Em 2021, o órgão responsável por 73% das bolsas de mestrado e doutorado brasileiras, a Capes, passou por um período de forte turbulência. A avaliação dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) para o quadriênio 2017-2020 sofreu com atrasos e judicializações e a elaboração de um novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) se viu ameaçada. As incertezas geraram desconfiança entre a comunidade científica, e mais de cem pesquisadores que atuavam no processo de avaliação renunciaram coletivamente.

Felizmente, em 2022 as coisas voltaram a caminhar. A avaliação ocorreu e já se encontra em fase de relatoria, com os resultados finais previstos para serem divulgados ainda esse ano. Também foi formado um grupo para a elaboração do PNPG, que conta com a presidente da ABC, Helena Bonciani Nader. Para debater os erros e acertos que ocorreram nesse longo processo, bem como o futuro da pós-graduação brasileira, foi organizado o painel virtual Avaliação da Pós-Graduação, durante a 74ª Reunião Anual da SBPC.

A discussão contou com a presença da presidente da Capes, Cláudia Toledo, e o diretor de avaliação, Sérgio Avellar. Os Acadêmicos Carlos Menck, coordenador da área de Ciências Biológicas 1, e Anderson Gomes, ex-coordenador da área de Física e Astronomia, participaram do debate, assim como o coordenador da área de Antropologia e Arqueologia, Antonio Carlos Lima, e o presidente-eleito da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinicius Soares. A mediação ficou a cargo da vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral.

Importância da avaliação

O processo de avaliação dos programas de pós-graduação da Capes foi iniciado na década de 70, com a instauração da escala 1 a 7 de qualidade em 1988. Desde então, o número e a classificação dos cursos, bem como a quantidade de titulações, apresentaram crescimento ininterrupto, sobretudo nos últimos 20 anos. De 2007 a 2017, o número de PPGs com avaliação 6 e 7 passou de 234 para 482, e o Brasil atingiu as metas do PNPG de formar 60 mil mestres e 25 mil doutores por ano. “O crescimento teve taxas ainda mais elevadas fora do Sudeste, expandindo a ciência pelo território nacional”, mostrou Menck.

O Acadêmico Carlos Menck apresentando o crescimento da PG brasileira entre 2010 e 2018

Entretanto, nos últimos anos essa tendência vem sendo ameaçada. O financiamento das agências de fomento, como a Capes e o CNPq, caiu de forma abrupta no fim da última década. O número de bolsas oferecidas para mestrado e doutorado estagnou, assim como os valores pagos, que depreciaram em mais de 60% com a inflação acumulada. “Os valores atuais de bolsa são ridículos, aviltantes e desprestigiam a formação de cientistas no país”, reconheceu a Cláudia Toledo, presidente da Capes.

Nesse cenário, o atraso na avaliação foi mais um duro golpe que deixou a pesquisa nacional no escuro. Os participantes foram unânimes em elogiar a atuação do, agora efetivado, diretor de avaliação da Capes, Sérgio Avellar. “A instabilidade institucional e a falta de um diretor específico para o processo foi algo que atrapalhou muito”, afirmou Menck, “assim como a insegurança jurídica, a redução orçamentária e a absurda pressão pelas Propostas de Cursos Novos (PCN), incluindo EADs recém-criados”.

O Acadêmico exaltou a resistência dos coordenadores de avaliação, que organizaram manifestos e renúncias coletivas. Para ele, essa luta foi crucial para a retomada dos trabalhos, e para “manter a qualidade e garantir o futuro da pós-graduação brasileira”.

Mudanças na avaliação

A avaliação dos PPGs para o quadriênio 2017-2020 teve mudanças significativas com relação a do quadriênio anterior. Para o coordenador de área Antonio Carlos Lima, trata-se agora de uma avaliação muito mais qualitativa, que incluía mais parâmetros para além do número de artigos. “Nas humanidades por exemplo, foi extremamente importante a inclusão de livros, produtos culturais e artísticos e produtos tecnológicos”, afirmou.

Como exemplo de impacto social, Lima defendeu a capacidade que novos cursos de pós-graduação têm de movimentar a economia do interior. “Foi muito satisfatório ver que programas que estão começando, com notas mais baixas e menos investimento, muitas vezes apresentam uma taxa de empregabilidade regional altíssima”.

Na mesma linha, o vice-presidentee da ABC para a região Nordeste e Espírito Santo, Anderson Gomes, defendeu que as mudanças na avaliação continuem no sentido de compreender o impacto para além da produção científica. “O sistema não pode desencorajar projetos ambiciosos e que falam com a sociedade apenas porque geram menos publicações”, criticou.

Por fim, Menck também defendeu as mudanças, mas alertou que o processo precisa ser aperfeiçoado e simplificado para o futuro. “Além dos vários entraves que ocorreram nessa avaliação, o processo foi ainda mais complexo e trabalhoso. Alguns coordenadores de curso precisaram tirar três meses de dedicação exclusiva. Isso precisa ser repensado”, finalizou.