O Acadêmico Jailson Bittencourt de Andrade, professor titular do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é coordenador do INCT Energia e Ambiente e do projeto Estudo Multidisciplinar Baía de Todos os Santos. O pesquisador apresentou sua pesquisa sobre o transporte e deposição de aerossóis atmosféricos na Baía de Todos os Santos na 62a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Histórico

A região era chamada pelos tupinambás que a habitavam de Kirimurê, que significa grande mar interior. Foi rebatizada Baía de Todos os Santos pelos portugueses, em 1501. Em 1549 aportou na região um grupo de portugueses para construir Salvador, trazendo a cidade praticamente montada de Portugal. Em 1570 existiam 16 engenhos e em 1720 já somavam 150. “Era a unidade agroindustrial mais complexa naquela época. A Baía de Todos os Santos era onde ocorria a construção de grandes navios para a Carreira da Índia, canoas à vela e navios negreiros. A partir da década de 50 iniciou-se um ciclo de industrialização na borda da Baía e, com isso, veio o processo de contaminação da água, do ar e dos sedimentos na região”, contou o pesquisador.

Visando organizar as informações pretéritas, atuais e futuras de forma harmônica, foi criado o Instituto Kirimurê, um ambiente virtual onde pesquisadores, alunos de graduação e de pós-graduação se encontram para discutir os mais diversos elementos de pesquisa sobre a Baía de Todos os Santos (BTS). Por meio do Instituto, o grupo de pesquisadores acompanha os projetos de pesquisa locais, partilha dados em bases ainda em construção, discute metodologias e elabora conjuntamente relatórios e artigos, dentre outras atividades. Jailson explica que “a intenção é formar uma grande rede de conhecimentos focada na BTS, direcionando os esforços para resolver os problemas de poluição das águas, do sedimento e do ar.”

O Projeto BTS

O Projeto Baía de Todos os Santos (BTS) é interdisciplinar e multidisciplinar, se propondo a cobrir um período de 30 anos, partindo de 2008. O acompanhamento diligente das diversas questões impostas pelo ambiente se dá por enfoques igualmente diversos, como a oceanografia, a qualidade ambiental e a educação das pessoas da região, inclusive através das artes. Os períodos de ação foram divididos em seis “ondas” de cinco anos, cada uma dessas ondas contendo picos de convênios e tempo de avaliação. O marco zero é o livro Baía de Todos os Santos, que oferece informações sobre a região.

A formação de recursos humanos é uma das metas deste projeto e contemplará todos os níveis, desde o pós-técnico – uma inovação desse projeto – até alunos de graduação, pós-graduação e também pós-doutorado.

Águas e ar poluídos

Depois de contextualizar sua pesquisa, Jailson abordou seu trabalho específico. Começou explicando que o gás é um dos três estados de agregação da matéria, sem forma e volume definidos, e que o aerossol é a dispersão de partículas microscópicas sólidas ou líquidas em um gás, semelhante a fumaça, neblina ou orvalho.

Dependendo do tamanho da partícula, ela pode atingir o trato respiratório. E quanto mais fundo ela chegar, maior é o impacto toxicológico. “As regiões que mais preocupam no trato respiratório são a média traqueo-bronquial e, principalmente, a profunda alveolar, porque as partículas que chegam lá não saem mais”, advertiu Bittencourt. As partículas mais perigosas são as menores, entre 0,1 e 10 nanômetros, que chegam aos alvéolos podendo causar asma, bronquite crônica e outras infecções respiratórias.

Para separar as partículas por tamanho e estudá-las, são usados dois tipos de coletores. Um deles é o coletor por filtração. “Ele é parecido com um aspirador de pó e usa filtros que separam justamente as partículas inaláveis, de 10 micrômetros para baixo”, informou. Para completar a análise, é preciso utilizar outro tipo de coletor, que permite dividir as partículas em 13 tamanhos diferentes, de 1 micrômetro a 10 nanômetros. “Esse coletor é o de impactação. É um sistema tubular com discos em séries, cada um com um buraco de tamanhos diferentes no meio. Esse espaçamento no centro dos discos é calculado para distribuir as partículas por tamanho, das maiores, que não passam nem pelo buraco do primeiro disco, às menores, que passam por todos”, concluiu.

Em seguida, o professor afirmou que o diesel utilizado como combustível nos navios que circulam na Baía de Todos os Santos tem qualidade muito pior do que o utilizado em caminhões. Evidentemente, ele acaba interferindo na qualidade do ar e das águas da Baía. Nos dois pontos de coleta estabelecidos – Ilha de Maré e Porto de Aratú -, a quantidade de alguns metais no ar é muito diferente – especialmente manganês, ferro, cobre e zinco, além de cromo, cádmio, chumbo, mercúrio e arsênio. Comparando os dois pontos, num deles os teores de zinco são altíssimos, fato incoerente com a ocorrência de enriquecimento de zinco. Os teores de arsênio no ar estão muito acima do normal, em função da ocorrência de metalúrgicas de cobre e dos resíduos de combustível dos navios.

Os estudos precisam da coleta freqüente de amostras. Na Ilha de Itaparica e Ilha de Maré, por exemplo, os estudantes vão ao ponto de amostragem três vezes ao dia para avaliar o ar. Ao comparar os dados obtidos com o padrão de qualidade do ar estabelecido no Reino Unido, percebe-se que a Ilha de Maré está muito acima desse nível. Mas piores casos são os da Estação da Lapa e do Porto de Aratu, que apresentam concentração quase quatro vezes mais que o recomendado.

A disparidade é explicada pelo sistema de dispersão. “Na Estação da Lapa o ar circula muito pouco e o Porto de Aratú está muito próximo das fontes de emissões. Em Itaparica, a dispersão é bastante eficiente, pois está distante das emissões, enquanto na Ilha de Maré a direção preferencial dos ventos e a proximidade das fontes de emissão afetam a qualidade do ar respirado por seus moradores”, esclarece o Acadêmico.

Como resolver o problema?

Em alguns países é proibida a entrada nos [portos em baías de navios com motores que utilizam combustíveis fósseis, exatamente para evitar esse tipo de situação. O grupo de Jailson tem feito um trabalho junto ao Instituto de Meio Ambiente, que está deflagrando uma linha de monitoramento tanto da água quanto da atmosfera dos locais afetados. “Nosso papel é fazer o mapeamento do local para que possamos dizer o quanto dessas substâncias tóxicas – arsênio, enxofre e vanádio, por exemplo – vêm de cada origem e, numa terceira etapa, encaminhar propostas de solução”.

Nessa etapa, porém, os pesquisadores vão de encontro aos interesses das indústrias e dos navios, que têm resistência em fazer os gastos necessários para modificar esse quadro. “O trabalho de educação ambiental tem sido intenso, temos promovido toda uma interação com a população local através de monitores bolsistas. Para que obtenhamos alguma solução é preciso que haja mobilização da sociedade para fazer pressão política. Temos que evidenciar o problema de saúde ocupacional para quem trabalha e vive próximo ao Porto de Aratú”, argumenta o pesquisador.

As perspectivas para a região não são boas. O impacto ambiental tende a aumentar, pois a atividade industrial só faz crescer. “Com isso cresce a demanda de uso dos portos. O projeto está sendo acelerado para que tenhamos outro produto de divulgação além do livro. Mas a disputa com o capital é difícil”. Jailson procurou o presidente da Federação das Indústrias para propor que o porto fosse transferido de Salvador, mas foi informado de que esta alternativa seria impossível. “Procuramos, então, fazer o que podemos e, a cada dia, adequar nosso sonho à realidade”.