O segundo dia do Seminário “70 Anos do CNPq (1951-2021) – Passado, Presente e Futuro Pensando e Transformando o Brasil” ocorreu em 27/4, quarta-feira, na sede do CNPq em Brasília (DF). O evento marcou o encerramento das atividades em referência aos 70 anos do Conselho, celebrados em 2021, e reuniu importantes nomes da comunidade científica e gestores do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. 

Dando sequência aos debates iniciados no dia 26/4, as duas primeiras mesas do segundo dia do evento contaram com a presença dos Acadêmicos José Galizia Tundisi, Evaldo Ferreira Vilela, Marcelo Morales, Fernando Rizzo, Helena B. Nader e Paulo Artaxo.

Referências e parcerias internacionais 

O limnólogo José Galizia Tundisi foi o moderador da primeira mesa de debates do dia, que abordou a importância das parcerias internacionais para o desenvolvimento científico do país. Para fomentar o debate, foram convidadas Cindy Parker (diretora de Ciência e Inovação para a América Latina da Embaixada do Reino Unido), Maria Zaira Turchi (diretora de Cooperação Institucional do CNPq) e a ministra Ana Beatriz Martins (chefe da Delegação Adjunta da União Europeia no Brasil). 

Tundisi, que presidiu o CNPq entre 1995 e 1999, destacou o papel fundamental da entidade no desenvolvimento científico do país, na geração de recursos humanos e, principalmente, no apoio à infraestrutura de pesquisa no Brasil. “Muitos pesquisadores brasileiros devem seu trabalho ao apoio fundamental do CNPq em diferentes períodos da sua história.” 

Complementando a apresentação de Cindy Parker sobre a intensa cooperação entre Reino Unido e Brasil no ambiente científico, Tundisi acentuou a necessidade de estreitar ainda mais os laços entre os dois países. Ele comenta que é essencial o trabalho conjunto, principalmente para questões latentes à comunidade científica, como as associadas à mudanças climáticas e desastres naturais – além de tornar essas informações acessíveis ao grande público. “Uma grande meta da colaboração internacional é decodificar e repassar a informação científica para grande parte da população.” 

“Nosso planeta é um sistema e precisamos trocar informações sobre as diferentes estratégias e experiências que vivenciamos diariamente, para que possamos avançar na resolução dos grandes desafios”, afirma o Acadêmico, destacando a cooperação internacional que ocorreu durante a pandemia de covid-19 e incentivando os países a atuarem juntos para enfrentar os desafios do futuro. No caso do Brasil, a presença do CNPq é essencial para exportar a ciência nacional e para trazer conhecimento estrangeiro para dentro do país. “Nenhum país é uma ilha, nós estamos tendo que trabalhar juntos para resolver problemas que atingem todo o planeta.” O cientista afirmou que a apresentação de Parker foi esclarecedora e complementou: “É fundamental, não apenas para o CNPq, como também para outras organizações de fomento à ciência, pensar e desenvolver projetos pensando no fato de que, ciência e tecnologia, quando associados a educação e capacitação, são componentes da transformação social.”  

Tundisi listou alguns pontos que tornam o Brasil um local único, com grandes oportunidades de pesquisa: “Nós temos a maior biodiversidade do planeta. Temos um país rico e diferenciado em diversas áreas e isso inclui os problemas sociais, étnicos e econômicos. Portanto, essa multidiversidade do país é uma oportunidade também pra ampliar nossa cooperação internacional, para atrair pesquisas e projetos conjuntos.” Ele afirma que a humanidade passa por uma situação difícil – com mais de 2 bilhões de pessoas com acesso limitado à água, pessoas nas periferias das cidades sem condições adequadas de habitação, entre outros fatores – e esse conjunto de problemas ambientais e econômicos precisam ser enfrentados com cooperação internacional.  

A solução apontada por Tundisi está na elaboração de um projeto com o qual ele sonha desde seus tempos na presidência do CNPq: o desenvolvimento de um projeto em áreas estratégicas, com 20 a 50 pesquisadores, para aumentar o volume e a capacitação em periferias. Ele cita também a retomada do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), que oferece bolsas de estudo para nativos de países em desenvolvimento, com os quais o Brasil possui acordo de cooperação cultural e/ou educacional. Criado em 1981, o programa não lança novos editais desde 2020. 

Nos próximos anos, a cooperação multilateral do CNPq terá um papel estratégico no desenvolvimento do setor de tecnologia e inovação brasileiro. “É momento de aumentar recursos, capacidade e velocidade do apoio a esses projetos internacionais”, finaliza o Acadêmico. 

O Sistema Nacional de CT&I  

A segunda mesa do dia, mediada pelo presidente do CNPq, Evaldo Ferreira Vilela, debateu as questões do sistema nacional de ciência e tecnologia brasileiro. Os Acadêmicos Marcelo Morales (secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI/membro da ABC) e Fernando Rizzo (presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE e membro titular da ABC) se juntaram à Marcelo Bortolini (diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Finep) e Claudia de Toledo (presidente da Capes) participaram do encontro. 

A situação da pesquisa brasileira é muito complicada, devido a fatores como falta de diretrizes de organização e ausência de um ministério que realmente tenha poder e o exerça – essa combinação de fatores é uma das causas para o CNPq ter reduzido consideravelmente seu tamanho, com uma tendência de tornar-se apenas um operador do sistema nacional de ciência, tecnologia e informação.  “O CNPq é a única instituição no país que é capaz de, em duas semanas, reunir 15 mil pesquisadores bolsistas, provando seu papel na sociedade. Mas e dentro do sistema operacional? Onde o CNPq entra?”, indaga Vilela. 

Para Marcelo Morales, o sistema nacional de ciência está no limbo há um bom tempo, privado de discussões importantes e de uma coordenação justa. Desde que assumiu o cargo na secretaria de Pesquisa e Formação Científica do MCTI em 2019, Morales tenta mudar essa situação: atualmente, está agindo ativamente na criação de uma proposta de incentivo nessa área, para apresentar para o governo federal. De acordo com ele, esse é o tipo de coisa que não acontece há muito tempo no ministério. “Fortalecer o sistema é essencial já que, sem ele, não temos política nacional de ciência”, explica o Acadêmico. 

Atualmente, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) está discutindo um projeto de lei para ser levado ao Congresso. O rascunho do projeto foi entregue aos membros, para que estes incorporem contribuições e, a partir do dia 9, elas sejam analisadas e encaminhadas para promulgação. Neste momento, é fundamental que haja planos e ações para colocar os planos em prática. Ele afirma: “Precisamos de um direcionamento do que fazer no Brasil, de forma coordenada, sem sombreamento. Ninguém quer tomar conta de tudo, mas as estratégias nacionais exigem cooperação.” 

Outro ponto que está sendo discutido é, sem dúvidas, um dos mais essenciais: financiamento. Novos subsídios e estratégias estão contando com apoio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O ousado planejamento envolve pelo menos 80 chamadas públicas para serem lançadas esse ano, um grande desafio para CNPq e Finep. Cerca de R$1,85 bilhão será destinado para pesquisa em áreas, como clima e sustentabilidade, com ações que estudam o comportamento da floresta Amazônica em função do aumento de CO2, algo nunca feito no mundo; para a saúde, mais de R$ 46 milhões serão destinados à elaboração de novas vacinas para dengue e malária; R$ 40 milhões para a questão da Antártica, envolvendo clima e aquecimento global.

O Acadêmico Fernando Rizzo, presidente do CGEE desde março de 2022, aborda, em sua apresentação, a instituição atua em conjunto com o CNPq através do subsídio de processos de tomada de decisão em temas de CT&I. As análises ocorrem por meio de estudos de prospecção e avaliação estratégica, além de avaliar políticas, programas e mapear competências dos grandes projetos do CNPq. Entre alguns dos mais importantes desdobramentos das análises, estão o reposicionamento estratégico para CNPq e Finep e a avaliação do impacto do Programas de Iniciação Científica e Tecnológica (PIBIC) para bolsistas e pesquisadores e retorno para a sociedade. O impacto, nesse caso, o impacto foi medido com o número de mestrandos e doutorandos inseridos na pós-graduação após participarem do programa. 

O futuro do CNPq  

A terceira e última mesa do dia foi moderada por Carlos Alberto Pereira dos Santos, diretor das áreas Exatas, Engenharias e Ciências Humanas e Sociais do CNPq, que se uniu aos Acadêmicos Evaldo Ferreira Vilela (presidente do CNPq), Helena B. Nader (vice-presidente da ABC) e Paulo Artaxo (vice-presidente da SBPC). 

“A ciência nunca esteve tanto em evidência quanto nos dias de hoje. Ela sempre foi necessária, mas nunca tanto quanto atualmente”, comentou Vilela. “Nenhuma região no mundo consegue seu desenvolvimento sem conhecimento. É preciso possuir conhecimento e produzir novos conhecimentos, e dar o seu retorno para a sociedade em forma de novas tecnologias.” Vilela afirmou que a função da ciência é criar entendimentos, uma vez que o mundo “já tem conflitos demais”.  

A vice-presidente da ABC Helena Nader afirmou que, enquanto o Brasil não aceitar que a ciência e a educação são a chave para o desenvolvimento da economia, o país continuará a enfrentrar as constantes crises que vêm ocorrendo nos últimos anos.  Apesar de o MCTIC possuir ambiciosos planos de orçamento para pesquisa em 2022, a cientista se decepcionou ao ver que boa parte desse orçamento depende do FNDCT. Isso porque este fundo era para cobrir os gastos extrass com ciência, hoje é o principal recurso. “O primeiro desafio do CNPq e da sociedade como um todo é convencer o Congresso Nacional e o Executivo da importância da ciência e do orçamento que ela tem que ter”, apontou Nader.  Para ela, o caminho para que o Brasil se torne uma sociedade do conhecimento ainda é longo e depende de novos sistemas de suporte à qualidade de vida e da distribuição do acesso à informação, além da capacidade de transmitir conhecimento acadêmico de forma compreensível para toda a população. Nader comenta que “os novos desenvolvimentos tecnológicos e sociais têm influenciado a forma como a ciência é praticada, exigindo uma reavaliação do princípio fundamental de liberdade e responsabilidade na ciência.” 

Nader comparou a estrutura organizativa do CNPq com a de outras instituições de fomento à ciência ao redor do mundo, como a National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, e se questiona: “é esse CNPq de hoje que queremos no futuro?” A cientista analisou a divisão das seções da NSF, expondo a existência de uma seção destinada a apenas a analisar o desenvolvimento de pesquisas, outra apenas para analisar a graduação, além de seções dedicadas a examinar a produção do conhecimento dentro de áreas específicas de estudo – como biologia, ciências da computação e ciências sociais. Entre outros órgãos, ela também citou o francês Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm), o britânico UK Research and Innovation e o alemão German Research Foundation (DFG, sigla em alemão).  “A ciência do século XXI é uma ciência que tem que responder para a sociedade. É difícil, mas precisamos mudar. O que a gente vê aqui, infelizmente, é uma tendência de aumentar a disciplinaridade e cada vez menos investir na interdisciplinaridade”, observou Nader. Para ela, a existência do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação implica na necessidade da modernização do CNPq, uma difícil missão para a comunidade científica brasileira.

Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC, avaliou que no futuro o CNPq deve ser  um instrumento de avanço científico e tecnológico, que atue também na esfera política e auxilie na implementação de novas legislações de amparo à ciência. Na visão do Acadêmico, é impossível desenhar uma agenda para o CNPq sem pensar em qual é o planeta que queremos para o futuro. Para ele, as grandes transformações que precisam ser executadas até 2050 envolvem cinco esferas principais: o setor de energia; o de alimento, usos da terra e bioesfera; consumo e produção sustentáveis; revolução digital; capacitação humana e demografia; melhorias nas cidades, com maior aumento da mobilidade, das condições de moradia e a criação de uma infraestrutura sustentável; além de mencionar as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, propostos pela ONU, que incluem paz mundial e erradicação da pobreza. Artaxo destaca também a importância de investimento em pesquisas que atendam às questões latentes da mudança climática, como o aumento da temperatura no Ártico – o derretimento de geleiras –, o déficit de água no Brasil e o desmatamento da Amazônia.  

“É uma escolha que cada sociedade terá que fazer, e as perspectivas de pesquisa científica precisam ser dirigidas para essas escolhas”, disse Artaxo, que argumentou em favor de uma ponte entre as necessidades básicas da sociedade e os limites planetários que nos são impostos. Complementando a fala de Nader, Artaxo defendeu a implementação de uma ciência mais interdisciplinar: “Chega de dividir as categorias em química, matemática, física, porque a natureza não conhece essas divisões que as agências de fomento e as universidades impõem à ciência. Esse é o grande avanço que precisamos dar.” 

Confira a galeria de fotos  do evento em 27/4:

Assista à programação completa do dia 27/4: Manhã | Tarde


Saiba mais sobre o primeiro dia do evento

Conheça a REVISTAq, lançada em 26/4 , em edição comemorativa dos 70 anos do CNPq