No decorrer do evento Avanços e Perspectivas da Ciência na América Latina e Caribe 2009, realizado na sede da ABC, o físico e Acadêmico Carlos Alberto Aragão fez uma apresentação para divulgar a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (4ª CNCTI), que será realizada em Brasília, entre os dias 26 a 28 de maio. Até então, Aragão era o coordenador do evento. Agora que assumiu a presidência do CNPq, passou o encargo para o físico e membro da Diretoria da ABC, Luiz Davidovich.

Na apresentação realizada na ABC, Aragão explicou que a Conferência abordará quatro eixos: a expansão e consolidação do Sistema Nacional de CT&I, a promoção da inovação tecnológica nas empresas, pesquisa e desenvolvimento em áreas estratégicas e Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento social.

Retrospectiva das CNCTI

A 1ª CNCTI ocorreu em 1985, simultaneamente à criação do Ministério de Ciência e Tecnologia, com o nome Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. Sua importância deveu-se, basicamente, à restauração do debate sobre as políticas públicas para C&T, além de ter definido suas áreas estratégicas: a Química Fina, a Mecânica de Precisão, os novos materiais, a Biotecnologia e a Informática.

Em 1991, a letra I foi acrescentada à sigla CNCT: a questão da inovação ganhou relevância. O contexto de globalização, da competição internacional acirrada enfatizou a necessidade de se agregar valor aos produtos. Essa segunda conferência (2ª CNCTI) resultou na criação de um novo esquema de financiamento, baseado nos fundos setoriais, que permitiam acoplar setores da economia à ciência e à tecnologia. O conjunto de medidas e projeções foi reunido no Livro Branco, marco do avanço obtido.

A 3ª CNCTI ocorreu em 2005 e já contava com Aragão em sua secretaria. Nela, a Ciência, a Tecnologia e a Inovação continuaram sendo as “três graças”, nas palavras de Aragão. Seu objetivo era atrair investimentos para o desenvolvimento, gerar riqueza, distribuir a renda, definir as áreas de interesse nacional, as metas, as formas de organização, garantir presença internacional efetiva do Brasil e fazê-lo assumir liderança. Para convencer o ministro Sergio Rezende da importância da área, Aragão fez uso das metáforas de Davi – que venceu Golias pelo uso da funda, aproveitando-se da técnica, portanto – e do osso que transforma-se em nave espacial em 2001, uma odisséia no espaço, de Kubrick.

As metáforas surtiram efeito e a conferência culminou no Plano de Ações para a Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI), que o ministério Rezende apresentou para o quadriênio de 2007 a 2010. As discussões dessa conferência estão todas gravadas e documentadas, e podem ser acessadas via internet.

A 4ª CNCTI

Esse foi o caminho percorrido até se chegar a esta quarta conferência. Nela, continuará a ser discutida a política de Estado para a área, mas terá como novidade, inevitável, a inserção da sustentabilidade nos assuntos. “Há consciência de que o crescimento econômico em si não basta, que se deve respeitar o ambiente e que o Brasil tem responsabilidade diferenciada com a biodiversidade. A questão social também não deve ser negligenciada”, afirmou Aragão. Apesar da complexidade do desafio, o físico considera a tarefa exeqüível, por meio do avanço científico e tecnológico e dos recursos desenvolvidos.

Além das discussões, Aragão explicou que seminários temáticos já ocorreram em novembro e dezembro e que ainda haverá conferências regionais em março deste ano nas cidades de Belém, Cuiabá, Vitória e Porto Alegre.

Organização do evento

Para construir o evento, dividiram-se as responsabilidades entre a Comissão Organizadora, que busca o apoio de entidades, a Comissão Executiva e o Conselho Consultivo. Este último, por sua vez, foi repartido em subcomissões, tendo bastante relevância a Subcomissão de Programa, que agrupa 43 membros agrupados de acordo com os quatro eixos. Ainda há as Subcomissões para Sistematização e Documentação, para Comunicação e para Infraestrutura e Logística.

A Comissão Organizadora contou com o apoio de instituições como a Unesco, a Academia Brasileira de Ciências, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, a Embrapa, a UNE, o Sebrae, o Ministério de Ciência e Tecnologia, entre outros. A Comissão Executiva, por sua vez, é formada por 26 membros, entre eles, o Acadêmico Wanderley de Souza (Inmetro). O Conselho Consultivo inclui entre seus 13 membros o presidente da Natura, Pedro Passos, atestando a representatividade do setor empresarial na conferência.

Eixos e temas

Para o primeiro eixo, relativo à Consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, se organizará um grupo de discussão para elaborar programas. Nele, serão considerados os marcos legais. A busca de diálogo e entendimento com órgãos de controle será fundamental para planejar novas leis que dêem sustentação e incentivo. Segundo Aragão, “deve-se pensar como atrair financiamento para a infra-estrutura e os recursos humanos, fazer avaliação séria do processo e mobilizar, para além da classe científica, outros agentes sociais, notadamente os empresários, jornalistas e políticos”. Finalmente, a aproximação com a área de saúde poderá ser proveitosa para ambos os lados.

A Promoção da Inovação Tecnológica nas Empresas, o segundo eixo de discussão e ação, procurará conectores entre a academia e as empresas. No caminho da ciência aos negócios, será pensada a possibilidade de interação, apesar dos objetivos distintos e por vezes conflitantes. Acredita-se que é importante diversificar as oportunidades, já que o Brasil, se comparado a outros países, possui pouca inovação.

Mais de uma sessão será dedicada à discussão do terceiro eixo. De fato, a Pesquisa e Desenvolvimento em Áreas Estratégicas suscita considerável diversidade nos temas. Serão tratadas as questões das tecnologias de informação e comunicação; das biotecnologias; dos materiais avançados; das tecnologias nano e nuclear; das energias renováveis e esgotáveis; das mudanças climáticas; dos recursos hídricos e minerais; da biodiversidade; da dimensão regional; do espaço, defesa e segurança nacional; da saúde e alimentos; e dos sistemas urbanos sustentáveis.

Finalmente, o quarto eixo, o da Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social, buscará discutir de que forma se pode construir uma cultura científica e quais seriam seus atores primordiais. “A educação terá relevância central na discussão, assim como as tecnologias sociais e a extensão tecnológica. O objetivo último é fazer uso da ciência e da tecnologia como instrumento de democratização e cidadania”, destacou o Acadêmico.

Além dos eixos, foram sugeridas as questões da territorialidade do Brasil e sua organização federalista, das redes de ação e da governabilidade como temas de outras discussões. Outros temas serão debatidos em plenárias. São eles: a Inovação, a Sustentabilidade, o novo papel do Brasil no cenário internacional, a Educação e a Ciência.

Desafios

Apresentando uma lista de desafios para esta 4ª CNCTI, Aragão chamou atenção para o primeiro deles, que seria dar continuidade ao processo de ampliação e aperfeiçoamento nas ações em ciência, tecnologia e inovação tornando-as políticas de Estado e não apenas de governo. “Para isso, será necessário aumentar o número das instituições de pesquisa, melhorar o marco legal e agilizar os processos. É preciso estabelecer uma tradição científica, que não seja afetada pela troca de governo”, reforçou Aragão.

Um segundo desafio é expandir com qualidade e melhorar a distribuição geográfica da ciência. De fato, ela ainda é muito concentrada nas regiões Sul e Sudeste. Também se deve, em um terceiro momento melhorar a qualidade da ciência brasileira e contribuir de fato para o avanço da fronteira do conhecimento. Para Aragão, “é hora de o Brasil assumir posturas de liderança.”

É outra meta fazer com que C,T&I se tornem efetivos componentes do desenvolvimento sustentável, pelas atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) nas empresas e pelas incorporações de avanços nas políticas públicas.

É fundamental intensificar a divulgação de ações e iniciativas de C,T&I para o grande público. “Esse constitui um grande desafio, e passa
pela conquista da grande imprensa. Finalmente, o último objetivo é melhorar o ensino de ciência nas escolas e atrair mais jovens para as carreiras científicas”, encerrou Aragão.

O debate

Ao final da apresentação, abriu-se um ciclo de perguntas. A primeira questionava a percentagem do PIB direcionada à Educação e à Ciência. O questionador acredita que o Estado deveria considerar como meta atingir 3 a 4% do PIB para a Ciência e 6 a 7% para a Educação. Acrescentou que todos os países que obtiveram crescimento sustentável nas últimas décadas o fizeram graças à porcentagem aproximada de 7% para a Educação.

Carlos Aragão concordou plenamente, considerando, inclusive, que a meta de 3 a 4% para a Ciência era bastante otimista. A respeito da Educação, ele citou como imagem a capa da revista The Economist, em que aparece o Cristo Redentor decolando do Corcovado, sob o título de Brazil Takes Off. Ele brincou que o biocombustível é o que estaria permitindo-lhe o vôo, porém, em seguida, alertou que não basta decolar. A Educação seria a responsável por manter o Cristo voando, com uma tripulação de qualidade, tendo-se em vista os desafios do pré-sal. “Para isso é preciso que haja incentivos. A partir do momento em que os números aparecem, como os propostos pelo público, eles se tornam compromisso”, disse Aragão.

Outra pergunta levantada foi se haveria na conferência espaço dedicado à análise de países vizinhos. Aragão respondeu que pelo menos duas palestras plenárias tratariam do assunto. Mas ele acredita que deveriam ter sido criadas comissões e discussões internacionais e que é fundamental maior interação entre os países, principalmente na América Latina.

A 4ª CNCTI poderá ser acompanhada pelo Youtube, onde serão reproduzidas as sessões, e pelo Twitter.