Confira trechos do artigo escrito pelo alumni da ABC Marcus Lacerda para a sessão Opinião do Jornal O Globo, publicado em 20 de janeiro. Lacerda foi coordenador do estudo que comprovou a ineficácia da cloroquina para o tratamento da Covid-19.

Cresci numa família que sempre dizia, em tom de brincadeira: “Vê se faz um serviço de branco desta vez”. Décadas depois, descobri que éramos racistas. O racismo estrutural se esconde nas pequenas piadas, que obviamente ofendem os negros, muitos deles até acostumados ao linguajar. Isso institucionaliza uma violência difícil de combater, porque sutilmente se mesclou à cultura do país.

Percebi, nos últimos dois anos, que o negacionismo seguiu um padrão semelhante. Existe o negacionista raiz, que sempre diminuiu os problemas da pandemia por convicções políticas. Mas muitos de nós somos estruturalmente negacionistas, sem perceber. Explico-me.

Quando a Itália nos disse que os cemitérios estavam superlotados, preferimos dizer que a pandemia lá era mais grave por causa da idade avançada dos italianos e porque estavam no inverno europeu. Na sequência, todos conhecemos o triste resultado da Covid-19 tropical.

Quando Manaus colapsou em março de 2020, nova onda negacionista acreditou que o problema se restringiria à misteriosa e distante Paris dos Trópicos. Quando a mesma cidade regurgitou casos, quase um ano depois, mais negacionismo estrutural, mesmo entre os experts. Resultado: seguiram-se mais de 4 mil mortos num único dia, por todo o país.

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Então surgiu a nova variante Ômicron, que se espalhou de forma imprevisível pelo globo terrestre. Países inteligentes já haviam vacinado quase 70% de sua população com pelo menos duas doses. Naturalmente, a maior parte dos casos foi mais branda, e a percepção subjetiva dos médicos, agora, era que a variante sul-africana era menos agressiva. Ora, só se pode concluir sobre a agressividade do novo vírus se estudarmos a infecção exclusivamente entre os não vacinados.

Perguntem a qualquer médico intensivista se a infecção por Ômicron, entre os pacientes não vacinados internados nas UTIs, é menos grave. A resposta será um redondo “não”. Queremos muito que novas variantes do novo coronavírus sejam mais brandas, mas a verdade é que tudo o que estamos vendo só tem uma explicação razoável: a vacinação, especialmente após um reforço. É ela, sozinha, que está salvando milhões de pessoas mundo afora, porque já não conseguem ficar presas em casa ou usar máscaras.

Enquanto nós, os especialistas em doenças infecciosas, não afirmarmos isso, alto e bom som, em uníssono, estaremos contribuindo para um negacionismo estrutural que permite a desinformação do movimento antivacina. A verdade mesmo é que está cada dia mais complicado para os negacionistas convictos se explicar e defender suas ideias, baseadas numa suposta liberdade de expressão. Até porque vários deles estão morrendo, e, como diz um amigo, “a morte é um argumento muito convincente”.

Leia o artigo completo no Jornal O Globo.