No dia 14 de junho aconteceu o terceiro webinário da série “A Contribuição dos INCTs para a Sociedade”, organizado pela Acadamia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Esta edição foi mediada pela presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, e pelo presidente do CNPq, Evaldo Ferreira Vilela.

A segunda mesa do evento teve como tema “Segurança Energética, Alimentar e na Saúde”, e contou com a participação de Marcel Bursztyn, coordenador do INCT Observatório das Dinâmicas Socioambientais (INCT Odisséia); e dos Acadêmicos Mariangela Hungria, coordenadora do INCT em Microrganismos Promotores de Crescimento de Plantas (INCT MicroAgro) e João Batista Calixto, coordenador do INCT-INOVAMED.

Mariangela Hungria.

Produtividade e sustentabilidade

O Brasil é o quarto maior produtor de grãos do mundo e o segundo maior exportador. Enquanto a participação da agricultura no PIB global gira em torno de 4%, no Brasil ela é de 27%, o que leva o país a ser considerado “celeiro do mundo”. Mas ao contrário do que prega uma visão ultrapassada de desenvolvimento, o avanço da fronteira agrícola por sobre biomas naturais não explica esse cenário. Pelo contrário, apenas 8% do território nacional é lavoura, cuja produtividade é dependente de contínuos investimentos em pesquisa e inovação. “O nosso desafio atual é aumentar a oferta de alimentos de forma sustentável”, resumiu Mariangela Hungria.

Mas agricultura sustentável não significa apenas manter os biomas em pé. O Brasil é atualmente o primeiro país em uso de agrotóxicos por área cultivada, o que traz consequências graves não só para o meio ambiente, mas para o consumidor final. Apesar desse uso intensivo, o país é completamente dependente do mercado externo para adquirir esses defensivos, importando cerca de 85% do utilizado. Essa dependência externa já foi abordada em recente webinário da ABC, e urge ao país que desenvolva alternativas nacionais e sustentáveis para esses compostos. Para a palestrante, o objetivo final nessa área tem de ser a substituição total ou parcial dos compostos químicos importados por bioinsumos nacionais.

Já na pecuária, o Brasil é atualmente o terceiro maior produtor de carne do mundo e o primeiro em exportações. O país possui o maior rebanho bovino do planeta, o que traz dilemas sérios quanto ao uso da terra e emissões de metano, que contribuem para as mudanças climáticas. Outro problema é a mortandade, e cerca de 8% do rebanho nacional, algo em torno de 16 milhões de cabeças de gado, é perdido todo ano.

“Temos inúmeros desafios, mas graças aos INCTs nós possuímos a competência necessária em tecnologia e inovação para superá-los”, afirmou Hungria, que listou diversos exemplos de institutos que estão atuando no desenvolvimento do agro brasileiro. Ela frisou que não se trata apenas de criar novos produtos, mas fortalecer toda a cadeia de pesquisa e auxiliar os produtores na implementação. Por fim, a palestrante refletiu sobre uma contradição no destino final da produção: “a agropecuária brasileira tem capacidade de alimentar até 800 milhões de pessoas, mas temos 33 milhões passando fome”.

João Batista Calixto.

Segurança em medicamentos

Se o Brasil é fortemente dependente na área de fertilizantes, o cenário é ainda pior quando falamos de medicamentos. Atualmente o país importa 90% dos remédios que consome, o que impõe uma pressão imensa no orçamento do SUS. Nosso parque industrial da saúde deixou de focar em inovação para se dedicar quase que exclusivamente à produção de genéricos, e os efeitos disso ficaram cruelmente expostos durante a pandemia da covid-19. Com o envelhecimento da população e o surgimento de novas doenças, a tendência é que esse cenário se agrave. “Precisamos urgentemente de um plano de Estado para reduzir essa dependência”, alertou João Batista Calixto.

A indústria farmacêutica é a que mais investe em inovação no mundo, dedicando cerca de 20% de seu faturamento à pesquisa e desenvolvimento. Investimentos nessa área são naturalmente de alto risco, pois os valores necessários estão na casa dos milhões de dólares. O processo completo, desde a identificação de um possível alvo terapêutico até a disponibilização de um medicamento, leva em média uma década e tem taxas de sucesso extremamente baixas. Com isso em mente, se o Brasil pretende se tornar autossuficiente nessa área, a participação do Estado é indispensável.

Atualmente, são 40 INCTs que atuam na saúde, área com maior representação no programa. Esses institutos atuam em todos as etapas do desenvolvimento de terapias, desde a ciência básica até os últimos testes clínicos. Entretanto, alguns gargalos ainda persistem. “Até 2014 o Brasil não tinha nenhuma instituição capaz de ligar pesquisa básica até testes pré-clínicos, o Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP) foi o primeiro”, conta Calixto, “mas o maior entrave continua sendo a fase 1 de testes clínicos, que ainda conta com poucos centros no país”.

No momento, o projeto dos INCTs em saúde se encaminha para a terceira fase, e superar esses gargalos deve ser prioridade no planejamento. Para Calixto, essa nova fase deve incentivar a pesquisa translacional, ou seja, a pesquisa que perpassa as diferentes etapas do desenvolvimento de medicamentos (que foi tema do Webinário 47 da ABC). Além disso, deve estimular a interação entre INCTs e a indústria. “Sobretudo, precisamos focar nos pesquisadores, que precisam receber cursos sobre aspectos regulatórios e, principalmente, serem incentivados a criarem start-ups a partir de seus projetos de pós-graduação e pós-doutorado”, finalizou.

Marcel Bursztyn.

Em busca de novos nexos

Marcel Bursztyn começou sua apresentação trazendo um breve histórico da ciência orientada a desafios brasileiros. Desde os anos 70 o CNPq já era pioneiro no financiamento de programas integrados, como no combate a doenças tropicais, na adaptação do solo brasileiro à agricultura e no desenvolvimento da genética. Essas primeiras experiências foram fundamentais para a criação de redes e para consolidar a ideia de uma pesquisa voltada ao mundo fora da academia. “A criação dos INCTs em 2008 é fruto de uma série de esforços para o fortalecimento de comunidades científicas de excelência”, resumiu o palestrante.

Em seguida, Bursztyn apresentou a abordagem “Nexus”, desenvolvida pela ONU na década de 80, que tratava da demanda concorrente por terras para cultivo de alimentos e de biomassa para geração de energia. O choque do petróleo na década de 70 fomentou uma corrida por formas alternativas de combustível, o que gerou um debate sobre os riscos de se retirar áreas cultiváveis da produção alimentícia. “O Nexus do século XXI está na relação entre a produção alimentícia, hídrica e energética e a vulnerabilidade do planeta às mudanças climáticas”, afirmou.

Utilizar essa abordagem para enfrentar os problemas atuais significa, essencialmente, integrar áreas do conhecimento, políticas públicas e atores sociais. “Quando desenvolvemos políticas para o clima, por exemplo, elas necessariamente terão impactos no setor agrícola e energético. Por isso, chamar para o diálogo representantes dessas áreas é crucial”, explicou Bursztyn, que destacou o papel fundamental que os INCTs cumprem nessa integração. “Existe uma predisposição à colaboração dentro dos institutos, falta um arranjo institucional que a incentive”.