No dia 16 de novembro, cientistas brasileiros e alemães se reuniram na Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro, no evento comemorativo do “Ano Brasil-Alemanha de Ciência e Tecnologia e Inovação”. O tema deste dia do encontro foi a modelagem computacional e matemática a serviço de diversas áreas. Os coordenadores do Simpósio foram os Acadêmicos Paulo Murilo Castro de Oliveira e Luiz Bevilacqua.


Thomas Lengauer, Klaus-Robert Muller, Luiz Bevilacqua e Marcus Aguiar

Modelos evolucionários e de biossistemas

O físico Marcus Aguiar, da Unicamp, apresentou palestra intitulada “Um modelo neutro de especiação”. A especiação é o processo pelo qual se dá a divisão de uma espécie em duas ou mais novas espécies. Esse é um dos temas mais estudados na biologia desde Darwin.

Dois dos principais modelos aceitos atualmente sobre o tema são: a especiação alopática, que ocorre quando uma barreira geográfica separa indivíduos de uma mesma espécie e, depois de alguns tempo isoladas reprodutivamente, elas não mais se reconhecem; e a especiação simpática, que ocorre quando o espaço físico não é importante e a diferenciação de espécies é feita devido a competição por recursos.

Aguiar e seu grupo de estudos criaram um modelo que demonstra especiação por espaço, mas sem barreiras. No seu modelo, ele mostra que a variação de espécie ocorre naturalmente quando uma população se espalha por uma área muito grande, mesmo que não existam barreiras físicas impedindo a reprodução.

Thomas Lengauer, doutor em Ciência Computacional e pesquisador do Instituto de Informática Max Planck, fez uma apresentação sobre Biologia Computadorizada intitulada “Perseguindo o vírus da AIDS”. Nela, o cientista mostrou um sistema de computador desenvolvido por seu laboratório que busca analisar os medicamentos adequados para cada paciente.

Lengauer explicou que o vírus da AIDS é extremamente mutante e resistente, portanto cada portador do HIV possui quase um vírus único, que será mais ou menos resistente a determinados medicamentos. Este sistema busca ver a qual combinação de medicamentos o paciente terá menos resistência e, portanto, a que tratamento ele reagirá melhor. O sistema já está disponível em 30 países e é utilizado por dois terços dos pacientes alemães. O sistema está disponível gratuitamente em http://www.geno2pheno.org/

Modelando para novas tecnologias

O Acadêmico Luiz Bevilacqua, da Coppe/UFRJ, apresentou sua pesquisa intitulada “Difusão com retenção temporária”, que propõe uma teoria totalmente nova para explicar os processos relativos à dinâmica populacional e à difusão de partículas em meios mais complexos.

Segundo ele, o trabalho refere-se ao movimento de difusão de partículas num determinado meio – um meio fluido, por exemplo – no qual as partículas em geral se movimentam livremente. Entretanto, em alguns meios – como acontece, por exemplo, na presença de moléculas de polímeros -, essas partículas são retidas por um determinado tempo, não avançam continuamente. Os modelos clássicos, segundo Bevilacqua, “têm uma formulação para essas situações em que ocorre a retenção das partículas, mas a correção que eles introduzem é artificial”, explica. A proposta da pesquisa não é a correção sobre o modelo clássico, mas sim a formulação de uma nova teoria que já inclui, dentro de sua própria formulação, a retenção como um processo que é característico do sistema estudado.

Uma outra aplicação desse modelo é no estudo da difusão de uma população que está invadindo um território. Neste caso, o modelo admite que esta população caminhe ao longo da trajetória sem que haja nenhuma parada, “sem que ocorra nenhuma retenção”, explica o cientista. Entretanto, não é razoável esperar que essa ocupação ou invasão de território aconteça sem que parte da população permaneça parada para colonização do trecho percorrido. E os modelos que estão hoje em vigor não têm essa previsão. Bevilacqua diz que seu modelo admite que a invasão de uma determinada população – por exemplo, de insetos que invadem uma plantação ou peixes que invadem um determinado rio -, retenham parte da população temporariamente. “Eles estacionariam numa determinada posição do espaço para colonizar exatamente esse mesmo espaço; fincariam ali, de certa forma, a sua posse do território. E esse modelo explica e apresenta perfeitamente esse tipo de evolução”.

O cientista acredita ser uma contribuição interessante, pois não foi encontrada nenhuma formulação parecida na literatura e esta certamente dará uma previsão muito mais exata dos processos relativos à dinâmica populacional e à difusão de partículas em meios mais complexos. Bevilacqua concluiu dizendo que experimentos urgentes precisam ser efetivados e que precisa de parceiros na área experimental. Comentou ainda uma possível colaboração com a Alemanha, oportunidade surgida no evento.

O matemático e cientista da computação Klaus-Robert Muller, da Universidade Técnica de Berlin (TUBerlin), apresentou sua pesquisa e suas experiências sobre o cérebro humano. Os seus últimos resultados permitem que pessoas incapacitadas possam escrever, por exemplo, utilizando apenas o pensamento.

A pesquisa se baseia no ritmo cerebral, que varia de acordo com a atividade e o repouso. Quando uma parte do cérebro realiza uma atividade seu ritmo é atenuado. Os cientistas perceberam que ao pensar simplesmente na ação o ritmo também é atenuado, ou seja, o ritmo do cérebro varia da mesma forma quando uma pessoa acena seu braço esquerdo e quando a pessoa pensa em acenar o braço esquerdo.

A partir disso, os pesquisadores desenvolveram um sistema de 64 eletrodos controlando o cérebro de um indivíduo ligado a um computador. O sistema reconhece a diferença entre as áreas afetadas no cérebro quando se pensa esquerda e direita e, partindo dessas duas possibilidades, é possível “soletrar” mensagens e jogar jogos como ping-pong virtual e pinball. Para isso, basta que a pessoa faça um “treinamento” que dura de 5 a 20 minutos para que o computador mapeie o seu cérebro.

Modelos epidemiológicos

O médico e físico Eduardo Massad, professor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foi o primeiro a falar na tarde de terça-feira, no evento “Alemanha-Brasil: Ano de Ciência, Tecnologia e Inovação”. Ele falou a respeito da malária, doença considerada negligenciada que atinge mais de 1,4 milhões de pessoas no mundo.

Uma das indagações que movem suas pesquisas é quanto tempo o visitante a uma área endêmica de malária pode permanecer seguramente livre de quimioprofilaxia. O estudo tem por objetivo usar um modelo matemático para estimar o risco de se contrair malária por P. falciparum para quem viaja para regiões endêmicas do Brasil, em especial para a Amazônia durante o verão.

O físico Theo Geisel, diretor do Instituto Max Planck para Dinâmicas e Auto-organização apresentou seus trabalhos sobre modelos epidemiológicos. Geisel, que é também professor de Física Teórica da Universidade de Göttingen, analisou a propagação de doenças na atualidade, tendo em conta as transformações nos meios de transporte. Seu objetivo é encontrar princípios estatísticos subjacentes à migração humana e avaliar de que forma eles podem ser usados para prever a propagação geográfica das epidemias modernas.

Geisel afirmou que diante da potencialização das migrações resultantes deste processo, os tradicionais modelos epidemiológicos de mobilidade tornaram-se obsoletos. Propôs, para atualizá-los, o modelo Random Walks Levy, que compreende os eventuais saltos espaciais na propagação das epidemias. Apresentou, em seguida, algumas simulações, mostrando o desastre que teria sido um novo surto de peste negra na atualidade e expôs como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês) teria se propagado partindo de diferentes pontos no globo.

Concluindo com humor, o pesquisador fez uma analogia entre a disseminação de doenças e as correntes de notas de dólar, em que uma mensagem é deixada em uma nota pedindo a replicação dessa mensagem em demais notas. A brincadeira já rendeu a estimativa de 170 milhões de notas de dólares “contaminadas”, localizáveis a partir do site http://www.wheresgeorge.com/.

Sistemas complexos e modelagem multiescala

O Acadêmico Renato Cotta, professor Titular da Escola Politécnica e da COPPE na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abriu o tópico com a apresentação de sua pesquisa intitulada “Métodos Híbridos na Análise Inversa Direta de Transferência de Calor e Massa”.

O engenheiro mecânico explicou a filosofia do seu trabalho, procurando ser o menos hermético possível. Um dos traços mais relevantes da pesquisa em Métodos Híbridos é sua aplicação multidisciplinar e em áreas-chave, tais como a espacial, nuclear, ambiental, de gás, de petróleo, micro e nanobiológica.

O físico Martin O. Stenhauer, cientista Sênior no Departamento de Simulação Numérica no Fraunhofer Ernst Mach Institute (IME), foi o último a se apresentar. Para fechar o tópico de Sistemas Complexos e Modelagem Multiescala, ele apresentou seu trabalho com polímeros, tratando das microestruturas policristalinas, que são metaestáveis quando comparadas a um único cristal.

A energia armazenada nos contornos dos grãos da estrutura fornece a força motriz para o crescimento dos mesmos. Sob algumas circunstâncias durante o processo de cristalização, a microestrutura policristalina se torna instável e alguns grãos podem crescer de forma anormal, consumindo grãos menores. Este tipo de crescimento se origina do crescimento preferencial de alguns grãos sobre seus vizinhos e é decorrente de partículas de segunda fase, efeitos superficiais e textura. Como regra, grãos com menos de seis lados (hexágonos) tendem a contrair, enquanto que os grãos com seis ou mais lados tendem a crescer.