Letícia Costa-Lotufo é cearense. Seu pai faleceu quando ela tinha 12 anos, mas deixou um legado e tanto: para ele, valia qualquer esforço se fosse pelos estudos. “Todos os meus irmãos foram estudar em São Paulo, por isso foi fácil pra mim”, conta a bióloga. A mãe era contadora e já havia assumido o negócio do seu pai quando ele faleceu, e nesse momento assumiu também o do marido. “Ele tinha uma empresa de software, e minha mãe ficou cuidando da parte administrativa”.

Ela gostava muito de escrever e pensou em ser jornalista. Mas suas melhores notas no colégio eram em Matemática e Física, e logo no primeiro ano do Ensino Médio Letícia teve um professor, David Bezerra, que montou um grupo de discussão sobre Biologia. Foi quando seu interesse na área começou a despertar. “Na época a Engenharia Genética estava no auge e eu achei que era o que eu queria fazer”. E lá foi ela, com 17 anos, para São Paulo, cursar Ciências Biológicas na USP.

Logo no inicio da graduação viu que não era a Engenharia Genética que mais a atraía: começou a se interessar por Fisiologia, disciplina ministrada pelo Prof. José Carlos de Freitas, que trabalhava com produtos naturais marinhos. Letícia começou a trabalhar com ele no segundo ano de faculdade, pulou o mestrado e foi direto para o doutorado, direcionado para Fisiologia Geral. “O ambiente marinho é fascinante. Às vezes a gente levanta uma pedra e não imagina a quantidade de vida que encontra ali. É incrível a possibilidade de usar o que o animal produziu durante anos para se manter no ambiente, extrair e aprender com eles para poder tratar as nossas doenças. As espécies têm que estar muito preparadas para sobreviver no meio de tantas outras no fundo do mar”, conta Letícia.

Depois de um pós-doutorado na mesma universidade, conseguiu uma bolsa de desenvolvimento científico regional no Projeto Nordeste para Estudo de Plantas Medicinais. Foi, gostou e ficou – hoje é professora adjunta da Universidade Federal do Ceará. Saindo da Região Sudeste para a Região Nordeste, se encontra novas espécies. “No Nordeste tem muita coisa desconhecida, até hoje os estudos são muito escassos, eu queria começar esse estudo, e comecei. Meu marido, Tito Lotufo, é zoólogo e faz a classificação das espécies. É um trabalho de equipe”.

E ela investiu em aumentar essa equipe. No Ceará não havia histórico de químicos trabalhando nesse tema, conheceu apenas um grupo que trabalhava com plantas. Letícia motivou-os a trabalhar com o ambiente marinho, e começaram a fazer coletas de animais fixos e de corpo mole que ficam nas pedras quando a maré baixa. “A larva nada, se fixa na rocha, sofre uma metamorfose e vira um bichinho mole que não sai da rocha, perfeita para ser comida por um peixe, mas muitos não são. Isso quer dizer então que eles têm algum mecanismo químico que os protege, assim como os ouriços têm a estratégia mecânica dos espinhos para se defenderem.”

Encontraram duas categorias de animais que se enquadravam nesse modelo: as esponjas e as ascídias. “Aí começamos nossa aventura. Em nosso primeiro trabalho coletamos dez espécies, incluindo quatro espécies novas e um gênero novo, um nível legal de diversidade. Achamos logo uma espécie que só ocorria na costa do Nordeste brasileiro, com uma atividade super interessante”. Hoje o estudo está bem evoluído. O grupo de Letícia está experimentando também um polissacarídeo extraído de algas para o tratamento de câncer. Associado a um quimioterápico normal, ele aumenta o efeito do quimioterápico e reduz os efeitos colaterais. Souberam de uma empresa no Ceará que estudava esse polissacarídeo como cicatrizante, então atrelaram os dois trabalhos e ampliaram os conhecimentos.

Atualmente seu laboratório tem apoio de mais de 25 grupos de Química no Brasil e um edital do CNPq criou o Laboratório Nacional de Oncologista Experimental, no qual ela coordena a parte de produtos marinhos. “Nós estamos na ponta do desenvolvimento do medicamento, estamos na base. Temos que fazer toda a experimentação primeiro em animais, depois em humanos. Nunca conseguimos que uma molécula nossa saísse da pesquisa básica para a parte clinica. Mas agora temos uma molécula que estamos patenteando”, contou Letícia.

Um aspecto interessante de sua pesquisa diz respeito á sustentabilidade. Não é possível sair pela praia coletando as espécies porque essa prática causaria danos ao ambiente. Avaliaram então que muitas das substâncias que estudavam não eram produzidas diretamente pelos animais, mas por bactérias presentes nesses animais. No pós-doutorado que está cursando atualmente, no SCRIPPS Institution of Oceanography da Universidade da California em San Diego, junto ao grupo do Prof. Willian Fenical, Letícia dedicou-se a isolar essas bactérias, e a partir da bactéria isolar a substância. Os casos de sucesso mais importantes são de bactérias tiradas de areia no fundo do mar. O grupo a que está integrada é pioneiro nessa área, com a descoberta de uma substância que está em fase II da pesquisa clínica. “Esse processo costuma levar dez anos, nesse caso foram apenas três, dada a facilidade de produção. Os estudos com produtos marinhos muitas vezes não seguem adiante dada a dificuldade de obtenção, mas no caso das bactérias, é possível cultivá-las e aí obtemos em grandes quantidades, adequadas para ensaios clínicos.

Em agosto serão concluidos os estágios de pós-doutorado dela e do marido, que está estudando Zoologia Molecular na mesma instituição, e eles voltam para o Ceará. “Recentemente o governo começou a olhar com outros olhos para os produtos marinhos, eles têm o Programa de Biotecnologia Marinha do Brasil. A Marinha tem o maior interesse em fomentar o estudo da região da costa, que chamam de Amazônia Azul. Lançaram um edital no ano passado e eu ganhei, tenho recursos para pesquisa”, entusiasma-se a bióloga, que se diz fascinada pelo link da ciência básica com a ciência aplicada. “A ciência básica leva à descoberta, mas com o passar dos anos de trabalho em laboratório eu acho que se possível essa ciência deve ser aplicada e melhorar a vida das pessoas. Por isso acho ótima essa área de Farmacologia, pois envolve as duas partes, embora aqui no Brasil ainda seja longo o caminho para se conseguir fazer esse link.”

Quanto à indicação para a Academia, Letícia conta que foi indicada pelo Acadêmico João Lucas Barbosa, amigo do Prof. Odorico de Moares, com quem ela trabalha. Ela diz que ficou realmente honrada. “Para mim a Academia Brasileira de Ciências tem um peso grande e é muito bacana a iniciativa de indicar jovens. Estava nos Estados Unidos quando recebi a noticia e amigos meus de outras nacionalidades se surpreenderam, pois contaram que em seus países só pessoas muito mais velhas entram para a Academia. O título certamente vai me ajudar a abrir portas, é um estímulo a mais.”