“Fazer parte da ABC era um sonho, um reconhecimento que jamais imaginei que pudesse receber ainda em início de carreira”, declarou Markus Berger Oliveira, um dos novos membros afiliados da ABC. Nascido em 1981, em Porto Alegre, capital gaúcha, Markus sempre foi um grande apaixonado por ciência, tendo passado sua adolescência na companhia das revistas Superinteressante, Ciência Hoje e Scientific American.

Em função de transferências profissionais do pai, que era contador, a família passou por diversas cidades: morou em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, depois em Chapecó, no estado de Santa Catarina, e retornou ao estado natal, para a cidade de Santa Cruz do Sul. Quando Markus tinha 13 anos retornou à cidade natal, onde permaneceu e iniciou sua carreira.

Embora a mãe fosse professora de língua portuguesa, a profissão do pai, envolvendo números, gerou mais afinidade nos filhos – pelo menos no mais novo, que escolheu matemática na graduação, mas depois trocou para engenharia elétrica. Markus era cinco anos mais velho e tinha muito interesse em ciência, mas tendia mais para a biologia e a área da saúde. Ele atribui esse entusiasmo à convivência na infância com sua madrinha, bióloga que trabalhava com herpetologia, que é o ramo da biologia dedicado ao estudo de répteis e anfíbios. Mais adiante, desenvolveu interesse pela história da bioquímica e da farmacologia no Brasil, incluindo em sua lista de influências alguns nomes clássicos, como os dos membros titulares da ABC Maurício Rocha e Silva e Sérgio Ferreira, que construíram essas áreas no país.

Sua escolha de carreira foi iniciada, de fato, ainda no ensino médio, quando Markus ingressou no curso de química da então Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na época, a UFRGS oferecia um curso híbrido de ensino médio regular e técnico profissionalizante. Como os cursos funcionavam dentro dos prédios da universidade, isso lhe proporcionou desde cedo contato com um ambiente muito rico, de amplo acesso a laboratórios e a professores muito qualificados. “Foi na Escola Técnica da UFRGS que tive meu primeiro contato com os livros clássicos de bioquímica – e ali já sabia que meu caminho profissional deveria incluir bioquímica de alguma forma”, comentou Berger.

Quando ingressou na graduação em farmácia, em 2003, Berger já sabia que queria fazer pesquisa e trabalhar com bioquímica. Durante os últimos anos de seu curso técnico, em 2000, ele buscou oportunidades de estágio na área, tendo ingressado no Laboratório de Bioquímica Farmacológica, chefiado pelo Acadêmico Jorge Almeida Guimarães. “O professor Jorge havia se mudado há pouco tempo da UFRJ para a UFRGS e, desde o início, passou a ter contato com as pesquisas relacionadas à linha clássica do seu laboratório na área de hemostasia e venenos de animais peçonhentos”, recorda Berger, que permaneceu no mesmo laboratório até a conclusão de sua pós-graduação. Ao orientador, o cientista demonstra profunda gratidão: “Durante todo o período tive o privilégio de contar

com o apoio e mentoria do professor Jorge Guimarães, que sempre passou para seus alunos a importância do rigor no método científico, do trabalho persistente e incansável e a importância fundamental da escolha das perguntas certas.”

Berger se graduou em 2007, já tendo concluído os experimentos que levaram ao isolamento e caracterização bioquímica do primeiro ativador de protrombina (proteína que, em sua forma ativa, atua em conjunto com as plaquetas para formar uma camada que impede o sangramento), obtido do veneno da serpente Bothrops jaracaca.

Apaixonado por sua área de atuação e muito sintonizado com o orientador, Berger permaneceu na universidade, sob a mentoria de Jorge Guimarães, no mestrado (2009) e no doutorado (2013) em biologia celular e molecular. Desta vez, com um novo projeto de pesquisa, sobre a fisiopatologia do envenenamento causado pela taturana Lonomia obliqua. “O envenenamento por L. obliqua é um problema endêmico na região Sul do país, onde causa inúmeros casos de síndrome hemorrágica e insuficiência renal aguda, a IRA, que é a principal causa de morte entre os pacientes envenenados”, explicou o pesquisador. Ele ressaltou que as taxas de mortalidade chegam até 50% entres os pacientes que desenvolvem IRA, o que mostra a urgência na descoberta de novas formas de tratamento, já que o soro antiofídico não é capaz de reverter a lesão renal. As pesquisas de Markus Berger tiveram um papel fundamental na descoberta de novas formas de tratar tais lesões. Os trabalhos gerados em sua tese foram rreceberam os prêmios “Finalist of the 19th Prize for Young Scientists in Life Sciences” e “1st SBBq-Biochemical International Society Award”.

Desde os tempos de graduação, a linha de pesquisa de Berger sempre esteve relacionada om a investigação do papel dos sistemas de proteólise limitada, como o sistema de coagulação sanguínea, nas alterações fisiopatológicas causadas pelo veneno de animais peçonhentos, saliva de animais hematófagos e moléculas isoladas de fontes vegetais. Ao longo dos anos, essa linha de pesquisa foi ampliada para a inclusão de aspectos multidisciplinares, envolvendo o estudo do mecanismo molecular dos sistemas de peptídeos biologicamente ativos e enzimas e seus papéis em modelos experimentais de doenças renais, cardiovasculares, endometriais e infecciosas. Dentre as principais contribuições de seu grupo de pesquisa nos últimos anos, pode-se destacar a demonstração do papel das plaquetas nos eventos tromboembólicos (formação de coágulos na circulação sanguínea, que prejudicam o fluxo de sangue) durante o envenenamento pela taturana.

Logo após a defesa da tese de doutorado, em 2013, Berger realizou estágios de pós-doutorado no Laboratório de Bioquímica Farmacológica do Centro de Biotecnologia da UFRGS e, em 2016, na Universidade de Nottingham, na Inglaterra. Em agosto de 2015, ingressou como pesquisador contratado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), onde, desde então, integra o Grupo de Reprodução e Farmacologia Celular. No HCPA o Acadêmico desenvolve atividades de pesquisa, orienta alunos de graduação (principalmente dos cursos de biomedicina, biologia, farmácia e medicina) e também alunos de mestrado e doutorado pelo programa de pós-graduação em ginecologia e obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS.

Ao longo dos próximos quatro anos, enquanto for membro afiliado da ABC, Markus Berger pretende se integrar às ações da Academia na divulgação e defesa da ciência no Brasil, principalmente diante dos “tempos de negacionismo ao conhecimento e o culto à

ignorância”, apontou. Ele destacou que a pandemia provou que a ciência é fundamental para a soberania de um país. “No entanto, estamos passando pelo tempo mais sombrio da ciência brasileira, com falta total de reconhecimento e incentivo para todas as áreas. Acredito que a ABC tenha um papel chave para que essa situação possa se reverter.”