Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp.

Na última segunda-feira, 21 de março, aconteceu o seminário “O Impacto da Ciência na Sociedade e no Avanço do Conhecimento: os novos desafios da pesquisa orientada a missão”, organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O evento reuniu representantes de instituições de pesquisa e agências de fomento para discutir a pesquisa orientada a missão, tema cada vez mais relevante na agenda científica.

Missões são grandes temas e desafios que devem nortear o desenvolvimento do país. Durante o seminário foram levantados alguns dos assuntos que podem servir como “moon landings” brasileiros (em referência ao objetivo central que balizou o progresso científico e regulatório americano na década de 60), são eles: Amazônia, prevenção de epidemias, educação básica e transição para uma economia de baixo carbono.

Evaldo Vilela, presidente do CNPq.

Os membros titulares da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Marco Antonio Zago e Evaldo Vilela, presidentes da Fapesp e do CNPq, respectivamente, destacaram a reformulação que as agências estão passando para incorporar o conceito de pesquisas orientadas por missão. Entretanto, fizeram questão de lembrar que nada substitui a pesquisa básica, que continuará recebendo o suporte necessário.

Transformando desafios em missões

A palestra de abertura do seminário foi da economista Mariana Mazzucato, professora da University College of London (UCL) e uma das formuladoras do conceito de pesquisa orientada a missão. Ela começou lembrando dos muitos desafios que afetam a humanidade e como a estrutura institucional atual está aquém das soluções necessárias. “Precisamos falar abertamente sobre direção de crescimento e não apenas sobre nível de crescimento”, ponderou.

Para exemplificar, Mazzucato trouxe o célebre caso da viagem à lua. Ao assumir que o objetivo central era colocar um astronauta na lua, os EUA passaram a redesenhar os modelos de parceria público-privado. O Estado assumia investimentos de alto risco, mas também definia os termos de negociação, evitando lucros privados excessivos. “Não se falava em mercantilizar na época, mas isso gerou muito desenvolvimento tecnológico que depois foi comercializado na Terra”.

Essa redefinição de prioridades só é possível com um setor público forte. Nas últimas décadas, o poder de barganha do Estado diminuiu, e a relação público-privado se tornou cada vez menos mutualista. “Os novos tipos de contrato demandam redesenhar esse cenário. Temos o exemplo do Banco Central alemão, que pede contrapartidas climáticas para financiamentos. É preciso incorporar o bem-comum nas negociações”, explicou Mazzucato, que finalizou com um aviso. “A única forma de as missões refletirem os reais desafios da sociedade é se as decisões forem tomadas por todas as partes interessadas, e isso inclui os cidadãos”.

Mesa 1 – O impacto da ciência no pós-pandemia

Luiz Davidovich, presidente da ABC.

A primeira mesa de debate do evento foi moderada pelo presidente da ABC, Luiz Davidovich, que abriu as discussões lembrando dos problemas nacionais que a pandemia agravou. A dependência externa ficou nítida nas dificuldades do país para importar insumos, e mudar esse cenário requer fortalecer a ciência. “Para aumentar o impacto científico brasileiro, é preciso redefinirmos prioridades. A pesquisa orientada por missão ajuda a criar nichos onde podemos ser líderes”, sustentou Davidovich.

A primeira a falar foi a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fernanda de Negri, que fez uma breve explicação sobre os conceitos de excelência e impacto, argumentando que, nas últimas duas décadas, a ciência brasileira cresceu em volume, mas não em impacto. A palestrante alertou também que existe um problema de “super-patenteamento” pelas universidades brasileiras e que a pesquisa no país ainda é pouco colaborativa e mobilizada. “A maioria dos pesquisadores brasileiros trabalham no mesmo lugar onde se formaram, isso diminuí as oportunidades de trocas, deixa o ambiente menos diverso”, finalizou de Negri.

Relembrando a fala de Davidovich sobre importação de insumos, o representante da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Maurício Lopes, disse que algo semelhante está ocorrendo com fertilizantes, cuja importação vem sendo afetada pela guerra na Ucrânia. “Precisamos melhorar nossa capacidade de fazer previsões, senão pularemos de crise em crise. Nossas universidades precisam ser mais bem equipadas em análise aplicada de sistemas e modelagem matemática avançada, o que nos permitiria tomar decisões mais embasadas”.

Manoel Barral Neto, membro titular da ABC.

O Acadêmico Manoel Barral Neto, da Fiocruz, fez uma crítica à graduação brasileira, que forma profissionais que desconhecem a filosofia o método científico. Para ele, é urgente definirmos que tipo de formação queremos para o futuro, e não podemos deixar de lado as humanidades. Citando o problema do negacionismo durante a pandemia, Barral Neto avaliou que “se não incorporarmos as ciências humanas no debate, criaremos soluções perfeitas para ninguém utilizar”.

O economista Marcos Lisboa, professor do Insper, fechou a mesa com uma rápida fala onde argumentou que o desenvolvimento de políticas públicas brasileiras não é feito com base na ciência. Desde o processo de leilões públicos, passando pelo sistema educacional até o desenho das próprias instituições, tudo é feito sem levar em conta exemplos internacionais e com muito pouco debate técnico. “Ficamos presos aos grandes temas, aos chavões. Precisamos ter discussões sobre detalhes técnicos. Se tem uma coisa que sabemos sobre condução de país é que os detalhes importam, não são triviais”, argumentou.

Jerson Lima Silva, presidente da Faperj.

Mesa 2 – Os desafios da pesquisa orientada à missão no Brasil

A segunda mesa de debate foi moderada pelo também Acadêmico, Jerson Lima Silva, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), que começou lembrando da mão de obra qualificada e subutilizada que o Brasil possui. “Precisamos valorizar nossos jovens. Estamos perdendo muitos talentos para o exterior ou pior, para o subemprego”, disse.

O diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp, Carlos Américo Pacheco, destacou em sua fala do papel fundamental que a pesquisa básica continua tendo no modelo orientado à missão. “Quando definimos um desafio, utilizamos de todo o conhecimento disponível para enfrentá-lo. Precisamos entender todos os aspectos do problema e, para isso, sempre precisaremos da ciência básica”.

Falando sobre desafios específicos, a presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Márcia Perales, acredita que o bioma amazônico pode ser uma das missões brasileiras. O Fundo Amazônia+10, que financia pesquisa amazônica em diversas áreas, pode ser considerado um exemplo de estímulo a ciência orientada às missões. A palestrante defendeu que o desenvolvimento da região precisa ser, ao mesmo tempo, “economicamente viável, ecologicamente sustentável, politicamente democrático e socialmente justo” e que o grande desafio é “construir caminhos civilizatórios que respeitem a floresta e assegurem as condições de vida dos que lá habitam”.

Pedro Passos, cofundador da Natura e membro do Conselho Superior da Fapesp, seguiu na linha da missão amazônica. Ele trouxe exemplos de cadeia de inovação e produção sustentáveis na região, mas lembrou que “pequenos projetos não mudam a realidade local, é necessária uma visão mais sistêmica”. Passos enxerga muitas vantagens comparativas para o Brasil ser uma liderança no desenvolvimento sustentável, como uma matriz energética relativamente limpa e uma abundância de recursos naturais que geram créditos de carbono, mas lamenta que “muitas autoridades ainda acreditam em progresso movido a motosserra”.

Outra grande missão brasileira é a educação básica. Para tratar desse assunto, foi convidada a falar a presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, que afirmou que a educação básica no Brasil vive num mundo paralelo à ciência. À exemplo do que disse Marcos Lisboa, a palestrante afirmou que as decisões nessa área são muito pouco embasadas no melhor do conhecimento científico mundial e, para piorar, são sempre de curto prazo. Castro defendeu o edital PROEDUCA, lançado pela Fapesp em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo, como um exemplo de estímulo público à pesquisa sobre o tema.

Confira a matéria da Agência Fapesp sobre o seminário.