Uma tentativa do ser humano entender e explicar o mundo em que vive, utilizando a objetividade, a criatividade e a capacidade analítica humana para criar teorias baseadas em observações reais. Essa definição de ciência exerce fascínio sobre João Trindade Marques e sobre boa parte da humanidade. A ciência permitiu grandes avanços tecnológicos que melhoraram e continuam a melhorar a qualidade de vida da população mundial. Ser um cientista, para Trindade, requer perseverança, honestidade, criatividade e racionalidade. “Temos a chance de contribuir para o aumento do conhecimento com impacto na qualidade de vida do ser humano. Isso é uma grande honra.”
Valores familiares defendendo a justiça social
João Trindade Marques teve uma infância marcada pelos efeitos da ditadura. Seus pais eram economistas, socialistas de classe média, durante a ditadura militar. Moravam na cidade de Belo Horizonte e eram muito ativos nos movimentos sociais que visavam mudanças políticas. A mãe era professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o pai era ligado a organizações políticas, sendo que ambos participaram da fundação do Partido dos Trabalhadores em Minas Gerais. João conta que devido às dificuldades constantes de vínculo empregatício, “meu pai foi obrigado a trabalhar em diversos lugares, tendo passado muitos anos na cidade São Paulo. Como minha mãe trabalhava fora, eles foram pouco presentes, fisicamente, no nosso cotidiano – meu e do meu irmão mais novo”.
Mas os valores familiares foram fortemente estabelecidos. Os pais valorizavam muito a educação e a busca de conhecimento na formação do indivíduo, além de acreditarem que a justiça social é um pilar importante de qualquer sociedade desenvolvida. “Estes valores foram marcantes durante minha infância e sempre nortearam minhas escolhas”, afirma o Acadêmico.
Os meninos gostavam de esportes – o irmão de João cursou educação física e chegou a campeão mundial de jiu-jitsu. João, no entanto, não se destacava especialmente em nenhum esporte, mas tinha mais atração pela capoeira, que fez parte da sua vida desde cedo. “Foi essencial para eu conhecer certos aspectos da convivência humana e da sociedade que são pouco evidentes para uma criança de classe média”, destaca o cientista.
Curiosidade científica e boas companhias
No colégio, sempre preferiu as ciências exatas, químicas e biológicas. Sempre teve interesse em entender o universo e os seres vivos. Ele conta que em casa havia enciclopédias e coleções de livros sobre os mais diversos aspectos da ciência. “Isso certamente ajudou a aguçar minha curiosidade.”
Entrou para a faculdade de Ciências Biológicas na UFMG e, logo primeiro período, procurou um laboratório para começar fazer pesquisa.”Tive a sorte de encontrar um ambiente extremamente rico no laboratório de vírus, com a professora Erna Geessien Kroon, que nutriu e estimulou minha vontade de fazer pesquisa.”
Trindade atribui ao contato com a orientadora, os companheiros de laboratório e os professores da época uma influência direta no que viria a ser seu interesse nos vários anos que se seguiram, especialmente nas áreas de biologia celular e molecular, imunologia e virologia. Sua escolha pela área de pesquisa também foi fortalecida nos congressos de que participou, pois neles travou contato com importantes pesquisadores brasileiros e estrangeiros. “Foram boas referências do que é ser um cientista sério e respeitado mundialmente”, observa o Acadêmico.
João Trindade Marques é hoje professor adjunto do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Possui mestrado e doutorado pelo Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e fez seu pós-doutoramento nos Estados Unidos, na Cleveland Clinic, em Ohio, e na Northwestern University, em Chicago, Illinois. Em 2005, recebeu o Milstein Young Investigator Award, oferecido pela International Society for Interferon and Cytokine Research. No ano seguinte, a Cleveland Clinic Foundation o homenageou com o Innovator Award. Em 2008 lhe foi outorgado o Boltzmann Award, pela International Cytokine Society e a International Society for Interferon and Cytokine Research.
Interação patógeno-hospedeiro: dormindo com o inimigo
Nos últimos anos, os avanços no campo da imunologia melhoraram sensivelmente nosso conhecimento sobre mecanismos celulares e moleculares, que foram traduzidos diretamente em benefícios para a saúde humana e animal. Trindade atua nas áreas de imunologia e microbiologia, através do uso de ferramentas de bioinformática, bioquímica, biologia molecular e celular para o estudo dos mecanismos de interação parasito-hospedeiro, com destaque para o papel das vias de RNA de interferência. Ele tem especial interesse pela diversidade de mecanismos utilizados por diferentes organismos para garantir sua sobrevivência, frente a constantes desafios impostos por patógenos. “Talvez seja ainda mais interessante o fato de que esta interação patógeno-hospedeiro influencie diretamente a evolução de várias espécies”, observa o cientista.
Seu trabalho de pesquisa, nos últimos anos, concentrou-se no estudo dos mecanismos de reconhecimento de ácidos nucleicos por células animais, em particular uma via chamada de RNA de interferência. Segundo Trindade, o reconhecimento de ácidos nucleicos é importante na ativação da resposta imune contra infecções virais. Ele explica que o estudo destes mecanismos permite, por exemplo, o desenho de drogas ativadoras com ação antiviral ou inibidoras com aplicação na terapêutica de doenças auto-imunes.”Algumas drogas com este tipo de aplicação já estão disponíveis no mercado farmacêutico, como oligonucleotídeos utilizados como adjuvantes em vacinas.”, informa o pesquisador.
Além disto, a via de RNA de interferência é uma via de regulação da expressão gênica que pode ser acionada artificialmente através de moléculas de RNA sintetizadas quimicamente.Estes RNAs , segundo Trindade, podem ser utilizados no tratamento de diversas doenças, como a degeneração macular pela idade – que causa perda da visão central, atrapalhando atividades simples como ler, assistir TV e dirigir – ou infecções pelo vírus respiratório sincicial,considerado a principal causa de bronquiolite e de hospitalização de crianças menores de cinco anos com sintomas de doença respiratória. “A via de RNA de interferência permite que os genes, envolvidos na mecanismo de patogênese destas doenças, possam ser especificamente desligados como estratégia de tratamento”, explica Trindade, relatando ainda que diversos medicamentos baseados na via de RNA de interferência já estão em diferentes estágios de ensaios clínicos nos EUA.
Com relação ao título de Membro Afiliado da ABC, Trindade acredita que a ABC representa o melhor da ciência brasileira. “Ser membro da ABC é um reconhecimento da carreira na ciência. Pretendo representar bem o meu papel de pesquisador brasileiro e contribuir para o crescimento e importância da ABC.”