Não é nenhuma novidade que a miséria tem consequências cruéis na saúde humana. A expectativa de vida em países ricos é maior que 80 anos, mas não passa dos 60 nos mais pobres. A pandemia contribuiu para agravar essa situação. Enquanto o resto do mundo vai voltando ao normal com o avanço da vacinação, o continente africano continua majoritariamente não vacinado, com apenas 11% da população imunizada.

No Brasil, a imensa desigualdade econômica também se reflete na imunização. O estado mais rico do país, São Paulo, está com 87% da população vacinada, enquanto o mais pobre, Roraima, tem apenas 51%. Para debater os efeitos da miséria na saúde, foi realizada uma conferência virtual durante a 74ª Reunião Anual da SBPC, que teve a participação do membro titular da ABC Maurício Lima Barreto e do vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rômulo Paes de Souza.

Rômulo Paes apresenta as taxas globais de vacinação.

Desigualdade, saúde e programas sociais

O economista francês Thomas Piketty alerta em seu best-seller “O Capital no Século XXI” para uma tendência inequívoca de concentração de renda que vem ocorrendo em praticamente todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para Mauricio Barreto, essa situação deve fazer soar um alerta, sobretudo numa sociedade tão desigual quanto a brasileira, que o acesso dos mais pobres à saúde de qualidade pode piorar.

O Acadêmico Mauricio Lima Barreto.

O Acadêmico é coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (Cidacs), inciativa da Fiocruz Bahia para melhorar o monitoramento da saúde brasileira. Ele defendeu que programas de transferência de renda condicionada são uma eficaz forma de proteger as pessoas mais vulneráveis dos piores efeitos da desigualdade. “Temos dezenas de estudos que mostram efeitos benéficos do Bolsa Família em taxas de mortalidade infantil, tuberculose, malária, hanseníase, mortalidade materna, e até mesmo homicídios e suicídios”, argumentou.

Programas como esse já estão sendo abraçados por países em desenvolvimento – na América Latina, África e Sudeste Asiático – e vêm mostrando resultados promissores não apenas na saúde, mas também na educação e na capacidade produtiva das populações. “São iniciativas viáveis e que levam o benefício diretamente aos grupos mais vulneráveis da sociedade”, resumiu Barreto.

Em municípios com maior cobertura do programa, o número de óbitos de crianças com até 5 anos alcançou reduções de 25%. “A mortalidade infantil é um dos indicadores mais importantes de desenvolvimento humano, pois crianças são muito mais vulneráveis às condições precárias”, disse Rômulo Paes.

Ainda assim, o epidemiologista lembrou que a transferência direta de renda não é o único tipo de programa social com impacto direto na saúde humana. “Precisamos intervir nos determinantes sociais, como a educação, a proteção social e a habitação. É melhorar as condições de vida e superar os mecanismos de exclusão relacionados ao acesso à saúde”, defendeu Paes.

Por fim, os palestrantes destacaram que o fator econômico não é o único aspecto da desigualdade, que também é perpetuada pelas diferentes formas de discriminação que permanecem na cultura nacional. “Precisamos de políticas que lidem com populações indígenas de uma forma diferenciada, por exemplo”, disse Paes, “mesmo nos grandes centros urbanos, o Brasil tem populações muito diversas, então as políticas precisam de componentes mais específicos. O desafio é que a implementação dessas especificidades é sempre muito complexa”, finalizou.