Na tarde desta quinta-feira, 26 de maio, foi realizada no Congresso Nacional uma Audiência Pública Extraordinária convocada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. A reunião tratou da Medida Provisória nº 1.112/22, de 31 de março, que redireciona para desmonte e sucateamento de caminhões recursos provenientes da produção de óleo e gás vinculados à investimento em pesquisa e desenvolvimento.

A audiência foi mediada pela deputada Angela Amin (PP-SC), vice-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e contou com participação do diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Alvaro Toubes Prata, além de representantes do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies); da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); do Fórum Nacional das Entidades Representativas dos Servidores das Carreiras de Ciência e Tecnologia (Fórum de C&T) e da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.Br). Inicialmente, os ministros da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovações estavam programados para representar o governo federal, mas estes não compareceram.

MP da Sucata

Com relação à MP 1.112/22, os participantes foram unânimes em condenar os artigo 7º, que em seu parágrafo 7º determina que “recursos aplicados nas iniciativas de que trata este artigo, que podem ser considerados no cálculo de adimplemento de obrigações contratuais de pesquisa, desenvolvimento e de inovação das contratadas para exploração e produção de petróleo e gás natural”; e 12º, que altera a Lei do Petróleo de forma a permitir que “as contratadas para exploração e produção de petróleo e gás natural poderão aplicar recursos para promover a atividade de desmonte ou de destruição como sucata dos veículos pesados em fim de vida útil”, os quais “serão considerados no cálculo de adimplemento de obrigações contratuais de pesquisa, de desenvolvimento e de inovação referentes a (I) obrigações relativas aos anos de 2022 a 2027; e (II) obrigações ainda não adimplidas relativas a períodos anteriores ao ano de 2022”.

O presidente da Confies, Fernando Peregrino, classificou a medida provisória como um “gesto ousado que cumpre encurtar o caminho para o Brasil se tornar a periferia do mundo”. Na mesma linha, o representante do Fórum de C&T Roberto Muniz afirmou que a MP “representa a pior forma de fazer política, com medidas pontuais para agradar setores específicos em detrimento de todos os outros”. Especificamente sobre o artigo 12º, o secretário executivo do ICTP.Br, Fábio Guedes, alertou para a grave insegurança jurídica gerada, ao prever o redirecionamento de recursos já acordados em contratos entre empresas, instituições de ciência e tecnologia e o próprio governo federal.

O diretor da ABC Alvaro Prata durante a audiência pública em Brasília.

Atraso civilizatório

O diretor da ABC Alvaro Prata afirmou que o Brasil enfrenta um grave momento civilizatório que não será superado sem apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico. Prata trouxe exemplos do mercado que mostram que a economia brasileira parou no tempo em relação ao resto do mundo. “Enquanto na última década vimos um aumento no número de empresas de tecnologia entre as mais valiosas do mundo, no Brasil o cenário permanece inalterado. Por isso já não estamos entre as dez maiores economias globais”, avaliou.

Essa perda de protagonismo se reflete nos dados. Atualmente somos apenas o 57º país em inovação e o 71º em competitividade, de acordo com rankings da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e do Fórum Econômico Mundial, respectivamente. Ao mesmo tempo, o país investe pouco mais de 1% do PIB em pesquisa e desenvolvimento – bem abaixo de nações desenvolvidas que investem por volta de 3% – e apenas 20% dos brasileiros entre 25 e 64 anos possui um curso superior. “Avançar em ciência e tecnologia é uma combinação de pessoal qualificado, infraestrutura e financiamento, só assim teremos desenvolvimento econômico e social”, afirmou Prata.

Fernando Peregrino lembrou que o Brasil só atingiu a autossuficiência em petróleo investindo em pesquisas de ponta no setor, que possibilitaram, entre outras coisas, que o país seja um dos únicos com tecnologia para extrair a profundidades maiores que 2 mil metros. “A MP afeta mais de 400 laboratórios e dezenas de universidades e institutos de pesquisa espalhados por todo o Brasil”. Para complementar, Fábio Guedes destacou que o corte no financiamento atinge mais de 2.600 projetos em petróleo e gás, a maior parte dos quais desenvolvidos pela própria Petrobras. “Estamos trocando uma espetacular rede de financiamento de pesquisas por sucata”, finalizou.

Ao término da audiência, a deputada Angela Amin (PP – SC) prometeu apoio da Comissão para as mudanças no texto da MP.