O fechamento do evento “Aperfeiçoando a gestão de recursos hídricos em um mundo em transformação: Academias de Ciências trabalhando juntas para ampliar o acesso à água e ao saneamento”, que aconteceu em São Paulo entre os dias 25 e 27 de junho, discutiu a experiência, os desafios e as oportunidades do Programa de Águas da Rede Global de Academias de Ciências (IAP).

O programa passa agora por um momento de mudanças, uma vez que será trabalhado em níveis regionais. Essa nova fase foi tema de debate no dia 27/6, em sessão que teve como relator o assessor técnico da ABC Marcos Cortesão e como coordenadora a diretora-executiva do Conselho Consultivo das Academias de Ciências Europeias (EASAC, na sigla em inglês), Christiane Diehl. O último dia também contou com quatro grupos de trabalho que se reuniram separadamente, congregando os representantes das Américas, da África, da Ásia e da Europa, respectivamente, e que participaram, em seguida, de uma plenária final.


Marcos Cortesão, Christiane Diehl e José Galizia Tundisi, na sessão final

Conforme explicou Cortesão, o evento funcionou como o “coroamento” do Programa de Águas do IAP. Graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde também obteve o mestrado, Cortesão atuou, pela Academia Brasileira de Ciências, na estruturação da Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas), da qual foi secretário executivo até 2010. Desde 2004, quando a ABC foi designada pelo IAP a liderar o Programa de Águas, o assessor técnico assume o apoio à direção do projeto, trabalhando no sentido de fortalecer a rede de pesquisadores e gestores na área de recursos hídricos e visando o reforço da capacidade de gestão da água no mundo em desenvolvimento.

Histórico

De acordo com o relator, a criação desse programa foi proposta pela ABC durante um encontro de Academias de Ciências do mundo em um evento preparatório para a Rio+10, que aconteceu em Johannesburgo, na África do Sul. “O projeto surgiu dentro do contexto dos Objetivos do Milênio, que abrange a redução de pessoas com acesso limitado à água e ao saneamento básico”, contou Cortesão. “Assim, o IAP convidou a ABC para coordenar o programa, cujo responsável passou a ser o Acadêmico José Galizia Tundisi (que também coordenou o evento realizado em São Paulo).”

Ele relatou que, no entanto, coordenar de forma unilateral um programa que é global revelou-se um grande desafio. “Era preciso construir uma gestão colegiada, senão seria impossível. Como o Brasil coordenaria um Programa de Águas na África?” Por isso, a ABC propôs uma organização regional, a partir das Academias participantes, para trabalhar em nível mundial. Assim, o Brasil e o México passam a assumir a liderança dessa atuação nas Américas, a África do Sul coordena o programa na África, a Polônia e a Alemanha assumem a responsabilidade na Europa e a Ásia, por ser de grande extensão, foi dividida em duas partes: A China gerencia o leste asiático e a região do Pacífico, a Rússia é responsável pela Ásia Central e a Jordânia lidera o sudeste asiático e o Oriente Médio. “O objetivo final é reunir todas as Academias e países para trabalhar juntos na questão das águas.”

O papel das redes de Academias no Programa de Águas

Desta forma, o Programa de Águas passa por uma reestruturação, sendo segmentado por continentes. As redes de Academias de Ciências levarão adiante cada um desses programas em suas respectivas regiões – a Ianas, por exemplo, já vem trabalhando em um Programa de Águas de bastante êxito, segundo Cortesão. Há alguns anos, a Network of African Science Academies (NASAC), a rede da África, também criou o seu próprio programa. A rede da Europa (EASAC) vem articulando as Academias do continente em nível regional, e a da Ásia (Association of Academies of Sciences in Asia – AASA) fez modificações em um projeto de recursos hídricos já existente, mas que tinha outro foco. “Essa é a nossa intenção: que as Academias de cada região se organizem e sejam responsáveis pelos seus respectivos Programas de Águas. O que o IAP busca é unir ciência e gestão, além da capacitação dos gestores de águas.”

O simpósio teve, portanto, o objetivo de fixar tais mudanças, mobilizando as Academias a atuarem nesse tema. “As sessões apontaram as questões fundamentais que surgiram nos 20 workshops regionais que realizamos ao longo de cinco anos”, acentua Cortesão. “Nas reuniões dos grupos de trabalho, discutimos o interesse em dar continuidade ao que já vem sendo feito. Na plenária final, foi possível ter um retorno dos debates desses grupos em torno do tema, que é um dos mais fundamentais para a sociedade, e reconhecemos a importância das redes regionais nesse aspecto.” Deste modo, o fechamento do evento foi o fechamento do programa em si, na estrutura que tinha a ABC como líder.

O assessor explica que, a partir desde momento, o foco é determinar de que maneira as redes podem dar sequência ao programa no âmbito regional e, em seguida, construir pontes para a inter-relação entre tais regiões. “É importante estreitar parcerias, de forma que as Academias colaborem entre si para melhorar o uso das águas nos países. Após esta reunião, vimos que o aperfeiçoamento da gestão dos recursos hídricos é fundamental. O Brasil assumiu a liderança do programa com êxito e cumpriu o seu papel de reunir os participantes para dar início à nova fase. Agora, cabe às redes regionais conduzir seus respectivos programas.”

O simpósio na visão dos participantes

Ao fim do evento, os participantes fizeram suas avaliações e consideraram as discussões bastante produtivas. A alemã Christiane Diehl, diretora-executiva do EASAC, afirmou que o Programa de Águas do IAP é um projeto líder que planejou as atividades e o envolvimento de cada país. “No entanto, não temos nada parecido com isso na nossa rede. Se tivéssemos, os esforços seriam mais concentrados, bem como a capacidade de gestão de cada área prioritária.”

Salmah Zakaria (foto ao lado), da Malásia, disse que é importante o engajamento total com as questões debatidas no evento. Marine Nalbandyan, da Armênia, acredita que o mais importante é definir a direção na qual os esforços serão empreendidos, de forma a garantir a continuidade do projeto e assegurar novas fontes financeiras e sucesso.

Daniel Olago (foto ao lado), do Quênia, disse que a NASAC precisa ser estimulada a falar com os governos e tomadores de decisão, de maneira a promover todos esses assuntos dentro do continente africano. “Além disso, existem muitos pesquisadores africanos que não sabem o que está sendo desenvolvido em outros países do continente. É necessária uma maior integração, principalmente com a sociedade, que se beneficia diretamente desses estudos.” Ele informou que o grupo africano focará, a partir de agora, na questão das águas subterrâneas. Christopher Magadza, do Zimbábue, também aprovou as apresentações sobre este tema. “Vou levar esse campo de estudo como experiência para o meu país. É interessante, pois as águas subterrâneas estão sendo mais usadas para fins domésticos e para a agricultura, já que muitos rios estão secando.”

Silvio Crestana, do Brasil, acredita que esse debate é importante do ponto de vista da gestão da água. “Existem os recursos mais técnicos, mas as decisões não se restringem a essa área, pois envolve também muitos fatores políticos. A água é um bem comum e público, é garantida a todos, então é um problema universal, com relevância social e cultural.” Ele falou da dificuldade de se criar um consenso, uma vez que os interesses dos países e dos governantes são bastante diversos.

O Acadêmico José Galizia Tundisi, coordenador do evento, declarou que a humanidade nunca enfrentou tantos problemas complexos e variados: pobreza, crise econômica, ameaça aos recursos hídricos, crescimento populacional, desafios urbanos, entre outros. “Nós podemos e temos que contribuir com conhecimento e esforços para ajudar a resolver esses problemas. Esse é o motivo de eu considerar esse encontro tão importante. Uma nova visão é necessária e isso depende diretamente de nosso desempenho e criatividade.”

Visita à Sabesp


O grupo na estação de tratamento de água

No dia seguinte ao término do simpósio, os participantes fizeram uma visita técnica à estação de tratamento de águas da Sabesp em Guaraú, responsável pelo tratamento de água do Sistema Cantareira. Este sistema é o maior da Região Metropolitana de São Paulo, além de um dos maiores do mundo.

Na Estação do Guaraú, são tratados 32,7 mil litros de água por segundo, que atendem às necessidades de 8,1 milhões de pessoas das Zonas Norte, Central e partes das Zonas Leste e Oeste da capital de São Paulo. Também são atendidos os municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Carapicuíba e São Caetano do Sul, além de parte dos municípios de Guarulhos, Barueri, Taboão da Serra e Santo André. O sistema é formado pelos rios Jaguari, Jacareí, Cachoeira, Atibainha e Juqueri.