Os brasileiros são bem mais europeus do que africanos. Esqueça todas as análises já feitas com base em conceitos como raça e cor da pele. O primeiro grande estudo a medir a ancestralidade da população do País a partir de sua genética revela uma participação europeia muito maior do que se imaginava preponderante em todo o território, inclusive nas regiões Norte e Nordeste. As conclusões estão na pesquisa coordenada pelo geneticista e Acadêmico Sérgio Danilo Junho Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, e publicada na revista científica “PLoS”.

O trabalho revelou que, em todas as regiões, a ancestralidade europeia é dominante, com percentuais que variam de 60,6% no Nordeste a 77,7% no Sul. Mesmo as pessoas que se denominam negras pelos critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentam, na verdade, uma alta ancestralidade branca. Para se ter uma ideia, na Bahia, os negros tem 53,9% de raízes europeias. Na análise dos especialistas envolvidos no trabalho, a “europeização” do Brasil se deu a partir do fim do século 19, com o fim do tráfico negreiro e da escravidão e o início do fluxo migratório de aproximadamente 6 milhões de trabalhadores europeus.

Para além do impacto histórico e antropológico que os resultados do novo estudo podem ter, Sérgio Pena ressalta ainda a sua importância do ponto de vista médico: os tratamentos podem ser mais homogêneos do que se imaginava.

As três raízes ancestrais do país

Formada por três diferentes raízes ancestrais, indígena, europeia e africana, a população brasileira sempre se acreditou muito heterogênea. Estudos da era pré-DNA, baseados na cor da pele ou no polêmico conceito de raça, tradicionalmente indicaram fortes diferenças regionais, com grande presença indígena no Norte, africana no Nordeste e europeia no Sul. A partir da análise do DNA de 934 brasileiros, o grupo de Sérgio Pena conseguiu rastrear os reais componentes de ancestralidade europeia, africana e ameríndia de cada um deles.

“De certa maneira foi uma surpresa”, afirmou. “Esperava encontrar níveis elevados de ancestralidade europeia no Sudeste e no Sul, mas não no Norte e no Nordeste”. A mistura das três raízes ancestrais, argumenta Pena, resultou numa paleta muito vasta de cores de pele para o povo brasileiro; na verdade, bem mais ampla do que o branco, preto, pardo e amarelo usados pelo IBGE. Ainda assim, um dos aspectos mais curiosos do estudo é revelar que a cor da pele do indivíduo (como é percebida por ele ou por outros, não importa) nem sempre está diretamente relacionada à sua ancestralidade. Ou seja, um sujeito pode ser branco e ter um maior percentual de ancestralidade africana e vice-versa.

“Acho que o estudo tem muitos dados novos, que as pessoas nem suspeitavam sobre o povo brasileiro”, afirmou Pena. “Os dados genômicos enriqueceram muito o conhecimento que temos da população. Sobretudo, mostramos que a ancestralidade não está necessariamente ligada à cor da pele”. Na verdade, o estudo conclui que, independentemente de eventuais classificações baseadas na cor da pele, os brasileiros são muito homogêneos do ponto de vista de sua ancestralidade. “Existe muito menos diferença do que era esperado, a homogeneidade é muito maior do que se imaginava e nós conseguimos identificar o grande fator homogeneizante: o influxo de 6 milhões de europeus.”

Tentativa de embranquecimento

O estudo mostra que, num primeiro momento, o Brasil contava com uma população de cerca de 2 milhões de indígenas e, logo após o descobrimento, começou a receber portugueses, em grande maioria homens. Entre 1500 e 1808 (data da vinda da corte), foram cerca de 500 mil. O tráfico de escravos, que começou em meados do século XVI e se estendeu até 1850, teria trazido ao Brasil 4 milhões de africanos. Em todo o período houve uma significativa mistura de homens europeus com mulheres índias ou negras, formando as primeiras gerações de brasileiros.

Com o fim da escravidão e a crescente necessidade de mão de obra, houve uma opção pelo trabalhador europeu, no que teria sido uma tentativa deliberada de “embranquecimento” do país. “O processo que começou com D. Pedro II e continuou depois da Proclamação da República tinha um objetivo bastante claro”, disse Pena. “Ele foi muito influenciado pelo conde Gobineau (Arthur de Gobineau, adido francês no Brasil), um dos maiores racistas do mundo e amigo pessoal de D. Pedro II. A ideia era de purificação da raça pela europeização.”

O estudo comprova que o Brasil é, antes de mais nada, um país de mestiços. Quanto mais misturada for uma população, menos a ancestralidade coincide com cor da pele. Portanto, só dá pra dizer que somos todos brasileiros.