O rondonense Carlos Augusto Mera Acosta nasceu em 1990 e viveu por um ano ainda na cidade amazônica de Guajará-Mirim, a 330km da capital Porto Velho. Viveu, então, por três anos em São Paulo, e em seguida, um ano no Rio. A família mudou-se então para uma fazenda ao norte da Colômbia, um lugar descrito por ele como “repleto de árvores, animais e muito espaço para brincadeiras”, onde viveu até os 20 anos de idade.

O contato constante com a natureza e a observação espontânea de inúmeros pequenos fenômenos acontecendo simultaneamente estimulou Carlos Augusto e seus irmãos a tentar entender seu entorno e a fazer perguntas incessantemente. Para ele, crianças são pequenos cientistas. “O interesse inconsciente pela ciência começa quando tentamos naturalmente construir hipóteses e descartá-las com base em evidências, originadas da experimentação ou simplesmente da observação empírica.”

E o ambiente familiar também ajuda. Uma das memórias de infância de Carlos Augusto era observar o pai, graduado em meteorologia e em física, analisar as reações químicas e tentar entender como separar compostos. Ele se lembra de livros de filosofia a que tinha acesso em casa, ou sobre curiosidades, que requeriam indagações em busca da compreensão dos fenômenos do dia-a-dia.

Com menos de 12 anos, Carlos e sua irmã participaram de um projeto do Departamento Administrativo de Ciencia, Tecnología e Innovación (Colciencias) que premiava as escolas com os melhores projetos de pesquisa propostos pelas crianças. Eles obtiveram destaque com um projeto focado no entendimento do efeito das pilhas AAA em pequenas flores e arbustos. “Conseguimos entender o grave efeito de alguns compostos das pilhas comuns em algumas plantas”, recordou. Dois anos depois, Mera terminou o colégio, graças a algumas provas de conhecimento e de inteligência, que lhe permitiram avançar rapidamente,

Sua irmã mais velha, que cursava a graduação em física, o levou um dia para conhecer o campus da Universidade do Atlántico, no norte colombiano. “Foi uma das experiências mais lindas que tive”, recordou. “Nessa visita, percebi a heterogeneidade de culturas das pessoas que ocupavam aquele mesmo espaço. Fiquei convencido de que queria entrar na universidade, entender as diferentes formas de pensar dos colegas e professores e, principalmente, ser cientista.”

No momento de escolha do curso, porém, Carlos Augusto teve muitas dúvidas. Mas foi o primeiro colocado para o bacharelado em física, o que o deixou apavorado: ele tinha apenas 15 anos, muitas perguntas para responder e pouca preparação para entender as respostas. “Ao contrário de muitos de meus colegas, eu não tinha lido ‘Uma breve história do tempo ’ou ‘O Mundo Assombrado Pelos Demônios’, não tinha escutado nada sobre buracos negros e não tinha compreensão ainda sobre conceitos fundamentais. Depois entendi que a vontade de aprender e a fascinação pela natureza são os requisitos mais importantes na física – e claro, na ciência”, afirmou.

Durante a graduação, Mera e alguns colegas criaram um grupo de estudos de astronomia, tema pelo qual nutria uma enorme paixão. Fez também um estágio de iniciação científica (IC) em um grupo de física da matéria condensada, onde trabalhou em modelos para entender a interação entre radiação eletromagnética e os elétrons no grafeno. “O grafeno estava muito na moda, por ter dado o prêmio Nobel de física e por ser uma grande promessa para a tecnologia”, comentou o Acadêmico, que teve sua pesquisa de IC publicada na Physical Review B da American Physical Society (APS).

Após concluir a graduação, em 2010, Mera decidiu voltar para seu país natal. Embora tivesse crescido fora do país e deixado de falar a língua portuguesa por muitos anos, acompanhar as vitórias da seleção brasileira nas Copas do Mundo sempre despertaram nele o desejo de voltar. “Sentir que era brasileiro me fazia sentir especial, feliz e importante.”

Concluiu o mestrado (2014) e o doutorado (2018) na Universidade de São Paulo (USP), com uma parte cursada no Fritz-Haber Institut der Max-Planck-Gesellschaft em Berlim, Alemanha. Mera destaca seu orientador, o Acadêmico Adalberto Fazzio, como uma das pessoas mais fundamentais no início de sua trajetória acadêmica. “Sempre serei muito grato pelos bons momentos na USP. O esforço e o trabalho me levaram ao reconhecimento com menção honrosa da tese de doutorado”, ressaltou.

Aos 31 anos, Mera já conta com dois pós-doutorados – um na Universidade Federal do ABC (UFABC), em 2018, e outro na Universidade do Colorado (UC, Estados Unidos), concluído em 2020, e uma especialização em aprendizado de máquina pela Universidade de Washington (EUA), realizada em 2017. Atualmente é pesquisador colaborador da Universidade Federal do ABC (UFABC) financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Até agora, a maior honra de sua carreira foi receber o título de membro afiliado da ABC. “A ABC representa muito do que eu acredito que deva ser a ciência e a comunidade científica e, atualmente, é sem dúvida a melhor plataforma para divulgar a pesquisa e estimular novos cientistas no país.” Ele avalia que há uma urgência de unificação da comunidade científica nesses tempos politicamente complexos que os brasileiros estamos enfrentando. “A interdisciplinaridade e as colaborações científicas são alguns dos caminhos necessários para estabelecer unidade, produzir trabalhos de alto impacto e provavelmente estimular maior investimento. Incentivar este tipo de trabalho é uma das formas como posso contribuir com a ABC”, afirmou.

Nos últimos anos, o físico vem se dedicando à área da spintrônica, que é baseada no uso do spin como elemento básico da tecnologia. “O spin pode ser pensado como um pequeno imã atômico, capaz de ser orientado em várias direções. “Assim, por exemplo, as direções para cima ou para baixo do spin podem substituir o ‘0 ’e o ‘1 ’usado no computador”, explicou o Acadêmico, referindo-se a sequência binária que compõe cada uma das informações processadas por um computador. “De forma geral, na minha pesquisa, uso modelos matemáticos, simulações computacionais e métodos de inteligência artificial para entender como controlar o spin, gerar correntes de spin e entender quais materiais são os

mais adequados para aplicações em spintrônica. Esta faz parte de área do estudo de materiais e suas propriedades, também chamada de física da matéria condensada”, explicou Mera.

No tempo livre, Mera se divide entre filmes, música e esporte. Elege Lars Von Trier, Lynch e Cronenberg como seus diretores favoritos, além de Hitchcock. Gosta de passar tempo com a esposa, companheira nas maratonas de filmes e que hoje se junta a ele e aos pais nas brincadeiras de Scrabble. Quando o assunto é música, ele tem preferência por jazz, blues e reggae, além de ouvir os gêneros nostálgicos que marcaram sua adolescência: ska e punk. Competitivo e amante de esportes, tem se dedicado ao ciclismo e ao tênis de mesa. Durante a pandemia, vem treinando em casa, principalmente, calistenia, que é um conjunto de exercícios físicos onde se usa apenas o peso do próprio corpo, procurando movimentar grupos musculares de maneira natural, sem utilização de halteres e similares.