Nos últimos anos, o Brasil ingressou numa fase de crescimento mais forte, marcada também por uma redução expressiva da desigualdade de renda. A qualidade da educação no país, no entanto, continua muito ruim, como deixa claro o desempenho vexatório dos estudantes brasileiros em testes internacionais de avaliação de conhecimento, sempre nas últimas colocações.

Para enfrentar esse problema, que compromete a capacidade de expansão sustentada da economia, é fundamental tratar o investimento na educação infantil como prioridade, recomendam economistas que estudam a fundo a questão, como Aloisio Araújo (na foto à direita), da Fundação Getulio Vargas (FGV), e Flavio Cunha (na foto à esquerda), da Universidade da Pensilvânia.

Segundo eles, investir na educação de crianças carentes na faixa de 0 a 4 anos tem uma taxa de retorno social elevadíssima, contribuindo para o aumento da escolaridade, a redução da criminalidade e o aumento dos rendimentos do trabalho. É um instrumento poderoso para o processo de diminuição da desigualdade e para a qualificação da mão de obra.

Um dos coordenadores do grupo de pesquisa multidisciplinar sobre educação infantil na Academia Brasileira de Ciências, Araújo destaca que a formação do capital humano começa muito antes da criança chegar à escola. O ambiente familiar e o nível de escolaridade dos pais são fundamentais para o desenvolvimento das habilidades intelectuais e também emocionais dos filhos. Um grande problema do Brasil é que uma parte expressiva da população ainda é muito pobre e tem baixíssimo grau de instrução.

“É na primeira infância que começamos a produzir as habilidades cognitivas e socioemocionais que vão servir para o nosso desenvolvimento ao longo de toda vida. A nossa pesquisa mostra que quando essas habilidades não são criadas nas idades mais tenras, é muito mais custoso produzi-las em fases posteriores da vida”, diz Cunha, referindo-se aos estudos feitos por ele com James Heckman, Nobel de Economia em 2000 (foto ao lado).

Segundo Cunha, há evidências claras de que as crianças que recebem uma educação infantil de alta qualidade têm grande vantagem no desenvolvimento cognitivo e socioemocional pelo resto da vida. “É bastante frequente que filhos de pais com bom nível de escolaridade já saibam ler aos 4 ou 5 anos de idade, enquanto muitas crianças cujos pais têm baixo grau de instrução chegam à escola aos 6 ou 7 anos e ainda não sabem ler os mais simples monossílabos.”

Nesse cenário, diz Cunha, as crianças mais pobres deveriam frequentar a escola mais cedo, “pelo menos a partir dos três anos de idade, para que iniciem a educação primária em condições de igualdade com as crianças de pais com elevada escolaridade.”

As pesquisas sobre os impactos da educação infantil mostram resultados impressionantes. Programas americanos voltados para a primeira infância, como o “Perry Preschool” e o “Abecederian”, reduziram em 50% a chance de seus participantes entrarem na criminalidade e em 40% o nível de repetência escolar, além de aumentarem em 25% a possibilidade de conclusão do ensino secundário, diz Cunha.

Num país tão atrasado na educação, investir em programas voltados para a primeira infância deve ser uma prioridade de qualquer governo, diz Araújo, também professor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). “E isso ajuda a tornar mais produtivos os investimentos nas outras fases escolares, porque as crianças chegarão à escola mais preparadas.”

Para Cunha, apostar na educação infantil “é algo que se deve fazer tanto por uma questão de justiça social quanto de garantia de crescimento econômico de longo prazo”.

As pesquisas de Heckman e Cunha indicam que cerca de 30% da desigualdade de renda ao longo da vida de uma pessoa adulta, dos 23 até os 65 anos, já está formada antes que ela atinja os 6 anos de idade. Para garantir crescimento no longo prazo, o Brasil terá que aumentar e melhorar o estoque de capital humano, o que também requer mais investimentos em educação infantil, diz Cunha.

“Existe uma diferença entre crescimento econômico de curto e longo prazo. No curto prazo, pode-se obter surtos de expansão mesmo com uma população com baixa escolaridade. No longo prazo, o crescimento é o resultado de se conseguir produzir cada vez mais com os mesmos insumos”, resume ele, lembrando que isso exige o desenvolvimento e a implementação de novas tecnologias. Nos dois casos, é indispensável ter capital humano em abundância. “A falta desse insumo é o grande gargalo que precisamos eliminar.”

Cunha diz que a forma do financiamento da educação infantil, a formulação de um currículo e o treinamento de professores podem ser executadas no âmbito federal. “No entanto, há desafios de implementação que são locais”, observa ele, citando o número e o perfil dos professores escolhidos, o lugar onde a escola vai funcionar e a carga horária.

Araújo vê o cadastro do Bolsa Família como um trunfo importante para o investimento em educação infantil. Por se tratar de um programa bem focalizado, que chega às pessoas mais pobres, fica mais fácil saber quais crianças devem receber tratamento prioritário dos projetos para a primeira infância.

Em novembro, o Congresso promulgou uma emenda constitucional que prevê a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos – antes, a faixa ia dos 6 aos 14. Estados e municípios terão até 2016 para implementar a mudança. Araújo considera a medida positiva, mas insiste que é preciso focar também nas crianças mais novas.

Em dezembro, o ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que sua pasta estuda um projeto de ação interministerial para atender crianças de 0 a 3 anos, envolvendo áreas como as de saúde e de assistência social. A iniciativa, porém, ainda se encontra numa fase embrionária, segundo informações do ministério.

Num ano de eleições presidenciais, os candidatos deveriam prestar atenção ao tema, diz Araújo. A qualidade da educação, afinal, terá um peso decisivo para determinar a capacidade de crescimento do país no futuro.