Criadora da ferramenta molecular que revolucionou a técnica de edição gênica, Emmanuelle Charpentier, prêmio Nobel de química em 2020, foi uma das convidadas para o Diálogo Prêmio Nobel América Latina e Caribe. O evento, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), reuniu estudantes da região para debater a carreira científica com laureados da maior honraria da ciência internacional.

A cientista francesa compartilhou com os alunos a experiência de décadas na profissão, valorizando a troca entre a comunidade científica internacional como forma de desenvolver a humanidade como um todo. Atualmente na Alemanha, sua carreira sempre foi marcada por mudanças – de área, instituição e país – que ela entende como cruciais para a expansão de seus horizontes.

Charpentier participou da sessão 2 do evento, moderada pelo diretor científico do Prêmio Nobel, Adam Smith. Cada um dos 15 alunos participantes teve a oportunidade de fazer uma pergunta sobre variados temas que permeiam a ciência.

Ciência na América Latina e Caribe

Apesar da origem diversa, todos os estudantes participantes compartilham obstáculos semelhantes na carreira científica. América Latina e Caribe são periféricos na ciência global e respondem por apenas 30 dos 600 prêmios Nobel em ciência.

Charpentier culpa a incapacidade de cada país em investir em ciência e tecnologia, que é fundamental para a soberania dos países e para o desenvolvimento humano de seus cidadãos. “Enquanto os governos não entenderem que apoiar a educação e a ciência é crucial para o desenvolvimento das sociedades, será difícil para as pessoas pensarem que podem fazer a diferença”.

Entretanto, outro efeito dessa discrepância é a atração que os grandes centros exercem sobre cientistas de todo o mundo, estimulando a interação. Essas trocas entre a comunidade científica servem para desenvolver profissionais que retornam para seus países e contribuem no avanço da ciência local. “Hoje em dia, a maior parte dos prêmios Nobel vão para instituições norte-americanas, mas não necessariamente para cientistas norte-americanos”, exemplificou Charpentier.

Importância da diversidade

Durante toda a sessão, a laureada reforçou os benefícios que diferentes perspectivas trazem para a prática científica. “A diversidade está diretamente ligada a inovação”, afirmou. “Se olharmos para a história da humanidade, percebemos a quantidade de avanços que vieram da interação com o novo e diferente. Por isso defendo que os times de pesquisa devam ser multifacetados”.

Foi destacada a mudança que vem ocorrendo no perfil dos cientistas ao redor do mundo. O estereótipo do cientista como um homem branco de jaleco vem, cada vez mais, cedendo espaço para mulheres e minorias étnicas. Entretanto, esse processo está incompleto, e Charpentier reconhece que dificuldades associadas à dupla jornada e horários inflexíveis ainda afetam, majoritariamente, mulheres e grupos marginalizados, sem uma rede de amparo social robusta.

A diversidade de pessoas está diretamente associada à diversidade de ideias e, por isso, a pesquisadora faz questão de aconselhar os jovens cientistas a multiplicarem seus interesses e acompanharem outras áreas além da própria. “Na pesquisa básica em biologia, eu preciso ter noção das pesquisas clínicas. A ciência é transversal, então não achem a pesquisa de agora definirá sua carreira inteira”.

Educação científica e saúde mental de cientistas

O caos comunicativo que tomou conta do mundo durante a pandemia é, segundo Charpentier, sintomático da urgência que a humanidade tem em popularizar a ciência. Para ela, a educação básica deveria ser mais focada em desenvolver senso crítico. “Estamos em um mar de superinformação, para navegá-lo é preciso ensinar as pessoas a se informar”, afirmou.

Outro ponto que a pesquisadora acredita ser negligenciado é a formação de novas gerações de cientistas. “Hoje em dia vejo poucos alunos querendo ser professores”, e alerta para uma imagem negativa que se constrói em cima da carreira científica: “Quando falamos sobre a carreira científica, sempre enfatizamos as dificuldades. Precisamos lembrar que a ciência é excitante.”

Perguntada por um participante sobre as altas taxas de ansiedade e depressão na academia, Charpentier reconheceu essa difícil realidade e atribuiu ao ritmo acelerado da ciência atual. “Estamos sobrecarregados com tantas ferramentas e isso gera estresse”, e pede que “professores e universidades não fechem os olhos para esse problema”.

 

Confira a sessão completa com Emmanuelle Charpentier no canal do Nobel no YouTube

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Os participantes da Sessão 2