O tema da 24ª edição dos webinários da ABC, que aconteceu no dia 15/9, foi “Doenças parasitárias tropicais: fármacos, vacinas e acesso”. Estas doenças estão presentes em 150 países, em maioria, na faixa tropical do planeta, e são causadas por vírus, bactérias e parasitos que atingem grande parte de populações vulneráveis, com pouco acesso ao saneamento básico. A malária, a leishmaniose, a doença de Chagas, a tuberculose e a esquistossomose são alguns exemplos de doenças que precisam receber atenção governamental para a produção de medicamentos e vacinas.

Para conversar sobre o contexto dessas doenças na saúde pública, a Academia Brasileira de Ciências convidou os Acadêmicos Luiz Carlos Dias e Santuza Maria Ribeiro Teixeira, e as pesquisadoras Irene da Silva Soares e Andrea Marchiol.

Estudos sobre o genoma e vacinas para doença de Chagas

A doença de Chagas foi descrita pela primeira vez pelo cientista Carlos Chagas em 1909. Até hoje, a doença continua sendo um problema de saúde pública que, segundo dados do Instituto Oswaldo Cruz, é responsável pela morte de cerca de 14 mil pessoas por ano. A Acadêmica Santuza Teixeira, professora titular do Departamento de Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) participa dos esforços para encontrar novos tratamentos para a doença. Ela fez parte de um consórcio internacional que sequenciou o genoma de vários protozoários parasitas e se dedica ao estudo do Trypanosoma cruzi, o agente causador da doença de Chagas.

Ainda hoje, existem desafios para a criação de uma vacina que gere uma proteção contra o parasito.  “Descobrimos que o Trypanosoma cruzi desenvolve um mecanismo que lhe permite escapar da resposta imune do organismo humano”, disse a Acadêmica. Uma alternativa encontrada pelos cientistas foi criar uma vacina para um dos reservatórios da doença, o cão. “Em curto ou médio prazo é possível que tenhamos uma vacina para a doença de Chagas em cães, o que pode ajudar a diminuir a transmissão domiciliar”, anunciou Santuza. Para a biologia, o termo “reservatório” se refere a um hospedeiro de um agente causador de alguma doença que possa ser transmitida a humanos.

Apesar dos esforços de cientistas brasileiros no desenvolvimento de tecnologias para combater a doença, como a própria Santuza e outros Acadêmicos, os entraves políticos impedem novos avanços. “A pandemia de COVID-19 escancarou a nossa deficiência. Ficou claro o absurdo de não produzirmos nossos próprios insumos e nossos problemas de financiamento à ciência”, disse Santuza. Por outro lado, a pesquisadora acredita que a pandemia também ajudou a revelar a competência da ciência brasileira. “Os trabalhos desenvolvidos contra as doenças parasitárias são um exemplo”, afirmou.

A criação de uma vacina para malária e seus desafios

Outra doença que preocupa cientistas sanitaristas é a malária. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas no ano de 2015 foram registrados 438 mil óbitos e 214 milhões de casos de malária. A pesquisadora Irene da Silva Soares, doutora em microbiologia e imunologia, atua na área de protozoologia de parasitos, uma ramificação da zoologia para o estudo de protozoários. Entre eles, estão os Plasmodium, espécies de protozoários causadores da malária.

O Plasmodium vivax é a espécie presente em diferentes continentes, como a América do Sul, e é, para a pesquisadora, o protozoário da malária mais negligenciado em relação ao desenvolvimento de medicamentos e vacinas. “Existem apenas duas vacinas sendo desenvolvidas para a espécie vivax”, disse Irene, que é responsável por coordenar um dos grupos que se dedica à aplicação de testes de resposta imune em camundongos. “A partir desses testes conseguimos chegar a uma proteína que foi capaz de gerar uma resposta imune nos organismos de camundongos e coelhos”, disse. Agora, o grupo enfrenta o desafio de encontrar empresas que se interessem pelo desenvolvimento da vacina no Brasil, um outro entrave para a aplicação da pesquisa básica. “Com a demora para o desenvolvimento de vacinas, acabamos perdendo a competitividade com laboratórios estrangeiros”, alertou.

Os casos de malária também preocupam cientistas que estudam a interação de novas infecções de malária com a pandemia de COVID-19. “Houve um aumento do número de casos de malária em 2020 e provavelmente isso se deve à interrupção das medidas de controle nos países”, disse Irene Soares. A prevenção, o diagnóstico, controle dos vetores e o tratamento são algumas das ferramentas para evitar a propagação dos protozoários. “Ao longo de duas décadas, essas medidas têm permitido que os casos fossem reduzidos em 50 por cento”, disse.

A ciência salva vidas

O Acadêmico Luiz Carlos Dias é professor titular na Universidade Estadual de Campinas e atua na área de química medicinal. Em 2012, ele foi chamado para colaborar com duas instituições estrangeiras voltadas para o tratamento de doenças parasitárias tropicais negligenciadas, por meio do desenvolvimento de fármacos. A Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês para Drugs for Neglected Diseases initiative) e o Empreendimento de Medicamentos para Malária (MMV, em inglês, Medicines for Malaria Venture) têm, segundo o Acadêmico, o objetivo de levar candidatos a medicamentos a fases de ensaio clínico.

“As duas organizações têm enfoques diferentes, mas contribuem para salvar milhões de vidas  ameaçadas por doenças parasitárias no mundo”, disse o Acadêmico. Enquanto a DNDi já foi responsável por tratamentos de leishmaniose, HIV, doenças de Chagas e outras enfermidades, a MMV tem o foco em malária. “Temos parcerias com as duas iniciativas para a leishmaniose e a malária e tentamos desenvolver medicamentos orais baratos, sem resistências, efeitos colaterais e, o mais importante, de dose única”, afirmou Dias. Esse tipo de medicamento poderia evitar boa parte da mortalidade infantil na África, por ser acessível a populações diversas no mundo.

Para Dias, além do desenvolvimento de medicamentos, as condições de vida das pessoas precisam ser melhoradas. “Na área de doenças parasitárias, o saneamento básico é muito importante”, disse. “É preciso que todos tenham acesso à água potável e a uma série de medidas que são memo anteriores a medicamentos e vacinas, são as boas práticas de saúde pública”, afirmou.

Desafios para tratamentos de doenças tropicais

“Temos hoje um cenário inquietante em relação a doenças negligenciadas, há muitas barreiras para o tratamento de pessoas doentes”, disse Andrea Marchiol, gerente de projetos de acesso para doença de Chagas da DNDi na América Latina. Segundo ela, ainda há muitos desafios para estabelecer tratamentos contra doenças tropicais. “As barreiras são sistêmicas, estruturais, clínicas e psicossociais”, afirmou.

Dentre os desafios que ela destacou estão problemas de abastecimento de insumos, sistemas de saúde limitados, tratamentos com efeitos adversos e até a marginalização de quem convive com essas doenças. “É urgente a implantação de políticas de saúde que respondam à necessidade de pessoas afetadas por essas enfermidades”, afirmou Marchiol. Por meio da DNDi, ela tem apoiado trabalhos que implementam diagnósticos e tratamentos em alguns países. “Às vezes, temos progressos ou retrocessos e temos que conviver com dificuldades para garantir recursos humanos, com a limitação de sistemas de saúde e a transição de governos”, exemplificou ela. “Nesse cenário, o papel da pesquisa e da inovação, em especial, voltadas para pacientes negligenciados e saúde pública, é essencial” disse Marchiol.

Ao encerrar esta edição dos webinários da ABC, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, lembrou a importância das diversas agências de fomento à pesquisa que ajudaram na formação de profissionais competentes. Estes são os que, hoje, atuam no combate de doenças tropicais parasitárias. “Existe uma comunidade científica no Brasil disposta a trabalhar, mas que, devido a inúmeros cortes de financiamento, não tem chance de desenvolver suas pesquisas”, disse Davidovich.