Nesta terça-feira, 26 de abril, teve início o seminário “70 anos de CNPq (1951-2021) – Passado, presente e futuro pensando e transformando o Brasil”. O evento é a parte final das comemorações pelas sete décadas de existência do CNPq, e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) esteve presente. Durante o seminário foi discutido o papel histórico do Conselho no desenvolvimento da ciência brasileira; a visão das entidades científicas sobre o fomento à pesquisa; projetos e ações mobilizadoras do Conselho; referências e parcerias internacionais; além de discussão sobre o futuro do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Abertura

Na cerimônia de abertura, um ponto em comum entre os participantes da mesa foi a exaltação da importância da ciência para o futuro de um país. Segundo o presidente do CNPq, o Acadêmico Evaldo Ferreira Vilela, um país não pode se desenvolver sem entidades de apoio à pesquisa e o CNPq constitui parte intrínseca do futuro do Brasil, se quisermos um país melhor, mais justo e menos desigual, que dê aos nossos talentos o devido reconhecimento. “Nós temos de criar, desenvolver e termos uma comunidade ativa, levando benefícios para a geração de empregos, a geração de renda, prosperidade para nosso país, porque a economia hoje depende da ciência. Não tem como hoje conhecimento ser colocado em segundo plano”, afirmou o professor.

Para ele, a criação do CNPq pelo Almirante Álvaro Alberto, em 1951, foi fundamental para o Brasil construir uma comunidade científica. Hoje esse círculo cresceu, estabelecendo áreas robustas. “A nossa meta agora pode ser a meta de entregar benefícios para a sociedade, porque esse é o princípio que o Álvaro Alberto plantou lá no início”, completou o professor Vilela.

Ao fazer um histórico sobre os caminhos percorridos para a institucionalização do auxílio à ciência no Brasil, o presidente da ABC, Luiz Davidovich, por sua vez, ressaltou que a fundação do CNPq representou um grande incentivo às ciências básicas, ainda pouco desenvolvidas no início da década de 1950. Ele afirmou que, sem o esforço de formação e de agregação realizado por este Conselho, não haveria protagonismo internacional de empresas públicas e privadas nacionais em diversas áreas, como as de petróleo e aviação. “O CNPq acompanha a formação das lideranças científicas do país, desde as bolsas de iniciação cientifica às de apoio a pesquisadores. Acompanha a expansão das universidades públicas, a diversificação de áreas de pesquisa, o intercâmbio internacional. Eu me considero fruto do CNPq”, disse Davidovich. Acrescentou também que o CNPq, em período mais recente, tem tido atuação instrumental na articulação de redes de pesquisa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs).

Embora reconheça os avanços, Davidovich também afirma que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. Os investimentos em pesquisa no país têm decrescido nos últimos anos e são, atualmente, da ordem de cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Países mais desenvolvidos investem a partir de 2% do PIB. Ademais, as universidades públicas brasileiras têm convivido com cortes orçamentários sucessivos e aportes decrescentes de recursos de agências de fomento à pesquisa. “Temos pouco mais de 900 pesquisadores por milhão de habitantes, enquanto países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm, em média, 4 mil pesquisadores por milhão de habitantes”, cita Davidovich, enfatizando que o Brasil ocupou a 57ª posição na última edição do índice global de inovação e a 71º no ranking global de competitividade. “Temos que aliar a celebração do aniversário com a combatividade daqueles que desejam um país em que ciência, tecnologia e inovação estejam no cerne da economia nacional”, finalizou.

Também participaram da mesa de abertura o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Alvim e o secretário-executivo do MCTI, Sérgio Freitas. A cerimônia contou ainda com a apresentação oficial da REVISTAq, publicação concebida para reforçar a relevância do CNPq ao longo de sua história e apresentar dados, ações, conhecimentos científicos gerados a partir do apoio deste Conselho. A publicação, que é virtual, é uma colaboração do CNPq e da ABC e utiliza informações produzidas pelo CNPq. A Acadêmica Normanda Araújo de Morais, professora da Universidade de Fortaleza, uma das responsáveis pela edição da revista, afirmou que a publicação é uma homenagem à ciência. “É sempre importante não perder de vista que a gente faz ciência para a melhoria da qualidade de vida’. Saiba mais sobre a REVISTAq em matéria exclusiva.

Para fechar a parte da manhã, o Acadêmico Walter Leal, da Universidade da Califórnia, ministrou uma palestra magna com vários convidados para trazer exemplos de como o financiamento à pesquisa é feito nos Estados Unidos.

Mesas de debate

À tarde, o seminário foi dividido em três mesas com lideranças e especialistas de várias áreas. Durante a primeira, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, e o presidente do Confap, o Acadêmico Odir Antônio Dellagostin, se juntaram aos presidentes do CNPq e ABC, Evaldo Vilela e Luiz Davidovich, para debater o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Luiz Davidovich reforçou o que já havia dito na parte da manhã sobre o CNPq ser um marco revolucionário na ciência brasileira e um exemplo de política de Estado. O presidente da ABC lembrou ainda que existe muito a ser aproveitado para o futuro do Conselho, como a experiência acumulada com avaliação. “Sempre será preciso ter pessoal avaliador capacitado. Índices são auxílio, mas as análises precisam entrar no mérito das pesquisas, a partir de exames cuidadosos feitos por especialistas em cada área”.

Para Davidovich, um dos maiores desafios atuais é a formação das próximas gerações. Cada vez mais a ciência perde cérebros por conta da deterioração no valor real das bolsas, que não é reajustado a uma década. “O Brasil precisa de pesquisadores incentivados e motivados. Alunos de pós-graduação ou pós-doutorado não são simples estudantes, são profissionais formados, e precisam ser remunerados a altura”, alertou.

A segunda mesa reuniu representantes de diversas entidades de CT&I brasileiras para contribuírem com as discussões sobre o futuro do CNPq. O membro titular da ABC Nívio Ziviani salientou que a produção científica brasileira cresceu em relação ao resto do mundo nas últimas duas décadas (passou de 0,8% em 1996 para 2,6% em 2018), mas que esse crescimento não tem o mesmo reflexo no PIB, como ocorre em países desenvolvidos. O Acadêmico trouxe o caso das start-ups de tecnologia da UFMG como exemplos de parcerias público-privadas que dão certo, e teceu breves comentários sobre o que devem ser os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) do futuro: multidisciplinares, integrados via inteligência artificial e capazes de obter resultados práticos já no curto prazo.

Ao final da mesa, o moderador Og Francisco Fonseca de Souza, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq fez um resumo dos pontos principais abordados. Para ele, ficou clara a necessidade de desburocratizar a ciência brasileira; de reconhecer a centralidade das universidades públicas no sistema de CT&I ao mesmo tempo em que se estimula a interação com o setor privado; de buscar maior multidisciplinaridade e interiorização da ciência nacional e, principalmente, de um fluxo contínuo de recursos, sem cortes e desmontes repentinos.

Na terceira e última mesa, participaram os Acadêmicos Adalberto Luis Val, como moderador, e Jailson Bittencourt de Andrade e Ruben Oliven como debatedores. Para iniciar a mesa, Adalberto Val lembrou do papel fundamental do CNPq na criação e expansão de programas de pós-graduação na Amazônia, mas que, principalmente com relação a fixação de pessoal, esse processo ainda não se completou. “Ainda temos um longo caminho a trilhar para que a Amazônia, o Nordeste e o Centro-Oeste façam parte de fato da agenda nacional de CT&I”, analisou.

Jailson Bittencourt defendeu os INCTs como um dos projetos de maior sucesso do CNPq. “Os Institutos abrangem praticamente todas as áreas do conhecimento e regiões do Brasil”, lembrou o Acadêmico, mas avaliou que estes ainda poderiam se beneficiar de uma maior articulação com as instituições de ensino superior, além de novas colaborações com empresas e agências nacionais e internacionais. Por fim, lembrou também do valor das ciências humanas e das interseções que estas têm com todas as demais áreas. “Precisamos das humanidades para compreendermos o que estamos fazendo com as ciências exatas e naturais”, encerrou.

Na mesma linha, Ruben Oliven lembrou da inclusão das ciências sociais no CNPq, que só foi ocorrer na década de 80. “Sem essa inclusão, não existiriam as ciências da sociedade no Brasil como existem hoje”, disse. O Acadêmico alertou também que nessa área os financiamentos costumam ser individuais, por pesquisador, mas que cada vez mais faz-se necessário grandes projetos que ataquem os múltiplos desafios brasileiros, como desigualdade, acesso à cidadania e sustentabilidade ambiental. “País que não conhece sua realidade humana não consegue alocar recursos”. Ao fim da sessão, Adalberto Val resumiu o que deveria ser o pensamento central do país sobre o tema: “Ciência e Tecnologia é soberania nacional”.      

*Texto escrito a partir de matéria publicada no site do CNPq.


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