Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no Valor Econômico em 20/6. O texto aborda questões associadas a transformação digital e o trabalho remoto.

 

Elon Musk convocou todos seus funcionários da Tesla para retornar ao trabalho presencial. O anúncio surpreendeu a comunidade internacional por associar um dos homens mais ricos do mundo, geralmente vinculado a inovações espetaculares, ao mundo das convencionais relações de trabalho, com uma postura tradicional. A chamada veio acompanhada pela comunicação de que a empresa pretendia demitir 10% de sua força de trabalho, um recado inibidor de eventuais resistências.

No outro extremo do espectro, milhares de empresas aboliram o trabalho presencial. Empresas sem sede física deixaram de ser excentricidades para se tornarem uma realidade em vários setores da economia mundial. No setor de tecnologia, muitos profissionais optaram por mudar das cidades para o campo, em áreas mais próximas da natureza com melhores condições ambientais e climáticas, buscando melhor qualidade de vida.

Como consequência, o regime de “co-working” espalhou-se pelo mundo, inclusive o Brasil. Além disso, países que lideram a corrida digital global, como a Estônia, oferecem arranjos digitais para empreendedores estrangeiros, independentemente de localização geográfica.

Vistos de nômades digitais permitem que turistas trabalhem legalmente em um país estrangeiro. Os vistos para nômades digitais tem sido usados para atrair trabalhadores remotos bem qualificados, capazes de suprir necessidades de empresas que requerem talentos para transformação digital. Vários países, incluindo Croácia, Alemanha, México e Noruega, emitem esses tipos de vistos para atrair profissionais por curtos períodos.

Curiosamente, tem ocorrido uma situação inversa no Brasil. Jovens talentosos em tecnologias digitais, principalmente inteligência artificial, tem aceitado ofertas de empregos bem remunerados no exterior, porém permanecendo em suas cidades de origem no Brasil.

De acordo com uma recente reportagem da BBC, um grupo de países de língua inglesa que inclui os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, governados por partidos de ideologias diferentes, acaba de instituir a semana de quatro dias, mantendo o mesmo valor do salário. É isso mesmo. Um dia a menos pelo mesmo salário.

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Por outro lado, após a crise econômica decorrente da covid-19 e o retorno da inflação (mesmo nos países desenvolvidos), a supressão de um dia de trabalho significa na prática, um aumento de 25% para os assalariados que lograram manter seus empregos neste período – sem que tenham aumento nominal e sem que o governo precise desembolsar mais dinheiro. Espera-se com isso, evitar também o aprofundamento do fenômeno que ocorreu em especial nos EUA de abandono do emprego em busca de outras opções de vida. A briga no mercado de trabalho não é apenas na esfera do recrutamento das pessoas certas: é pela retenção dos talentos.

O possível fim da pandemia, pelo menos na sua dimensão massivamente letal, coloca no horizonte de 2023 perguntas e respostas que vem sendo ensaiadas por dois anos, com base em muita experimentação, que proporcionaram um aprendizado acumulado que precisa ser traduzido em iniciativas práticas, em especial nas áreas que afetam diretamente a população. A normalização do trabalho virtual que começou com a pandemia da covid criou vantagens significativas para algumas economias locais, permitindo que países em desenvolvimento atraiam talentos, revertam a fuga de cérebros, procurando redefinir a geografia econômica de várias regiões. É uma realidade global, que o Brasil precisa saber aproveitar.

O avanço massivo da transformação digital interpelou o setor privado, as instituições públicas, as organizações do terceiro setor e a vida em família sobre este novo mundo proporcionado pela tecnologia digital. A necessidade de adaptação às contingências impostas pela pandemia da covid acelerou brutalmente tudo isso. Trata-se de uma extraordinária oportunidade de se melhorar a qualidade de vida das pessoas e de produzir ganhos de produtividade no mundo dos negócios.

Para isso é necessário buscar arranjos flexíveis para alcançar um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, reduzir as desigualdades de gênero e aumentar a diversidade da força de trabalho das empresas. Um relatório recente mostra que o Twitter ampliou a diversidade de suas equipes com contratações de trabalho remoto em qualquer lugar, evitando as limitações raciais ou de gênero do mercado de trabalho local. Há também riscos, como o aprofundamento do apartheid digital, concentração empresarial e exclusão dos trabalhadores pouco qualificados do mercado de trabalho.

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Inovações nascem de várias maneiras: as necessidades e as oportunidades são duas delas. O Brasil se aproxima de um novo momento nacional com as eleições de outubro de 2022. Reclama-se muito da obsolescência das plataformas dos candidatos – e até o momento a agenda da transformação digital não foi tratada com destaque por nenhum. Mas o próximo governo dependerá muito da sua capacidade de interpretar o que o mundo novo oferece a este país auto maltratado por nossa incompetência. A combinação da esperança com a sensibilidade política e a ousadia para abraçar o futuro serão decisivos para definirmos nosso modus operandi para os próximos anos. Uma transformação digital socialmente justa e inclusiva faz parte desse futuro que o país precisa construir.