Na noite da última terça-feira, 5 de outubro, ocorreu a 16ª edição do Prêmio Para Mulheres na Ciência, uma iniciativa da L’Oréal Brasil com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Unesco. Por conta da pandemia de coronavírus, esta foi a segunda cerimônia realizada online. Pela primeira vez, mulheres das cinco regiões do país foram contempladas.

A premiação reconhece anualmente sete cientistas brasileiras com a concessão de bolsas-auxílio no valor de 50 mil reais para cada uma, para apoiá-las na continuidade de suas pesquisas. Os trabalhos vencedores foram escolhidos entre mais de 500 projetos inscritos de todo o Brasil, nas áreas de ciências da vida, química, física e matemática. Esse ano, temas como a restauração do Pantanal, a vigilância de doenças virais transmitidas por insetos e o uso de algoritmos para monitoramento dos dados da pandemia de COVID-19 foram escolhidos.

Renata Capucci e Marcelo Zimet na entrega do prêmio à Lilian Catenacci.

Ao longo de 16 anos de projeto, o prêmio já incentivou 110 pesquisadoras, com um montante de 5,7 milhões de reais em bolsas. Entre as vencedoras da 16ª edição, está a Acadêmica Thaisa Sala Michelan, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Sua pesquisa consiste em percorrer cursos de água natural para identificar as espécies de plantas aquáticas existentes e entender como as atividades humanas impactam a existência dessas plantas. Além de Michelan, juntam-se ao time: Letícia Couto (UFMS), Lilian Catenacci (UFPI) e Marta Giovanetti (Fiocruz), também na área de ciências da vida; Ana Cecília Albergaria-Barbosa (UFBA), das ciências químicas; Ingrid Barcelos (CNPEM) da ciências físicas; e Fernanda De Bastiani (UFPE) da área da matemática. Conheça melhor as vencedoras e suas pesquisas aqui.

As laureadas Giovanetti, De Bastiani, Albergaria-Barbosa, Michelan, Barcelos e Couto.

Por trás do processo de escolha estão os membros titulares da ABC que compõem o júri: Aldo Ângelo Moreira Lima (UFC), Angela Maria Vianna Morgante (USP), Belita Koiler (UFRJ), Cid Bartolomeu de Araújo (UFPE), Jailson de Andrade (UFBA/Senai-Cimatec, vice-presidente para a região Nordeste & Espírito Santo), Lucia Previato (UFRJ, vice-presidente para o Rio de Janeiro), Luiz Davidovich (UFRJ, presidente da ABC), Luiz Drude de Lacerda (UFC), Mara Helena Hutz (UFRGS), Marcelo Viana (Impa), Marcia Barbosa (UFRGS, diretora da ABC), Maria Domingues Vargas (UFF), Mercedes Bustamante (UnB), Rosália Mendez-Otero (UFRJ) e Santuza Teixeira (UFMG).

Marcelo Zimet, primeiro presidente brasileiro da L’Oréal Brasil, defendeu uma sociedade científica mais diversa, inclusiva e pautada na tecnologia: “Acredito que a felicidade seja um conceito coletivo; por isso, todos temos responsabilidade no combate à desigualdade.” Zimet afirmou estar orgulhoso dos resultados desta edição, a primeira desde que assumiu o comando da empresa, em abril de 2021: “São programas como esse que buscam reconhecer, empoderar e dar visibilidade para mulheres incríveis, que inspiram toda a nossa sociedade.”

 

Marlova Noleto, diretora da Unesco Brasil, destacou a importância simbólica do prêmio, principalmente em anos de desafios, como 2020 e 2021. A diretora da Unesco Brasil aproveitou seu tempo de fala para homenagear não apenas as cientistas, como todas as profissionais da área da saúde, que desempenharam sua função com louvor nos últimos 18 meses: “Não podemos deixar de mencionar o papel das mulheres na linha de frente: às infectologistas, médicas, enfermeiras, pesquisadoras. A pandemia aprofundou o fosso das nossas desigualdades, mas foi por meio da ciência e da cooperação internacional que chegamos às tão sonhadas vacinas”. Em sua fala, a assistente social reforçou o compromisso da Unesco com a igualdade de gênero na ciência para as próximas gerações.

Esse ano, pela primeira vez, a premiação aumentou o prazo de conclusão de doutorado para abraçar a inscrição de cientistas mães. Para Luiz Davidovich, presidente da ABC, esse novo adendo é um grande passo para um futuro mais igualitário dentro dos laboratórios: “Os tempos mudam e precisamos fazer com que eles mudem rapidamente na direção do que queremos. Este prêmio é uma proposta científica e civilizatória, uma iniciativa que ajuda a mudar o mundo. E para mudar o mundo, precisamos lutar contra as desigualdades sociais, contra o desmatamento, que acentua as mudanças climáticas, entre outros fatores.”

Já no escopo da ABC, Davidovich afirma que a instituição busca cada vez mais atingir uma equidade de gênero dentro de sua membresia. Entre os novos membros afiliados, jovens cientistas de menos de 40 anos que são eleitos e ficam associados à ABC por cinco anos, 43% são mulheres. Elas fazem parte de um total de 18% de mulheres membros da ABC incluindo todas as categorias. “Queremos que essa tendência continue, para termos uma equidade de gênero na ABC”, ressalta Davidovich. “Mas o caminho é longo. Queremos também mulheres ocupando grandes cargos em órgãos de financiamento de pesquisa, em organizações que incentivam o conhecimento científico, como a SBPC e a própria ABC. Eu sonho com uma mulher presidente da Academia.”

O evento contou também com a presença de duas grandes mulheres da ciência brasileira: a diretora da ABC Marcia Barbosa e a biomédica Jaqueline Goes de Jesus, responsável por coordenar a equipe que sequenciou o genoma do Sars-Cov2 apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso da doença no país. As cientistas compartilharam as dificuldades enfrentadas durante o início de suas jornadas, onde sempre foram colocadas em posição de inferioridade: Barbosa lembra que sempre foi considerada “esforçada”, apesar de ter um dos melhores desempenhos da turma; já Góes teve que lidar com outra questão: o racismo. “Enquanto mulher e profissional negra, eu escolhi trilhar um caminho em um ambiente muito embranquecido. Eu soube disso desde o começo da graduação, que foi quando eu entendi que ia precisar ser muito melhor do que os outros colegas – e isso foi meu combustível”, lembrou a biomédica.

Considerada uma das mulheres mais influentes do país, Barbosa diz ter dois aspectos favoritos na ciência: o primeiro é a colaboração, a oportunidade de debater com pessoas do mundo todo. O segundo momento é mais individual: o prazer da descoberta. “Quando você se dá conta de que é a primeira pessoa no mundo a descobrir aquilo… Eu costumo dizer que é um orgasmo”, define a física. Segundo ela, hoje as mulheres já estão mais conscientes da necessidade de integração entre si para a ascensão dentro do ambiente de trabalho.

No ponto de vista de Góes, o que falta na pesquisa brasileira é uma consciência dos fatores externos, que influenciam na forma como a ciência é feita, divulgada e compartilhada. “Para mim, a ciência brasileira é uma adolescente vaidosa, que se olha muito no espelho, mas não percebe que a grande coisa da juventude é compartilhar com os outros ao redor. Precisamos abrir mais espaço, entender a realidade em que a ciência está inserida, para termos mais oportunidades”, define a biomédica. “Nós levamos tudo de modo muito solitário. Precisamos apoiar umas às outras, agir em prol da inclusão.”

Para as laureadas, a participação feminina na ciência pode ser descrita por uma única palavra: resiliência. Representando as sete pesquisadoras, Letícia Couto agradeceu às instituições pelo reconhecimento e pelo investimento em suas carreiras. “Esse prêmio significa apoiar a vida de mulheres e sua obstinação para a ciência. O dia de hoje será sempre lembrado por nós com gratidão e será um incentivo para persistirmos, mesmo quando tudo parecer desmoronar. Quando nos sentirmos culpadas por não dar atenção suficiente para família ou filhos, esse prêmio nos fará lembrar que tudo vale a pena.” Emocionada, a ecóloga afirma o desejo das vencedoras de servirem de inspiração para as jovens cientistas. 

Já nas considerações finais, a apresentadora Renata Capucci parabenizou as cientistas, reconhecendo seus trabalhos “únicos, conduzidos com paixão e brilhantismo”, e ressaltou: “Precisamos sempre lembrar que um país com mais ciência é um país com mais soberania. É a maior riqueza que um país pode ter, porque é ela que vai trazer soluções e diminuir desigualdades.”