Escolhido para membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) em 2007, o neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Stevens Rehen desenvolve uma linha de pesquisa que busca entender como a variação da quantidade de cromossomos pode afetar a formação de neurônios que compõem o cérebro humano.

A partir da análise de células tronco embrionárias, que podem ser convertidas em todos os tecidos do corpo, o estudo tem como meta identificar se, durante a diferenciação neural, as células do cérebro sofrem perda ou ganho de cromossomos. A pesquisa deseja comprovar que a alteração desse número pode, de fato, influenciar o comportamento dessas células.

Nascido em 1971, no Rio de Janeiro – RJ, Rehen foi o primeiro de quatro filhos de um bancário e uma dona de casa, que foi criado na Zona Norte da cidade, nos bairros de Andaraí, Tijuca e Vila Isabel. Ilustrando sua paixão e o interesse nato pela ciência, ele recorda que com cinco anos de idade tentou salvar filhotes de um peixe fêmea grávida que acabara de morrer em seu aquário: equipado com uma lâmina de barbear, improvisou uma cesárea. Na infância, entre os seus passatempos e brinquedos favoritos estavam um kit de Pequeno Químico, um bongô e os livros que ganhava do pai. “Lá em casa o clima sempre foi muito eclético. Tenho um irmão músico, um que trabalha na área contábil e outro que é empresário. A única imposição era para que a gente seguisse algo de que gostasse, a que nos dedicássemos com prazer e satisfação”, revela.

Apesar do interesse e da aptidão, Rehen desconhecia as possibilidades da área Biomédica e no vestibular se inscreveu em Medicina Veterinária. Por influência de um amigo, nas instituições sem essas opções, como era o caso da UFRJ e da Universidade de Campinas (Unicamp), escolheu as Ciências Biológicas. Entre os poucos veículos de divulgação científica que existiam na época, foi a revista Superinteressante que estimulou o professor a seguir a Biologia, além do pai de uma antiga namorada, que também o inspirou. “Roberto Alcântara Gomes foi o primeiro cientista que conheci pessoalmente, o que foi para mim uma enorme mudança de paradigma. Ele não correspondia ao estereótipo distorcido do que muita gente imagina ser um pesquisador”, avalia.

Rehen iniciou o curso na Unicamp, em São Paulo, mas, retornou para a cidade natal aproveitando a matrícula na UFRJ. Após concluir o mestrado e doutorado em Biofísica na mesma instituição, sob orientação de Rafael Linden, o professor foi para os Estados Unidos, onde cursou dois pós-doutorados em Neurociência na Universidade da Califórnia e no Instituto de Pesquisa Scripps. “Estudar no exterior é uma importante estratégia profissional, não só para melhorar a formação acadêmica e científica, quanto para ampliar a experiência de vida”, observa. Foi lá que ele iniciou a pesquisa que buscava comprovar que o número de cromossomos das células do cérebro é diferente do resto do corpo.

O pesquisador afirma que, ao contrário das células do sangue, nem sempre os neurônios têm 46 cromossomos – alguns têm 45 e outros 47, o que resulta em distintas formas de produzir proteínas e expressar os genes em cada célula do cérebro. “Os neurônios podem ser diferentes entre si em virtude da quantidade específica de cromossomos que possuem. Esse número é intrínseco e ninguém consegue copiar”, ressalta. Ele acredita que essa descoberta poderia explicar a diversidade de comportamentos humanos, mesmo no caso de gêmeos idênticos ou de possíveis clones, além de algumas doenças neurológicas. “A variedade de cromossomos dos neurônios é como uma impressão digital, onde a sua quantidade e distribuição independe da herança genética: é única e individual”.

De volta ao Brasil, o neurocientista começou a testar a possibilidade de induzir a formação de neurônios a partir de células tronco embrionárias e neurais, para ver se durante este processo ocorre instabilidade de cromossomos. “Até agora, observamos que quando a célula é diferenciada em neurônio ela perde um repertório de cromossomos que não ocorre em outros procedimentos”, informa. Rehen faz questão de destacar que é muito difícil prever a aplicação desse estudo, mas, sugere que esta análise poderá auxiliar na compreensão de doenças como esquizofrenia e autismo. A primeira enfermidade é, na opinião do pesquisador, altamente complexa e misteriosa e pode ser causada por uma determinada distribuição de cromossomos. “É só uma hipótese. Toda terapia e qualquer medicamento surge da pesquisa básica. Primeiro é preciso entender para depois tentar aplicar”, enfatiza o professor.


Imagens do laboratório de pesquisa do Prof. Stevens Rehen, UFRJ

Por três anos, a partir de 2005, Rehen foi presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC). Em parceria com a Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), a SBNeC promoveu diversas discussões sobre o excesso de burocracia para a importação de insumos voltados para a pesquisa científica que, segundo o pesquisador, acompanha o país há muito tempo. Enviadas para o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), as propostas contribuíram para a discussão de estratégias que pretendem agilizar e facilitar o processo. “Apesar do esforço do Ministério da Saúde e do MCT para minimizar esses entraves, a impressão da comunidade científica é de que este processo ainda é muito lento. Têm equipamentos que demoram de seis meses a um ano para chegar”, lamenta Rehen, que considera o problema um dos maiores obstáculos para o avanço científico do Brasil.

Na SBNec, o professor incentivou a divulgação da ciência ao público leigo, através da promoção de cursos voltados para área na cidade do Rio de Janeiro (RJ) e em Santos (SP). Com o intuito de homenagear pesquisadores pioneiros, a instituição criou a Medalha Neurociência Brasil que, entre 2006 e 2008, premiou os Acadêmicos Iván Antonio Izquierdo, que é diretor da ABC, além de professor e coordenador do Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS); Carlos Eduardo Rocha Miranda, que foi vice-presidente da Academia e é coordenador do programa de Inclusão social de pessoas com déficit de funcionalidade da instituição; e Frederico Guilherme Graeff, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).

Atualmente, Rehen dedica a maior parte do tempo à atividade de pesquisa na UFRJ e à orientação dos alunos no laboratório, o que inclui a busca por financiamentos e a redação de artigos científicos para divulgar os resultados dos estudos. Ele afirma que, por necessidade e prazer, procura destinar os finais de semana para ficar com a filha, Alice, de apenas um ano. Voltar a praticar esportes, como andar de skate na Lagoa, e a tocar em uma banda de reggae, como a antiga Mula Rouca da qual fazia parte, são alguns dos planos do neurocientista. Para ele, os momentos lúdicos são essenciais para ampliar a criatividade e enriquecer as pesquisas. “Há diversos trabalhos científicos que confirmam a importância da atividade física para se ter uma boa memória”, argumenta. “Não basta só estudar, é preciso investir em uma vida saudável para garantir a capacidade intelectual”.

Ter acesso a laboratórios de ponta e contato com profissionais de qualidade é uma das sugestões do professor para estudantes que estão no início de carreira. “Um bom pesquisador tem que gostar de ler e, acima de tudo, ser curioso”, acrescenta. Na opinião de Rehen, investir tanto na licenciatura, que capacita o aluno à atividade de docente, quanto no bacharelado, que dá ênfase à pesquisa, é uma interessante alternativa para quem quer ter uma formação mais completa. De acordo com ele, possuir uma experiência didático-pedagógica desenvolvida é um fator importante, uma vez que a maior parte das possibilidades de emprego está atrelada às salas de aula.

Para o pesquisador, que também é professor afiliado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ensinar é mais do que um ofício: é uma terapia. “Eu relaxo e bato papos interessantes com os alunos”, acentua. A profissão para ele não se resume em transmitir conhecimento – é uma oportunidade de interagir com os estudantes e aprender. “Não gosto de estar em uma turma passiva, que só copia e repete o que falei”, reforça. Além destas atividades, Rehen atua como consultor do National Human Neural Stem Cell Resource, um banco público de células tronco da Califórnia, nos EUA, onde o material é produzido e distribuído. O papel do neurocientista é compartilhar as descobertas das pesquisas com o consórcio de forma a estimular e acelerar os estudos da área. Em breve, Rehen irá coordenar o Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias (LaNCE) vinculado ao Ministério da Saúde e localizado no hospital universitário da UFRJ. A instituição tem como objetivo produzir e distribuir o material para pesquisadores brasileiros interessados em estudar o assunto.

Honrado por ter sido eleito membro afiliado da ABC, o professor assegura que a nomeação servirá como um grande incentivo para o desenvolvimento da carreira. “A Academia tem um papel crucial para o progresso da pesquisa brasileira”, aponta Rehen, que acredita que o estímulo às mais diferentes áreas da ciência pode inovar a vida e revolucionar o conhecimento.