“Saúde e Meio Ambiente: poluição, saneamento e economia circular” foi o tema da 18ª edição dos webinários da Academia Brasileira de Ciências (ABC), realizada no dia 4/8. A série com o tema geral “Conhecer para Entender: o mundo a partir do coronavírus” consiste em encontros semanais que reúnem Acadêmicos e especialistas de diversas áreas para debaterem sobre a nova realidade imposta pela pandemia.

Esta edição contou com coordenação do Acadêmico Francisco Laurindo, diretor da ABC.

Os apresentadores foram o Acadêmico Paulo Saldiva, médico patologista e pesquisador de doenças respiratórias, saúde ambiental, ecologia aplicada, cidades e saúde urbana na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); o Acadêmico José Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental e secretário municipal de meio ambiente, ciência, tecnologia e inovação da Prefeitura de São Carlos, em São Paulo; e Carlos Chernicharo, professor titular aposentado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT ETEs Sustentáveis).

 A história do saneamento no Brasil

Com experiência na área de engenharia sanitária e em tratamento de águas residuárias, Carlos Chernicharo apresentou um panorama sobre o cenário atual e histórico do saneamento básico no Brasil. Segundo ele, há um enorme déficit em todos os serviços prestados pelas empresas de saneamento à população, notadamente no abastecimento de água, no esgotamento sanitário e no gerenciamento dos resíduos sólidos, além das grandes deficiências no manejo das águas da chuva, com problemas recorrentes de inundações. Os dados em relação a essa realidade são alarmantes e foram criados ao longo de décadas por uma desatenção do poder público à saúde de populações, especialmente as que vivem em regiões vulneráveis.

“Temos 35 milhões de brasileiros sem abastecimento de água e 100 milhões sem coleta de esgoto”, disse Chernicharo. Esses números se somam, ainda, aos mais de 60% dos municípios do Brasil sem disposição adequada de resíduos sólidos. Isso significa que nesses locais o resíduo é depositado em lixões, cursos de água e terrenos baldios, o que afeta o meio ambiente e a saúde das pessoas, em decorrência da geração e contaminação pelo chorume e pelos gases gerados a partir da decomposição da matéria orgânica presente nos resíduos sólidos. A atração de vetores transmissores de doenças é outro grande agravante.  “Houve um vácuo de mais de 20 anos em termos de políticas públicas e de investimentos no setor de saneamento no Brasil e isso explica os números de baixa cobertura que temos hoje”, afirmou. E há falta de assistência especialmente a quem mais precisa, as populações que vivem em situação de pobreza, que muitas vezes residem em lugares onde a instalação dessa infraestrutura custa mais caro. “Há omissão do Estado em garantir o direito humano à água e ao saneamento”, disse o pesquisador.

Ele defendeu o reúso da água e o aproveitamento dos subprodutos originados a partir do tratamento do esgoto com base na ciência. Segundo ele, é possível transformar os nutrientes presentes no esgoto em fertilizantes naturais para a agricultura e utilizar os bioindicadores também presentes no esgoto para o diagnóstico de doenças e hábitos de determinada população. “A epidemiologia baseada no esgoto pode ser utilizada para muitas aplicações, como para monitorar o consumo de drogas e até a presença do novo coronavírus, de forma regionalizada nas cidades. Uma espécie de testagem indireta da população que contribui com esgotos para os locais em que se faz o monitoramento”, exemplificou o especialista. “Poderíamos gerar fontes de recursos com o aproveitamento dos subprodutos do tratamento do esgoto e identificar, de forma precoce, a partir do monitoramento do esgoto, a circulação do vírus em uma determinada região, auxiliando as autoridades de saúde na tomada de decisão”, argumentou Chernicharo.

A falta de aceitação social, no entanto, é também uma dificuldade apontada por Chernicharo para a democratização do acesso ao saneamento é. “Ninguém quer ter uma estação de tratamento de esgoto ou um aterro sanitário perto de casa”, disse. “Para mudar esse pensamento, é necessário que haja a atuação de cientistas sociais, de modo a promover a conscientização e garantir a geração de benefícios palpáveis à população”, completou.

 O novo coronavírus e a poluição do ar

 “As pandemias são fruto de uma conjunção de fatores que vão muito além da interação entre a biologia de um vírus ou uma bactéria e o organismo humano”, disse Paulo Saldiva. A domesticação de animais, o aumento da densidade populacional e a falta de saneamento básico adequado, segundo o Acadêmico, são fatores que podem contribuir para o surgimento de pandemias, como a que está ocorrendo hoje. O médico é autor do livro “Vida Urbana e Saúde: os desafios dos habitantes das metrópoles”, em que analisa os principais problemas que atingem os aglomerados urbanos e suas consequências.

A peste negra, o ebola, os vírus influenza, a varíola e a COVID-19 marcaram a história recente da humanidade com epidemias e, em maior grau, pandemias relacionadas à interação com novos ecossistemas. “Cada vez mais temos cidades mais aglomeradas, com falta de saneamento e insistimos em ter contato com animais silvestres, de onde vêm novos agentes infecciosos”, disse Saldiva. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Sars-CoV-2, o vírus causador da COVID-19, tem como hospedeiro natural os morcegos.

Ainda sobre as pandemias que afetaram a humanidade, o Acadêmico apontou mudanças relativas ao intervalo entre o aparecimento de novos surtos. No século XX, houve a gripe espanhola, que chegou a durar um século. Em 2009, houve a pandemia provocada pelo vírus H1N1, provocando um quadro severo de gripe pelo mundo. Agora, há o Sars-CoV-2, o novo coronavírus. “De duas pandemias por século, passamos a ter duas pandemias por década”, disse o médico.

O novo coronavírus, em particular, é transmitido por gotículas e aerossóis produzidos pela fala, espirros e respiração. Saldiva relatou que foi observada a presença do vírus em partículas de poluição do ar, uma sentinela da emissão do Sars-CoV-2 em populações urbanas. “Estudos em várias cidades também mostraram que o surgimento de novos casos de COVID-19 é influenciado pela poluição, mas não se sabe como isso ocorre”, afirmou.

 As questões sanitárias do Brasil

 “O saneamento básico é fundamental para a saúde humana e para a qualidade de vida das pessoas”, afirmou José Tundisi. O biólogo alertou para a condição em que vive a população humana em metrópoles aglomeradas, mas também lembrou das zonas rurais, lugares onde há um afastamento das condições de saneamento básico no Brasil. “Me deparei com inúmeros casos de degradação da saúde humana por doenças de veiculação hídrica causadas pela falta de saneamento nesses locais”, disse. Essa realidade é comum, segundo Tundisi, a seis milhões de brasileiros que não tem acesso a um sistema adequado de tratamento de água.

Para além da falta de abastecimento, o Acadêmico acredita que o país também está defasado em relação ao reuso da água, como a coleta da água da chuva nas cidades, que poderia ser utilizada para o abastecimento público. “Para isso, bastam tecnologias de baixo custo, mas envolveria aceitação social e viabilidade institucional”, afirmou.

Tundisi participou de um estudo feito em parceria do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) com a Direção Geral de Pesquisa e Inovação da Comissão Europeia que apresentou ideias adequadas às diversas realidades brasileiras. “São os parques urbanos, áreas florestadas que possibilitem a recarga de aquíferos urbanos, e o tratamento de esgoto, de modo a permitir o desenvolvimento de uma engenharia de saúde pública”, relatou.

A educação ambiental e sanitária da população é outro fator que pode contribuir para o desenvolvimento da saúde humana em diferentes localidades. “Estamos aprendendo com a pandemia, muitos procedimentos de prevenção estão sendo transmitidos à população”, disse Tundisi. “Espero que as pessoas fiquem também mais abertas a essas medidas sanitárias que elas mesmas podem promover e praticar”, completou.

No Brasil, o saneamento básico é um direito garantido pela Constituição. Apesar disso, em 2017, segundo o Ministério da Saúde (Datasus), foram notificadas, no Brasil, mais de 258 mil internações por doenças de veiculação hídrica, um dado que revela a real situação sanitária da população brasileira. “Nenhum país que tem mais de 100 mil pessoas sem tratamento de esgoto, como Brasil, pode ser chamado de desenvolvido”, afirmou o Acadêmico ao incluir a responsabilidade do modelo econômico, político e das classes privilegiadas nessa realidade.