O Papel das Ciências Básicas
- As ciências básicas exploram e avançam as fronteiras do conhecimento científico. Em virtude da sua função inerente, as ciências básicas buscam trazer novos conhecimentos sobre os fenômenos naturais, a matemática e as humanidades, aprofundando sua compreensão. Elas também dão origem a descobertas que oferecem novas oportunidades e métodos para o estudo da natureza e da sociedade, bem como propiciam o uso prático de descobertas científicas. Tudo isso, por sua vez leva ao enriquecimento educacional, cultural e intelectual da humanidade, e fornece a base científica para a atividade humana.
- O avanço nas ciências básicas subjaz avanços tecnológicos e oferece oportunidades únicas para satisfazer as necessidades humanas essenciais, produzem benefícios econômicos, e promovem o desenvolvimento sustentável de base científica.
- A base científica tem sido sempre um pilar da competitividade nacional e uma fonte essencial de conhecimentos para lidar com grandes desafios.
- Hoje em dia, as ciências básicas estão na raiz dos progressos realizados na medicina, tecnologias de informação e comunicação, tecnologias espaciais, bio- e nanotecnologias, lasers e ciências dos materiais, bem como na indústria e na agricultura ambientalmente corretas, para citar apenas algumas das muitas áreas em que os frutos da ciência são apropriados pela sociedade.
- As ciências básicas também formam a pedra angular da educação que fornece o conhecimento científico e tecnológico e as competências necessárias a todos os cidadãos, a fim de participar de forma significativa na sociedade do conhecimento emergente.
A Sinalização das Fronteiras do Conhecimento
- Que Ciência Básica queremos e precisamos para o Brasil, hoje e no futuro? Quais são nossas prioridades?
- Nas áreas básicas da Física, Matemática, Química, Ciências da Vida e da Saúde, Engenharias, Ciências da Terra, Astronomia, Humanidades?
- Como tratar os grandes desafios interdisciplinares, como água, energia, cidades, sustentabilidade, mudanças climáticas, saúde, envelhecimento, educação, informação e comunicação, entre outras?
- Ciência Básica e Inovação são incongruentes?
- É possível fazer Ciência Básica de qualidade trabalhando em temas de relevância aplicada tanto econômica quanto social?
- Como promover o avanço das Ciências Básicas no Brasil, explorando as fronteiras das ciências naturais e da alta tecnologia, para o benefício do Brasil e do mundo?
O Caminho para que o Brasil Assuma Maior Protagonismo Internacional na Ciência
- Embora a capacidade nacional adequada nas ciências básicas constitua um pré-requisito importante para o aproveitamento da ciência no serviço à sociedade, há uma falta de apoio para as ciências básicas em muitos países, inclusive nos desenvolvidos. No entanto, uma estratégia de investimento exclusivamente em favor da investigação aplicada, que busca retornos imediatos a curto prazo, tem um efeito adverso a longo prazo sobre ciência e desenvolvimento nacional, e exige medidas corretivas imediatas.
- Como os sistemas de avaliação da ciência brasileira e seus critérios afetam a qualidade e o foco da Ciência Básica no Brasil?
- Como avançar na interdisciplinaridade no contexto nacional de Universidades departamentalizadas e com o conhecimento compartimentalizado em forma disciplinar, inclusive nas agencias de fomento?
- Como tratar a diversidade regional do Brasil no planejamento, promoção e avaliação da Ciência Básica?
- Como alcançar a compreensão e o apoio da sociedade brasileira sobre a importância da ciência básica como fundamental para sustentar uma pesquisa aplicada inovadora, voltada para a solução dos problemas e dos desafios da sociedade em curto prazo. ?
- Como sustentar, como política de Estado, o notável avanço da ciência brasileira, sobretudo a ciência básica, acelerando vigorosamente, em qualidade e quantidade, a produção científica e a formação de pesquisadores, estabelecendo prioridade para as áreas mais estratégicas e/ou carentes no País?
- Que investimentos devem ser feitos na promoção da Ciência Básica no Brasil?
- Que consequências se esperam destes investimentos a médio e longo prazos?
- Como melhorar a articulação e fluxo mútuo de informação envolvendo de um lado o conhecimento acumulado em ciência básica e, de outro, as demandas por aplicações e inovação nas áreas tecnológicas, sociais e de políticas públicas?
Coordenadores
Belita Koiller
Glaucius Oliva
Participantes
André Báfica
Débora Foguel
Félix Soares
José Reinaldo Lopes
Livio Amaral
Marília Goulart
ANEXO I – Das bactérias fixadoras de nitrogênio ao sucesso do agronegócio brasileiro.
Para Johanna Döbereiner, nascida na antiga Tchecoslováquia, em 1924, e naturalizada brasileira em 1956, as questões básicas sempre se referiram à fixação biológica do nitrogênio (FBN) e às bactérias capazes de realizar esse processo, por meio da captação do nitrogênio presente no ar e transformação em um elemento assimilável pelas plantas. Em 1958, em parceria com Roberto Alvahydo e Alaídes P. Ruschel, no então Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola do Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas – o precursor da Embrapa Agrobiologia, ela publicou na Revista Brasileira de Biologia, um trabalho pioneiro sobre a fixação do nitrogênio em cana-de-açúcar, realizado por uma nova espécie de bactéria que isolou, a Beijerinckia fluminensis. A FBN possibilita a substituição de adubos químicos nitrogenados, oferecendo, assim, vantagens econômicas, sociais e ambientais para o produtor, para o consumidor e para o meio ambiente. Como resultado prático de sua atuação, o Brasil economizou uma fortuna que pode somar dezenas de bilhões de dólares, ao deixar de consumir milhões de toneladas de adubos nitrogenados nas últimas décadas, principalmente no cultivo da soja. As perguntas que nortearam sua pesquisa: “Por que as pastagens nativas, abundantes em várias regiões do país, permaneciam sempre verdes, sem que ninguém nunca as adubasse com fertilizantes nitrogenados? Como foi possível, da mesma forma, cultivar a cana-de-açúcar no Brasil sem adubação no decorrer de vários séculos?” Suas respostas: a descoberta das bactérias fixadoras de nitrogênio em gramíneas, como o milho e a cana-de-açúcar. Sua contribuição transformou o Brasil no segundo maior produtor mundial de soja, atrás apenas dos Estados Unidos. Johanna recebeu inúmeros prêmios e distinções, e uma delas, informal, merece ser mencionada. Foi prestada por Norman Borlaug, prêmio Nobel da Paz, chamado de “pai da revolução verde, que, em visita a Johanna, lhe disse: “O que você faz aqui é muito melhor que aquilo que fiz”. Johanna ampliou, ao lado de colaboradores, um campo de pesquisa fundamental para colocar a agricultura na harmonia possível com a natureza. Em 2001, cientistas mexicanos e alemães deram seu nome a duas novas espécies de bactérias fixadoras de nitrogênio, a Cluconacetobacter johannae sp. e Azospirillum doebereinerae sp. Finalmente, para preservar-lhe a memória e também dar apoio à continuidade de seu trabalho, Jürgen Döbereiner e um grupo de pesquisadores fundaram a Sociedade de Pesquisa Johanna Döbereiner, em 2002.
Fonte: adaptado de https://www.embrapa.br/johanna-dobereiner, acessado em 06/03/2017.
ANEXO II – Dos estudos básicos em cinética enzimática e química de proteínas à criação da primeira empresa capaz de fabricar enzimas e insulina no Brasil – a Biobrás (1976).
Professor emérito do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e um dos mais importantes pesquisadores da área de biotecnologia do país, Marcos Luiz dos Mares Guia (falecido em 23/08/2002), foi um dos responsáveis pela descoberta da insulina humana recombinante e pela fundação da Biobrás, empresa pioneira na fabricação de insulina no Brasil. Com o auxílio do BNDES, Mares Guia e Carlos Ribeiro Diniz montaram, na UFMG, um laboratório com a mais avançada tecnologia da época e que, com o apoio dos alunos da Escola de Engenharia, serviu de base para a criação da primeira empresa capaz de fabricar enzimas no Brasil – a Biobrás (1975), posteriormente insulina (1979), formulada (injetável) e altamente purificada, para uso imediato (1983), concluindo o desenvolvimento tecnológico da insulina humana recombinante (anos 90), com primeira patente obtida em 2000. A Biobrás foi vendida posteriormente para a Novo Nordisk (2002), com consequências dramáticas, para o sistema de saúde brasileiro. “Comprada a Biobrás, a Novo Nordisk fez o que se esperava. Elevou rapidamente seus preços de fornecimento ao MS e passou a combinar importação e produção local, dependendo de suas vantagens em função dos compromissos internacionais até a paralisação total da produção local”, diz Hayne Felipe da Silva, atual diretor da Farmanguinhos. A fábrica de insulina da Biomm Technology tem como perspectiva resgatar a produção de insulina no Brasil e entrará em operação no ano de 2017.
A insulina é um hormônio produzido pelas células beta do pâncreas. Sua ausência ou deficiência no organismo, quando não tratada, manifesta-se sob a forma de diabetes. Para suprir essa falta, o medicamento essencial para tratar a doença é a insulina artificial, que pode ser produzida industrialmente a partir do pâncreas suíno ou de microorganismos modificados geneticamente, como é o caso da Escherichia coli.
Um novo método para produzir insulina artificial que utiliza tecnologia de DNA recombinante foi desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Biologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB) em parceria com a empresa Bioquímica do Brasil (Biobrás). A BIOHULIN é uma insulina humana altamente purificada com um grau de pureza equivalente a menos de 1 ppm (partes por milhão) de pró-insulina. Patenteada em 2000 nos Estados Unidos sob número US6068993 (no Brasil a lei vetava a patenteabilidade de produtos fármacos ou químicos), a nova técnica consiste em introduzir na bactéria o gene da pró-insulina humana, precursor da insulina ativa, de forma que esta passe a produzir o hormônio em grandes quantidades. Segundo Beatriz Lima, bióloga e professora da UnB, envolvida na pesquisa, esse gene foi ’montado’ a partir da informação da seqüência de aminoácidos da pró-insulina. “A bactéria agora é capaz de produzir o hormônio humano”, explica Lima. A etapa seguinte do processo é a produção da insulina em escala industrial, em que o precursor é fermentado, processado e purificado para a obtenção da insulina recombinante ativa. “Após esse processo, ele se transforma em insulina humana por meio de reações enzimáticas”, explica Luciano Vilela, pesquisador da Biobrás. “Nesse estágio, usamos técnicas cromatográficas para purificarmos novamente o hormônio.” Ao final dessas etapas, o produto está adequado para o consumo e sem alterações sensíveis para o usuário.
Em homenagem ao grande cientista, a FAPEMIG instituiu o Prêmio de Pesquisa Básica “Marcos Luiz dos Mares Guia”, destinado às instituições e empresas do estado de Minas Gerais, que se destacaram na condução de pesquisas que contribuíram, de forma significativa, para o avanço da ciência e que apresentem potencial para subsidiar o desenvolvimento tecnológico em Minas Gerais. ”
Fonte: adaptado de http://www.fapemig.br/pt-br/arquivos/site/sala-de-imprensa/mares-guia/mares-guia.pdf; https://www.redetec.org.br/, acessado em 06/03/2017. (http://www.biomm.com/Sobre/Historia#timeline, acessado em 25/07/2017).
ANEXO III – Dos estudos básicos em polímeros naturais e sintéticos e novos materiais a inovações brasileiras e contribuições tecnológicas mundiais.
Texto de Fernando Gallembeck
Relato cinco casos que mostram como a formação e desenvolvimento de um grupo de pesquisa fundamental contribuiu para a inovação. Dois casos são de produtos que nasceram no meu laboratório e atingiram o mercado. Dois outros casos são de produtos de cujo processo de criação e desenvolvimento pude participar, graças ao conhecimento e capacitação adquiridos em trabalhos de pesquisa fundamental. O quinto caso caso é o de formação, através de um projeto de pesquisa fundamental, de um profissional que tem tido papel destacado em inovação. Acho que é muito importante explorar as diferentes maneiras pelas quais a pesquisa básica contribui.
1) em 1986, meu grupo na Unicamp havia adquirido uma certa reputação na área de polímeros. Iniciei então um trabalho em colaboração com a Pirelli Cabos, de Santo André, que durou até 1992, atuando também como consultor. O resultado mais importante foi o desenvolvimento de isolamentos de alta tensão para cabos que a Pirelli forneceu ao Eurotúnel, depois de uma concorrência internacional.
2) desde os anos 90 meu grupo trabalhou com látexes de polímeros, especialmente com o látex de borracha natural. Descobrimos novas rotas de preparação de nanocompósitos que geraram novos produtos. Isso foi descrito na revista Science Impact publicada pelo Institute of Physics inglês em 2014, como segue: “Galembeck and his student Márcia Rippel discovered …natural rubber …incorporate nanoparticles …create a new substance …improved thermal and mechanical properties…The polymer nanocomposite has since been commercialized by a Brazilian company called Orbys… rubber cylinders used in various industrial processes. “It took two and a half years to make the process industrially viable,” says Eduardo Figueiredo, the company’s owner. “The benefits valued by our clients include a significant reduction in hysteresis, an improvement in chemical resistance and better surface finishing of the cylinders.”
3) motivado pelo papel de fosfatos em solos, iniciei nos anos 80 um trabalho sobre fosfatos de ferro, que depois estendi para fosfato de alumínio. Hoje, a empresa Amorphic Solutions, do grupo Bunge, explora uma ampla plataforma baseada em nanopartículas de fosfato de alumínio amorfo, com produtos desenhados para várias aplicações. A página da empresa é http://www.amorphicsolutions.com/. A página informa que “Bunge has filed over 130 patent applications worldwide covering its innovations in aluminum phosphate technology.” Boa parte delas foi depositada com a participação da Unicamp. Só no USPTO, a combinação das palavras-chaves “Galembeck” e “aluminum phosphate” revela 12 “applications” e 6 patentes concedidas.
4) a atuação do meu grupo na área de colóides e superfícies levou a Oxiteno, uma das maiores petroquímicas brasileiras, a me contratar como consultor, sendo que também participei do Conselho Científico da empresa, como único brasileiro.
5) meu ex-aluno de doutorado, Marcelo Gandur, trabalha na 3M. Sua tese abordou o fenômeno de despelamento de fitas adesivas, que ele demonstrou ser caótico-determinístico. Seus resultados foram publicados e apresentados em congresso. Depois da tese, ele tratou de alguns problemas relacionados ao despelamento, depositando pouco tempo depois duas patentes que a empresa utilizou em produtos que atenderam demandas do mercado, de fitas adesivas especiais. A 3M é uma empresa inovadora, que já foi premiada pela CNI como líder de inovação no Brasil.
ANEXO IV – Da pesquisa básica em nano-estruturas de carbono a aplicações tecnológicas industriais.
Texto de Marcos Pimenta
Um nanotubo de carbono corresponde a uma folha de átomos de carbono (grafeno) enrolada na forma de um cilindro, com diâmetro da ordem de 1 nm. Meu primeiro contato com estes materiais se deu em 1997, quando passei um ano sabático no grupo da Profa. Mildred Dresselhaus. Neste período, investiguei uma amostra produzida pelo Professor R. Smalley, ganhador de um prêmio Nobel de Química em 1996, usando a espectroscopia Raman. Mostramos que esta técnica óptica poderia ser usada para distinguir, de forma não destrutiva, os nanotubos metálicos e semicondutores. De volta ao Brasil em 1998, meu objetivo foi montar uma infra-estrutura na UFMG para investigar as propriedades eletrônicas e ópticas desses materiais. O Prof. Luiz O. Ladeira, que já sintetizava carbono amorfo na UFMG, adaptou sua montagem e conseguiu produzir nanotubos de carbono, em 2000. Na época percebemos que, para o sucesso das pesquisas na UFMG, teríamos de trabalhar na formação de recursos humanos e na inclusão de químicos nas atividades de pesquisa, já que esta é uma área na fronteira da física e química, com desdobramentos em outras áreas do conhecimento. Com os projetos Instituto do Milênio em Nanociências (2002-2004), Rede Nacional de Pesquisas em Nanotubos (2005-2008) e o Instituto Nacional de Pesquisa em Nanomateriais de Carbono (INCT-Nanocarbono), com coordenação na UFMG, conseguimos montar uma rede nacional destinada a formar recursos humanos na área, fomentar missões de colaboração entre os diferentes grupos no Brasil, adquirir equipamentos de uso comum para produzir amostras, caracterizá-las, e apoiar projetos destinados a aplicações tecnológicas desses materiais. O passo seguinte foi a criação de um Centro de Tecnologia em Nanotubos (CT-Nano) que visa o desenvolvimento tecnológico de produtos, processos e outros, a partir dessa classe de nanomateriais de carbono, de destacada importância estratégica para a competitividade de múltiplas indústrias.
A figura abaixo ilustra a estrutura do CT-Nano. A primeira frente do centro se dedica à produção em escala pré-industrial deste tipo de insumo. Vale ressaltar que os países do primeiro mundo já estão impondo barreiras para a venda de nanotubos para empresas e instituições brasileiras, em função do alto valor estratégico destes materiais. Os outros dois produtos do Centro são nanocompósitos formados por nanotubos incorporados em matrizes poliméricas – epóxi e poliuretana – e em concreto. Além disso, novos produtos e processos são desenvolvidos sob demanda do mercado, atendendo a diferentes setores industriais nacionais por meio da pesquisa contínua de novas aplicações. Nessa frente de atuação, o CTNanotubos tem estabelecido uma sistemática de captação e recebimento de propostas de novos desenvolvimentos em todos os campos relativos a nanotubos de carbono. Serviços relativos à segurança, meio ambiente e saúde (SMS) na manipulação de nanotubos serão também desenvolvidos para uso interno, além de serem prestados a empresas e órgãos de regulamentação.
A missão do CTNano é servir como uma plataforma para a contínua geração de sociedades empresárias, a partir da transferência de tecnologia. Dessa forma, spin-offs vinculados ao CT poderão comercializar, em larga escala, os produtos resultantes das tecnologias desenvolvidas em escala-piloto. Royalties pagos por essas empresas e receitas advindas dos serviços prestados são exemplos de fontes de renda vislumbradas para a auto-sustentabilidade do Centro. Este projeto conta com a participação das empresas Petrobrás e InterCement (do grupo Camargo Correa) e está sendo no momento apreciado pelo BNDES, que aponta no sentido de financiar este centro em parceria com as duas empresas descritas acima. Com a criação do CT-Nanotubos, estamos fazendo com que todo o progresso alcançado ao longo dos últimos 20 anos, se transforme em tecnologias e processos que venham a ter impacto no progresso econômico e social do Brasil.
ANEXO V – Da ciência básica em Produtos Naturais (Cordia verbenacea), em estabelecimento dos mecanismos de ação na dor e inflamação ao lançamento do primeiro fitoterápico brasileiro: o Acheflan.
Texto de João Batista Calixto
Em 1998, os donos do Laboratório Aché tomaram a decisão de não comercializar medicamentos genéricos e decidiram apoiar, com recursos próprios, o desenvolvimento de medicamentos a partir da biodiversidade brasileira. Para isso, formou-se um grupo de pesquisadores para ajudar a desenvolver o projeto, entre os quais eu me incluía. A primeira tarefa foi selecionar 10 plantas brasileiras com reputada tradição de uso medicinal pela população. Uma delas, a Cordia verbenacea (erva baleeira) foi indicada por um dos donos do Laboratório Aché, Victor Siaulys, que fazia uso da infusão das suas folhas para tratar inflamação. Outra razão para a escolha desta planta é que o Laboratório Aché já havia investido recursos e alguns anos de pesquisa em parceria com pesquisadores da USP, na tentativa de desenvolver um medicamento para uso humano. Tentamos seguir o trabalho já desenvolvido por esses pesquisadores e os resultados foram desanimadores. Decidiu-se então mudar o projeto e procurar pelo óleo essencial presente em suas folhas. A partir do óleo essencial da erva baleira foram identificados vários compostos, mas dois sesquiterpenos que são isômeros, o alfa-humuleno e o beta cariofileno, chamaram a atenção pelas suas ações anti-inflamatórias e analgésicas quando usados topicamente. Foram realizados estudos pré-clínicos completos de segurança (toxicologia) e de eficácia com o óleo essencial padronizado em 0,5% em alfa-humuleno que se mostrou seguro e bastante eficaz no tratamento da inflamação e dor. Os estudos clínicos (fase I, II e III) foram realizados em vários centros de pesquisa em São Paulo e o Acheflan foi registrado pela ANVISA em 2005. Desde o seu lançamento, o produto, que é de prescrição médica, foi o mais prescrito entre a categoria de anti-inflamatório tópico, com vendas crescentes em todo o pais. Dois anos e meio após o seu lançamento, as vendas do produto Acheflan conseguiram repor ao Aché todos os investimentos gastos no desenvolvimento do projeto (cerca de 7,5 milhões de dólares), o que sem dúvida pode ser considerado um caso de sucesso de inovação dentro da empresa farmacêutica. Infelizmente, o Acheflan é atualmente o único medicamento desenvolvido a partir de uma planta brasileira entre os 20 produtos mais vendidos no Brasil desta classe de medicamentos, com vendas em 2014 de cerca de 11 milhões de dólares. Além do Acheflan, este projeto permitiu rejuvenescer um outro produto já comercializado no Brasil a partir das folhas da planta Passiflora incarnata (planta europeia) resultando no desenvolvimento do produto Syntpcalmy, registrado pela ANVISA em 2010, para tratar insônia e ansiedade. Pelo menos mais dois produtos oriundos desta iniciativa com o laboratório Aché ainda continuam em teses clínicos e que poderão se tornar medicamentos no futuro, caso os resultados dos estudos clínicos forem promissores.
ANEXO VI – Da pesquisa básica em catálise heterogênea ao vigor da Petrobrás.
Texto de Eduardo Falabella Sousa-Aguiar
Pós a guerra das Malvinas, em 1982, ficou clara a importância estratégica dos catalisadores de craqueamento e do seu principal componente, as zeólitas faujasitas (ou zeólitas Y). Zeólitas são aluminossilicatos cristalinos que apresentam propriedades únicas como catalisadores e adsorventes, na medida em que são peneiras moleculares extremamente ácidas. São o componente principal dos catalisadores de craqueamento, os quais, por sua vez, são materiais estratégicos para qualquer país, posto que determinam a produção de combustíveis primordiais, tais como o diesel e a gasolina. A Petrobras decidiu instalar uma fábrica de catalisadores de craqueamento no Brasil. Após várias negociações, optou por estabelecer uma joint-venture com a empresa holandesa AKZO. Enviou uma equipe ao Centro de Pesquisas da AKZO, no início dos anos 80, com o objetivo de promover a transferência de tecnologia da planta holandesa para a planta brasileira. A transferência de tecnologia foi um sucesso. A Fábrica Carioca de Catalisadores, FCC (assim se chamou a nova planta, num interessante jogo de palavras com o processo FCC, fluid catalytic cracking, que utilizaria os catalisadores lá preparados) partiu em 1985 e representa um dos maiores exemplos de sucesso de uma planta química no Brasil. A fábrica persiste produzindo e exportando catalisadores para a América Latina e o Caribe. Vale ressaltar que a tecnologia original, obsoleta, foi totalmente reformulada pelos pesquisadores do CENPES/Petrobras. Entre os importantes resultados desenvolvidos no CENPES, destaca-se a nova rota de síntese de zeólitas Y, a qual diminuía sobremaneira o tempo de cristalização, representando um enorme ganho de capacidade. Também se desenvolveu uma rota alternativa de modificação de zeólitas, a qual gerou um produto (zeólita Y hierárquica desaluminizada e fosfatada) capaz de melhorar a seletividade dos catalisadores nas refinarias, com grande vantagem econômica. Vale ressaltar que a colaboração com as universidades foi primordial. Pesquisadores como Eduardo Falabella conseguiram persuadir a alta gerência da Petrobras da importância em colaborar com as universidades. Passou-se então a orientar teses de mestrado e doutorado nas instalações da Petrobras, usando das facilidades do seu centro de pesquisas. A produção científica em zeólitas, que, naquela época, era praticamente nula, deu um enorme salto. O papel do programa de desenvolvimento de zeólitas introduzido pela Petrobras foi fundamental para a instalação de uma importante área de conhecimento da Química, até então praticamente inexistente no Brasil. Merece destaque, outrossim, o fundamental papel desempenhado pelos pesquisadores do CENPES, num dos raros casos de sucesso no Brasil, em que uma rota desenvolvida no laboratório foi levada à escala industrial, passando pela etapa intermediária de planta piloto. Para tal, foram montadas grandes facilidades no CENPES. Além de novos laboratórios de caracterização, com técnicas inovadoras à época tais como MAS-NMR, FTIR, Raman, XPS e MAT, foi construída uma planta piloto com cristalizadores, spray-drier e filtros em grande escala, permitindo o processo de scale-up das novas rotas desenvolvidas.
ANEXO VII – Da oficina do coração-pulmão artificial ao primeiro transplante de coração da América Latina e criação de empresas brasileiras de produtos para cirurgia cardíaca.
O Professor Euryclides de Jesus Zerbini (E. J. Zerbini), é indubitavelmente uma das grandes figuras da medicina brasileira. Zerbini foi um médico cardiologista brasileiro, sendo o quinto do mundo, e o primeiro da América Latina, a realizar um transplante de coração. No início dos anos 50, Zerbini iniciou uma das maiores experiências do mundo no tratamento da estenose mitral. O primeiro, em que se tratavam as doenças “em torno do coração” e, o segundo, em que os defeitos eram corrigidos a céu aberto, sob visão direta dos defeitos. A criação de uma unidade para fabricar produtos para cirurgia cardíaca, em lugar de adquirir esses produtos nos Estados Unidos, deu origem à constituição da Divisão de Bioengenharia do InCor. Estabeleceu uma filosofia criadora e de empreendedorismo nos profissionais que a frequentaram. Foi uma iniciativa que teve desdobramentos de enorme importância. Representou o modelo para a criação de unidades congêneres em outras instituições de vanguarda, como a do Instituto de Cardiologia do Estado de São Paulo, posteriormente, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Outro desdobramento foi a produção nacional de toda a gama de equipamentos para Cirurgia Cardíaca a custo compatível com a realidade brasileira. Entre eles, sob a batuta do Prof. Adib Jatene, para uso do Instituto e de outros, a prótese metálica de bola modelo Starr-Edwards, que permitiu a cirurgia de substituição das válvulas cardíacas em larga escala. Inovou ainda com a prótese de dura-máter humana, conservada em glicerina, que teve repercussão mundial, montada e utilizada em todos os serviços de cirurgia cardíaca do Brasil. Esse foi, sem dúvida, o passo inicial para a produção de próteses biológicas, como as de pericárdio bovino e de valva aórtica suína, fabricadas pioneiramente por empresas brasileiras. Ainda desenvolveu um marcapasso cardíaco nos anos 70, permitindo o implante em pacientes pobres, que naqueles tempos dependiam somente da caridade para serem tratados do Coração. Do seu pioneirismo e visão de futuro, criaram-se empresas de material para cirurgia cardíaca. O número dessas empresas no país é apreciável. Suprem o mercado brasileiro, exportam e desempenham papel fundamental no desenvolvimento de novos produtos, transformando o Brasil de importador de tecnologia em exportador da mesma. Hoje, empresas brasileiras ou multinacionais que empregam brasileiros, abastecem todo o mercado internacional, levando longe o nome do Brasil. A criação da Unidade de Bioengenharia foi, assim, a semente das importantes e vitoriosas empresas brasileiras de produtos para cirurgia cardíaca.
Fonte: adaptado de Stolf NAG & Braile DM – Euryclides de Jesus Zerbini: uma biografia Rev Bras Cir Cardiovasc 2012;27(1):137-47