No último dia 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), representada pelo seu ex-presidente, Luiz Davidovich, e sua atual presidente, Helena Nader, participou da Sessão Conjunta das Academias de Letras e Ciências dos Países de Língua Portuguesa. A sessão contou com Academias de Portugal, Angola, Brasil e Moçambique. 

A língua portuguesa é a quinta mais falada no mundo, sendo o idioma oficial de nove países distribuídos por todos os continentes. É a língua de nomes históricos da literatura, como José Saramago, Camões, Agustina Bessa-Luís, José Craveirinha, Machado de Assis, Guimarães Rosa e tantos outros. Nas palavras de Saramago, “uma língua que não se defende morre”, e foi exatamente esse o intuito do encontro: defender a língua portuguesa, louvar sua diversidade, discutir formas de expandir seu uso, e também abordar algumas de suas contradições.

Alma comum

“A língua portuguesa é uma semente de cultura e uma âncora do entendimento entre os povos”. Com essa frase, o presidente da Academia de Ciências de Lisboa, José Luís Cardoso, abriu a sessão. A defesa da pluralidade e da “alma comum” que os povos lusófonos compartilham foi enfatizada por todos os participantes.

Antônio Sampaio da Nóvoa, ex-embaixador de Portugal na Unesco e um dos idealizadores do Dia Mundial da Língua Portuguesa, defendeu que só existem duas vias para a defesa e a sustentação do idioma: cultura e educação. Nesse sentido, advogou por uma língua que se utilize de todos os meios disponíveis para sua difusão, almejando, inclusive, uma maior utilização nos escritos científicos. “O português não pode falhar nem faltar com a ciência”, salientou.

Na mesma linha, os representantes da ABC, Luiz Davidovich e Helena Nader, defenderam o papel unificador da língua portuguesa, e convidaram ao debate o Acadêmico Diógenes de Almeida Campos, que participou da elaboração da segunda edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), publicado em 1998. O paleontólogo contou que a experiência de incluir a diversidade biológica e geográfica brasileira na publicação demandava, obrigatoriamente, a assimilação de termos de origem indígena, principalmente do tupi, e africana, principalmente do iorubá e quimbundo. 

“Comungo da ideia de que o fenômeno linguístico não é natural, mas cultural. No entanto, as palavras representam entes da natureza”, explicou o Acadêmico.  “Sendo assim, a língua portuguesa precisou incorporar novos termos para nomear espécies e fenômenos endêmicos do mundo tropical”, completou. Campos defendeu que o trabalho de fazer a correspondência entre os nomes científicos e vernaculares também é fazer ciência. “A capacidade de descrever o mundo que nos cerca é um passo decisivo para o progresso. A linguagem da ciência deve ser difundida na mais ampla escala possível, pois ela dota o homem da capacidade de perceber a diferença entre magia e realidade”, apontou.

A Academia Brasileira de Letras (ABL) também participou da cerimônia. O presidente da ABL, Merval Pereira, lembrou da força política que a união dos países lusófonos representa. A partir dessa introdução, o ex-presidente da ABL Domício Proença Filho mergulhou na questão da língua nas relações internacionais, reforçando que “prestígio linguístico está necessariamente vinculado ao desenvolvimento econômico e cultural”. Nessa linha, Proença Filho destacou as oportunidades no estreitamento de laços culturais e comerciais, e discutiu a literatura como um fator comunitário. “Em tempos de cultura como recurso, cabe trabalharmos na difusão de manifestações culturais em português para todo o mundo”, finalizou.

Glotofagia

A difusão do português pela África está diretamente ligada à exploração colonial. Entretanto, diferentemente do Brasil, esse processo de assimilação ainda não está totalmente incorporado nos países africanos lusófonos e a utilização das línguas tradicionais permanece em muitas regiões.

O presidente da Academia Angolana de Letras (AAL), Paulo de Carvalho, argumentou que, em seu país, o domínio do português caminha lado a lado com a posição social. Segundo ele, 85% dos angolanos que moram em áreas urbanas falam português, contrastando com apenas 49% entre os habitantes do meio rural. “Angola tem mais de 30 línguas, mas o português permanece a única que permite contato com o Estado”, observou Carvalho, criticamente.

Na mesma linha, o escritor António Quino, membro fundador da AAL, fez um breve histórico da brutal introdução do português em Angola. “O regime colonial obrigava a assimilação total à cultura portuguesa, proibindo as línguas locais e instituindo uma educação totalmente em português”, lembrou. Segundo Quino, a agressividade com a qual o idioma foi introduzido criou consequências perversas que perduram até os dias atuais. Uma delas, segundo Quino, é a ideia retrógrada de que português é sinônimo de status, e o contrário é retrocesso”. Carvalho e Quino criticaram o Acordo Ortográfico de 1990 por não enfatizar a relação entre a língua portuguesa e os idiomas africanos, sobretudo os de origem bantu.

Mas esse cenário de glotofagia – processo de desaparecimento linguístico – não se restringe à Angola. O presidente da Academia de Ciências de Moçambique, Orlando Quilambo, fez um panorama da relação tortuosa entre o português e as línguas nativas de seu país e defendeu a massificação do debate sobre o lugar e a função social da língua portuguesa no mundo. “Precisamos incentivar a pesquisa e a sistematização de um português que assimile as particularidades de cada país, sem priorizar a variante europeia”, afirmou.

Já para Perpétua Gonçalves, professora catedrática da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique, a generalização abusiva da lusofonia constitui um sério risco para o patrimônio linguístico africano, uma vez que “faz tábula rasa de toda a diversidade cultural desses países”. De acordo com dados demográficos de Moçambique, desde 1980 o uso do português cresceu 30%, ao passo que as línguas tradicionais recuaram em 20%. “Nada impede que o português seja acrescentado a cultura dessas regiões sem matar os idiomas locais, só precisamos de uma política educacional adequada”, ressaltou.

Encerramento

Para fechar o encontro, foi convidado a falar o diretor-geral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Armindo Brito Fernandes. O embaixador, nascido em São Tomé e Príncipe, fez um breve resumo dos assuntos abordados na sessão, destacando a tarefa que os países lusófonos têm de estreitar laços e expandir a presença do português no mundo, ao mesmo tempo em que respeitam as particularidades de cada região. “À língua portuguesa não basta ter milhares de falantes, estes devem chamá-la de sua, expandindo seu uso sem desertificar tudo que há ao redor”, concluiu.