A pesquisadora argentina Nora Gómez Zaffini, professora da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), iniciou sua apresentação esclarecendo do que falamos quando tratamos de gênero. “Gênero não é sinônimo de mulher. É uma categoria analítica, um princípio ético-político, um modelo de intervenção social. Alude a uma relacão de poder que envolve tanto as mulheres e/ ou o feminino como aos homens e/ou o masculino.”

As mulheres na história da Ciência

Nora observou que numa enciclopédia com mais de mil cientistas só aparecem três mulheres. “Porque não as conhecemos? Será que outras mulheres participaram do desenvolvimento da C&T?” Sim, elas existiram e participaram. Mas na história do pensamento filosófico humano as mulheres já foram consideradas menos inteligentes, com menos coragem, com temperatura corporal mais baixa ou mais instáveis, fatores que atrapalhariam o trabalho científico. Na Mesopotâmia, no entanto, foram astrônomas e químicas; no Egito foram médicas, antes da Medicina ser reconhecida como ciência; na Grécia, eram filósofas e matemáticas; em Roma foram ginecologistas e alquimistas; na Idade Média, conhecidas botânicas e médicas; nos séculos 16 e 17 escreveram sobre temas da saúde sexual, de ginecologia e de obstetrícia. “Porém, podiam até discutir nos salões sobre Ciência, mas não podiam pertencer às Academias de Ciências”, apontou Nora.

Nos séculos 18 e 19, algumas mulheres se destacaram na Astronomia e na Matemática, como Sophie Germain e Ada Lovelace. No século 20, onze mulheres ganharam o Prêmio Nobel em Física, Química, Medicina e Fisiologia. Rosalind Franklin participou da descoberta do DNA – mas os dois homens envolvidos na descoberta foram premiados e ela não. “Entre os estereótipos atuais está o de que as mulheres são muito emotivas e por isso não têm muito jeito para as ciências duras.”

Estereótipos reforçados no cotidiano

Nora referiu-se ao que chamou de “currículos ocultos”. Quando se diz a um menino que homem não choram, está sendo ensinado que homens não devem mostrar seus sentimentos. “Quando damos ao menino o laboratório de química e para a menina uma boneca, ou quando cai água no chão e mandamos uma menina e não um menino limpar, estamos educando, passando os valores do currículo oculto”. Ela observou também que as características que usamos para valorizar as qualidades das meninas e dos meninos são diferentes, reforçam os estereótipos. “Fulana é caprichosa, Fulano é curioso. Fulana é bonita, Fulano é inteligente”. Na Matemática, segundo Nora, há uma crença de que os meninos têm mais habilidade do que as meninas para o raciocínio abstrato. “Quando não mostramos e não falamos sobre alguma coisa, estamos ensinando algo.”

Partindo da premissa de que o aprendizado de modo geral é facilitado por sua relação com atividades do cotidiano da pessoa, “para meninas pode-se usar moldes de costura para ensinar Matemática, receitas culinárias para ensinar Química, o ciclo menstrual para ensinar Biologia”, ilustrou Nora. Para ela, a principal dificuldade encontrada pelas mulheres quando abraçam a carreira científica é administrar seu trabalho sem abrir mão de serem mães e esposas. Nesse caso, não se estaria reforçando o estereótipo, mas associando a Ciência ao dia-a-dia. “As mais jovens são as que mais se interessam por Ciência, porque o papel do homem em casa também mudou. Então atualmente o conflito é menor”.

Barreiras subjetivas

Ela concorda que o acesso das mulheres à ciência e tecnologia vem crescendo significativamente com o passar dos anos. Mas será que sua capacidade de influir na tomada de decisões a respeito das aplicações e dos usos dos avanços em C&T vem crescendo na mesma proporção? Será que as opiniões, valores, necessidades e aportes das mulheres estão representados e incluídos nos debates atuais sobre o desenvolvimento científico e tecnológico? Nora Zaffini acha que não.

A pesquisadora destacou as barreiras culturais subjetivas com relação a mulheres cientistas, baseada em pesquisa de Maria José Casado, intitulada Las damas del laboratorio: mujeres cientificas em la historia. “Elas se percebem como mulheres excepcionais, se impõem altas expectativas e exigências quanto ao próprio desempenho, tendem ao afastamento de sua atividade de pesquisa, justificam condições de trabalho injustas pela sua vocação, correspondem ao estereótipo da boa aluna que se comporta bem para ser reconhecida, têm medo do confronto, de manifestar desacordos e de expressar emoções.””

O que sugere a Unesco

As recomendações da Unesco para se lidar com o tema são muitas. Nora destacou algumas, como a renovação da história da ciência com a inserção das mulheres; o apoio aos estudos de gênero relacionados ao desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico; a inserção do tema igualdade de gênero como tema transversal em projetos interdisciplinares; a integração dos aportes de gênero aos conteúdos curriculares e a didática de C&T; a criação de redes e ações coordenadas para integrar esse enfoque à formação básica e contínua do professorado e nas políticas educacionais. “A idéia e fazer uma ciência mais rica, mais válida e mais sensível aos desejos, necessidades e expectativas de toda a humanidade”, concluiu Nora.