O Ciclo de Debates sobre o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação – Desafios e Dificuldades na Implementação chegou ao fim no dia 27 de agosto, após três dias de conversas intensas entre cientistas, setor privado e tomadores de decisão. O sexto e último painel, “Prestação de contas – desafios enfrentados e o papel dos órgãos de controle” contou com a presença de Evaldo Ferreira Vilela, membro titular da ABC e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Vilela, que já tem mais de 50 anos de experiência como pesquisador, reservou sua apresentação para um depoimento pessoal sobre o ambiente científico. Ele destacou a importância e os muitos desafios que cercam a prestação de contas, uma atividade importante não apenas para os órgãos de controle, mas também dentro das instituições de fomento à pesquisa.

Pensando nisso, foi criado um grupo de trabalho em prestação de contas do CNPq, uma iniciativa realizada em parceria com a Advocacia Geral da União (AGU) e a Controladoria Geral da União (CGU), que visa realizar um trabalho muito profundo e necessário para a instituição através de análises com envolvimento de diversas áreas técnicas. O projeto já conta com uma minuta da consolidação de contas, que aborda, além da prestação de contas, dados de avaliação e monitoramento – instrumentos a que antes o CNPq não tinha acesso. “O controle é absurdamente necessário. Nós exigimos muito dos órgãos de controle, mas também precisamos fazer nossa parte”, disse o Acadêmico, justificando a criação da iniciativa.

A ideia é fruto de uma percepção da dificuldade em atender a todas as exigências em termos de controle, algo já característico  da produção em ciência, tecnologia e inovação. Antes do Marco de CT&I, a situação era ainda mais complicada. Hoje, o maior desafio está em estabelecer parcerias com as entidades que ainda não aderiram ao Marco – que, de acordo com o pesquisador, são muitas. 

Na visão de Vilela, um dos maiores problemas enfrentados pelos cientistas no Brasil é a incompreensão da ciência pela sociedade: “Falamos muito da ciência como algo importante para o PIB e para o processo civilizatório, mas no Brasil, em geral, ainda há um entendimento muito baixo do que é ciência e tecnologia. Isso acaba nos prejudicando muito  o estabelecimento de um diálogo direto com a sociedade, que torne o discurso científico compreensível”.

O Acadêmico define a atividade científica como a capacidade de “lidar com o desconhecido”. “É uma pergunta que a gente faz para a natureza. Recebemos uma inspiração e a partir dela construímos uma hipótese, desenvolvendo o método científico.” Segundo ele, a produção científica é uma atividade que se destaca das demais por trabalhar com uma maior flexibilidade nos passos – o que não acontece, por exemplo, nas construções civis. A probabilidade de um erro ou de a pesquisa tomar um rumo diferente do que foi planejado inicialmente é algo que precisa ser compreendido, para que não seja criado um ambiente de medo para pensadores e instituições. “A ciência não é melhor do que nenhuma atividade, mas ela é diferente”, afirmou Vilela.

O medo no ambiente científico pode acabar gerando conflitos na relação entre o setor público e o privado, uma parceria que se tem demonstrado cada vez mais fundamental para a construção da inovação. O conhecimento gerado nas universidades, com o auxílio de agências de fomento como o CNPq, só terão valor caso as empresas se apropriem dele para a produção de inovação. Apesar do medo dos cientistas de ver suas ideias se transformarem em “negócios”, não é a universidade que ajuda a empresa; é a empresa que ajuda a universidade, pois agrega valor ao que ela produz. “Esse vínculo é umbilical e não pode ser criminalizado por nenhuma das partes. Tem muita dignidade no que é feito”, defendeu o Acadêmico. 

Essa relação, ainda hoje, vem carregada de preconceito – fruto da ignorância acerca do papel da universidade no desenvolvimento do país. O presidente do CNPq explicou que isso acontece porque o Brasil nunca teve um plano de desenvolvimento baseado no conhecimento, algo que o TCU está tentando mudar.

Vilela criticou a falta de constância no fluxo de verbas para CT&I, mas afirmou que isso não é justificativa para deslegitimar a prática científica: “Apesar de nunca termos tido o apoio ou fluxo financeiro exigidos pela pesquisa – em um momento, tínhamos muito dinheiro, em outro, nenhum -, isso não pode justificar a desconfiança nas nossas práticas. As práticas científicas não são triviais, usuais, como as de quem constroi um prédio. Elas necessitam de capacitação e entendimento.” 

“Precisamos analisar se o termo ciência e tecnologia está sendo utilizado de forma correta: a busca por alguma coisa que vai chegar em algum lugar”, alertou o Acadêmico, ao questionar se a capacitação de pensadores está sendo feita de forma correta. Segundo ele, um pensador não pode ser limitado a compras: “Muitas vezes, ele tem que comprar algo que não estava sendo pensado – o que, muitas vezes, acaba gerando um resultado inesperado, porque ele trabalha com o desconhecido. Será que a nossa gente tem cultura para entender isso?”, questionou.

Ao fim de sua apresentação, Vilela fez um apelo para que o resultado científico seja o produto valorizado, independente de notas fiscais ou carimbos. “É isso que deve ser levado em conta, e não quanto foi gasto em um freezer, por exemplo. Ele contribuiu para um resultado. Qual foi o esforço que conseguimos realizar para atingir isso? Porque a ciência sempre nos leva a algum caminho: um que dá certo e outro que não dá certo”, defendeu o Acadêmico.

Atualmente, o CNPq está fazendo esforços para que o resultado das pesquisas chegue ao mercado, encaminhando o conhecimento produzido nos papers para que eles consigam transpor o “vale da morte” e atingir seu objetivo principal: gerar benefício para a sociedade.

 


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