicação a um professor e trabalhou seis meses como voluntária no Laboratório de Química Ambiental até conseguir, no início do segundo ano, a bolsa de IC, financiada pelo CNPq, que manteve até o final da graduação. Nesse período, participou de um projeto que tratava do reaproveitamento de resíduos industriais. “Foi aí entendi que queria trabalhar em pesquisa”, relembra a Acadêmica, contando que trabalhou na extração de cromo e de aminoácidos/proteínas provenientes da serragem cromada, um co-produto de curtumes, sob orientação do professor Jorge Nozaki.
Em seguida, iniciou o mestrado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) em Araraquara, tendo como orientador o professor Arnaldo Cardoso e como co-orientação o professor Andrew Allen, que trabalhava na Universidade de Birmingham, no Reino Unido. “Fui a Araraquara a procura de um orientador para o mestrado e acabei batendo na porta da sala do Prof. Arnaldo, interrompendo uma importante reunião de projeto entre o Arnaldo e o Andrew”. Foi o toque do destino: eles estavam precisando de um aluno para tocar parte do projeto e então disseram à Gisele que se ela fosse aceita no mestrado poderia trabalhar com eles e havia a possibilidade de realizar parte dos estudos na Inglaterra. E assim ela passou a estudar a emissão de substâncias ácidas para a atmosfera durante a queimada de cana-de-açúcar, prática comum naquela época no interior de São Paulo, maior produtor de álcool e açúcar do país.
Como os estudos foram muito bem, após um ano no mestrado seus orientadores sugeriram que ela passasse direto para o doutorado. “Estudei inglês na intenção de fazer o doutorado-sanduíche na Inglaterra e consegui ser aprovada no TOEFL [exame de proficiência em inglês] e, em 2002, passei sete meses na Divisão de Manejo de Risco e Saúde Ambiental, em Birmingham, sob supervisão do Andrew Allen”. Gisele destaca a importância dessa experiência, tanto cientifica quanto culturalmente. “A parte experimental da minha tese foi concluída na Inglaterra e tive uma oportunidade e tanto de crescer como pesquisadora e como pessoa, vivendo em outro país, com outra cultura”. Voltou e defendeu sua tese de doutorado no Brasil, aos 26 anos de idade.
Em 2004, Gisele iniciou um estágio de pós-doutorado em Energia e Ambiente com o Acadêmico Jailson de Andrade, no Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (IQ-UFBA), em Salvador. Com carta branca do orientador, ela continuou se aprimorando em química atmosférica e tomando contato com diferentes técnicas analíticas. Depois de dois anos na UFBA, foi aprovada em concurso para professor de química analítica, no Campus de Vitória da Conquista da UFBA, onde ficou por mais dois anos. Fez então outro concurso para Salvador, onde está desde 2009.
O que Gisele Olímpio da Rocha estuda é como se dá a emissão de diferentes substâncias, tanto de origem natural quanto de origem antrópica (ou seja, causada pelo homem), para a atmosfera e como esta se auto-regula para então transformar ou remover esses compostos que foram liberados. “Tenho especial interesse em saber o que foi emitido para a atmosfera e em que quantidade, como a atmosfera transforma esses compostos em outras substâncias – que podem ser menos ou, muitas vezes, mais nocivos que aqueles originais, tanto para o ambiente quanto para saúde humana – e como a atmosfera retira/deposita esses compostos de volta para a superfície terrestre”, explica a cientista.
Para ser um bom cientista, Gisele acha que é preciso ter curiosidade, gostar de desafios, ter senso crítico, dedicação e ética. E ainda, muita dedicação, muito estudo e muito trabalho. Por último, muita teimosia, para continuar tentando conseguir auxílio financeiro – mesmo após receber vários “não” nas concorrências em editais. “Sempre há alguns sim no meio dos não… Enfim, é necessária muita transpiração e um pouco de inspiração. E isso não é nada enfadonho ou penoso quando se faz aquilo que se gosta”. E exatamente por isso é que ela recomenda aos jovens que tem interesse em ciência que pensem bem antes de fazer sua escolha de carreira, que avalie bem qual o campo da ciência que mais lhe atrai, que não pense em algo transitório, passageiro ou “da moda”. “Escolha alguma área em que se divirta trabalhando!”
A indicação para a Academia Brasileira de Ciências a surpreendeu. “Eu não sabia que estava concorrendo, nós não somos informados do processo ou que fomos indicados, somente ficamos sabendo quando sai o resultado”. Ela diz que sempre trabalhou e tentou progredir em sua carreira dando o melhor de si, dia após dia. “E um determinado dia, recebe um reconhecimento como esse. Eu fiquei muito feliz por ter sido escolhida e vejo isso como um grande incentivo para minha carreira, pois fazer parte da ABC traz visibilidade para o nosso trabalho
e nos oferece boas oportunidades de estabelecer novas cooperações e/ou parcerias de trabalho. Obrigada.”