A 27ª edição da série de webinários da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no dia 3/11, contou com a participação de profissionais e pesquisadores das áreas da arquitetura, engenharia e ciência da computação. Eduardo Marques (USP), Margarida Campolargo (CEO Pointify-PT), Paulo José Pereira Curado (CPQD) e Luiz Satoru Ochi (UFF) discutiram os múltiplos significados do conceito de cidades inteligentes e seus benefícios para a sociedade. O evento foi coordenado pelo Acadêmico José Roberto Boisson de Marca.

A ciência no centro das cidades inteligentes

Professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (DCP-USP) e diretor do Centro de Estudos da Metrópole (Cepid/Fapesp), Eduardo Marques se dedica ao estudo de políticas públicas e urbanas. A desigualdade existente nas cidades brasileiras, segundo ele, impede o alcance do conceito ideal de cidades inteligentes. Problemas como a segregação socioespacial, poluição, restrições o acesso a serviços públicos e o crime organizado bloqueiam o desenvolvimento de cidades de forma funcional e com equidade.

Para o engenheiro e sociólogo, é difícil imaginar a solução para um conjunto de problemas urbanos sem resolver a inequidade. Nesse sentido, a ciência e a tecnologia ocupam papéis centrais para a formulação de políticas públicas que ajudem a equilibrar o acesso a direitos pela população. “O desenvolvimento da ciência e de novas soluções são importantes para a entrega de bens e serviços”, destacou Marques.

Uma ciência sensível às demandas sociais é fundamental para que haja desenvolvimento de sistemas de integração tarifária, novas redes de veículos urbanos, corredores de ônibus, por exemplo, que são alcançados graças ao desenvolvimento tecnológico. “Essas soluções técnicas devem estar sempre integradas à regulação pública, a quem faz a política e a entrega aos cidadãos”, afirmou Marques.

Para o ano de 2021, Marques não está otimista. “Será um período em que as cidades brasileiras viverão uma tripla crise por meio dos efeitos da pandemia, problemas na economia nacional e a retirada de políticas públicas urbanas pelo Governo Federal.”

Cidades humanas, criativas e sustentáveis

“Cidades são organismos vivos”, disse Margarida Campolargo, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis (IBCIHS). Campolargo também atua como CEO de empresa portuguesa, a Pointify, da área do turismo e inovação social.  Para ela, pensar em cidades inteligentes requer uma visão holística de toda a conjuntura que abrange uma área urbana.

“Nossas cidades sofrem problemas com os quais ainda não sabemos lidar com de forma objetiva pela falta de dados”, argumentou a pesquisadora. Com um olhar mais sensível aos indivíduos que habitam a cidade, Campolargo apontou o isolamento e o descontentamento social nas cidades como questões importantes a serem consideradas. “Proponho que se sinta o pulso da cidade. Temos que ter mais capacidade para ouvir o que nela se passa e entender para então propor soluções”, disse.

Programas de políticas públicas que levem em conta uma cidade humana, viva, inteligente e criativa são essenciais, segundo Campolargo, para qualquer cidade. “Temos que ser capazes de servir aos cidadãos da melhor forma, oferecendo qualidade de vida, oportunidade de trabalho, conforto e inclusão social”, afirmou. Nessa perspectiva, a iniciativa de órgãos públicos, a inovação em empresas, universidades, indústrias e a participação científica devem ser estimulados. “Não podemos pensar a tecnologia como um fim em si, mas voltada para o bem-estar social”, afirmou.

Desenvolvimento em cenários complexos

Paulo Curado é diretor de inovação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), que desenvolve tecnologias com propósito de riqueza e progresso para a sociedade. Para ele, a cidade inteligente depende da atuação dos cidadãos, dos gestores públicos e dos fornecedores de tecnologias e serviços.

“O foco das cidades inteligentes deve ser sempre nas pessoas”, afirmou Curado. Segundo ele, em um ambiente de transformações constantes, como no caso da pandemia de COVID-19, o maior desafio é encontrar modelos econômicos que funcionem na complexidade. “Os principais atributos de uma cidade inteligente são a sustentabilidade social, econômica e ambiental”, afirmou.

Um exemplo de cidade inteligente e sustentável dado por Curado foi Campinas, no interior do Estado de São Paulo. No Ranking Connected Smart Cities, em 2019, Campinas apareceu como a cidade mais inteligente do Brasil, com destaque na economia, tecnologia e inovação, empreendedorismo, governança e mobilidade. “Temos um projeto de implantar o ‘Campinas Digital’, uma plataforma que vai conectar vários órgãos que fornecem serviços públicos para oferecer mais informações para os cidadãos”, relatou Curado.

Inteligência computacional para cidades

“Em uma cidade inteligente, devemos tornar o presente e o futuro mais conscientes e efetivos do que o passado”, pontuou Luiz Satoru. Ele é professor titular do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e se dedica aos estudos de inteligência computacional, problemas logísticos que interferem em tomadas de decisão, otimização combinatória e do setor de petróleo e gás.

Satoru destacou que um dos grandes problemas das cidades é a mobilidade. Associado a essa questão, estão os problemas ambientais e a demanda por energias renováveis. “Falta incentivar e criar estruturas para o uso de bicicletas, incentivar sistemas de caronas por aplicativos e implementar um transporte público melhor para pessoas com limitações físicas”, disse.

O uso de drones para a promoção de serviços públicos essenciais, como atendimentos emergenciais de saúde, é uma medida tecnológica importante a ser incorporada nos grandes centros, dado o tempo gasto no trânsito. Para Satoru, é possível o uso de drones para atendimento médico monitorado e transporte de órgãos.

“Quando falamos de cidades inteligentes, falamos de parcerias entre os órgãos públicos”, afirmou Satoru. Em conjunto com diversas universidades e instituições de pesquisa, ele e outros pesquisadores criaram no início de 2020 um centro de excelência em transformação digital, o Hub Rio https://www.parque.ufrj.br/parque-recebe-o-workshop-centro-de-excelencia-em-transformacao-digital-e-inteligencia-artificial-do-estado/, que está sendo estabelecido na Coppe/UFRJ com apoio da Faperj e apoio de empresas. “São iniciativas como essa que trazem frutos e nos ajudam em pesquisas que trabalham com temas que envolvem a pandemia”, ressaltou o cientista.