O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Embaixada da China promoveram um debate no dia 14/8 sobre pesquisa científica e biotecnológica no Brasil e na China pós COVID-19.

A abertura foi feita pelo embaixador Marcos Caramuru, membro do Conselho Consultivo Internacional do Cebri, e pelo ministro conselheiro da Embaixada da China no Brasil, Qu Yuhui.

Caramuru explicou que o Cebri vai organizar três webinários, com o objetivo do de identificar pontos para cooperação bilateral e propor para a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). O segundo, em setembro, será sobre cidades digitais e o terceiro, em outubro, tratará de segurança alimentar, sanitária e sustentabilidade.

Focando no debate do dia, sobre pesquisa científica e biotecnológica, o ministro Qu Yuhui destacou que o tema é importante para o futuro, em vista dos impactos da pandemia. “A China tem a segunda maior indústria farmacêutica mundial e está elaborando seu Plano Quinquenal 2021-2025. A indústria farmacêutica e a biotecnologia terão destaque nesse plano. O Brasil tem a maior indústria farmacêutica da América Latina”, informou. “Queremos ideias concretas de como podemos avançar na nossa cooperação, como aproveitar os papeis de cada jogador – governos, empresas e instituições de pesquisa – nesse processo”, afirmou.

Yuhui referiu-se à parceria entre a empresa chinesa Sinovac e o Instituto Butantan para a testagem da vacina, chamada de CoronaVac. “É uma parceria para testagem, já aprovada pela Anvisa”, explicou. E destacou que a Sinopharm, empresa dirigida pelo painelista Xiaoming Yang, também está desenvolvendo uma vacina muito promissora para o enfrentamento da COVID-19.

A moderadora do debate foi a médica e pesquisadora da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) Margareth Dalcomo. Ela comentou que obteve grande aprendizado com os colegas chineses no início da pandemia. “Aprendemos com os erros e com os acertos. Esse debate vem num momento muito importante para o enfrentamento da doença”, ressaltou Dalcomo.

Os painelistas foram o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich; o Acadêmico Carlos Morel, coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) da Fiocruz; e Xiaoming Yang, presidente da China National Biotec Group Company Limited (CNBG)  e diretor-geral da Sinopharm.

Fiocruz e a China: parceria em tecnologia aplicada à pesquisa

Carlos Morel fez a primeira apresentação, na qual descreveu o processo de construção da cooperação entre o Brasil e a China, iniciada em 2016, especialmente entre a Fiocruz e as instituições chinesas apresentadas pelo Prof. George Gao, membro correspondente da ABC.

Em 2018 a cooperação foi aprofundada, com o estabelecimento de várias parcerias e visitas mútuas. Morel esteve em Shenzen e pesquisadores chineses foram ao Rio de Janeiro e à Manaus. “Em junho de 2019, inclusive, estive num evento em que a pesquisadora Shi Zhengli apresentou palestra sobre vírus de morcegos e a possibilidade de transmissão humana”, observou Morel. “Em Manaus as parcerias são inúmeras, dado que se estendem por várias áreas, envolvendo a parceria entre a ABC e a Academia chinesa”, comentou.

Morel explicou que foi feito um convênio entre duas grandes empresas chinesas, a MGI e a BGI. A MGI Tech Co. Ltd. produz equipamentos de ponta para sequenciamento genético e o BGI Group é uma empresa pública chinesa que teve origem no Instituto de Genômica de Pequim (BGI, na sigla em inglês). Isto possibilitou o uso de outro sistema de sequenciamento genético pela Fiocruz, por meio da disponibilização de uma máquina super potente.

O palestrante citou um trabalho do membro afiliado da ABC Thiago Moreno, cuja pesquisa utilizou este equipamento e está sendo publicada agora. “A potência do sequenciador fez diferença na precisão dos resultados, importante para prevenção e controle de epidemias. A cooperação abriu perspectivas muito interessantes para a Fiocruz em longo prazo”, reforçou Morel.

Cooperação entre as Academias de Ciências

O presidente da ABC abordou a cooperação entre a Academia Brasileira de Ciências e a Academia Chinesa (CAS, na sigla em inglês), uma das mais intensas colaborações da ABC. O Memorando de Cooperação Bilateral foi assinado em 2018 e a partir da definição de áreas de interesse comum, foram realizados workshops e visitas de ambos os lados”, relatou Davidovich.

O primeiro workshop ocorreu em novembro de 2018, na Embrapa, em Brasília, coordenado pelos Acadêmicos Elibio Rech e Evaldo Vilela, pelo lado brasileiro, e pelo pesquisador da CAS Aimin Zhang, pelo lado chinês. O foco principal foi em segurança alimentar. O evento gerou intercâmbio de pesquisadores da Embrapa e da Universidade Federal de Viçosa, que depois recebeu um pesquisador chinês.

Em ciências espaciais, pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) estiveram em instituições chinesas por um mês em média. Em abril de 2019 houve um encontro sobre ciências espaciais na China, no qual o Acadêmico Ricardo Galvão, então diretor do INPE, representou a ABC, e Chi Wang representou a CAS. “Nesta ocasião houve uma intensa cooperação científica, que acrescentou muito à parceria já existente em tecnologia”, relatou o presidente da ABC.

“Tem havido uma boa simetria, com muito aprendizado para ambos os países”, apontou Davidovich. Também foi fundada a Aliança de Organizações Internacionais de Ciências (ANSO, na sigla em inglês), para a qual a ABC foi a única Academia das Américas convidada como membro fundador.

Para o futuro próximo estão previstos um evento sobre progressos recentes da COVID-19 coordenado por Morel e George Gao; um workshop sobre mudanças climáticas coordenado pelo Acadêmico Paulo Artaxo e pelo pesquisador chinês da CAS, Jiang Zhu; um workshop sobre biotecnologia e ciências biológicas, coordenado, pelo lado brasileiro, por Morel e pela vice-presidente da ABC, Helena B. Nader; e um evento sobre biodiversidade, coordenado pelo vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Val, em Manaus.

Davidovich destacou a biodiversidade amazônica, região que ocupa 59% do território nacional. Mostrou o livreto publicado pela ABC em 2004 com propostas para proteger a floresta, ressaltando a melhor maneira de fazê-lo: desenvolver tecnologia para exploração sustentável da biodiversidade da Amazônia. “Um exemplo é o açaí, produto de interesse internacional, cuja polpa é produzida na Amazônia e cuja exportação rende mais de um bilhão de dólares de retorno para a região”, disse o presidente. Outro exemplo é a bergenina, substância com potencial antioxidante e antimicrobiano, extraída de um fruto amarelo, endopleura uchi. “A bergenina está sendo vendida pelo laboratório Merck a R$ 1.213 reais a miligrama. O grama de ouro vale R$ 281 reis, ou seja, hoje a bergenina vale 4.300 vezes mais que o ouro”, afirmou.

Ainda falando sobre a biodiversidade, Davidovich afirmou que já foram identificados mais de 500 vírus amazônicos que precisam ser conhecidos para prevenir novas pandemias. “Há cientistas brasileiros empenhados em decifrar essa esfinge amazônica, cujo conhecimento pode ser muito útil para o Brasil e para outros países também”, concluiu.

Vacinas em tempo recorde, com união global

O vice-presidente da China National Biotec Group Company Limited e Combo Vaccine, Xiaomin Yang, falou sobre o desenvolvimento de vacinas para a COVID-19.  Disse que há 167 vacinas sendo desenvolvidas no mundo, em fases diferentes de pesquisa. “São mais de 40 na América e mais de 50 na Europa”, relatou. Sua empresa começou, em abril, a fase clínica de diversas vacinas diferentes, estando sete delas em fase 3.

“É um recorde histórico mundial, tantas pesquisas sobre uma mesma vacina. Seis vacinas no mundo já estão na fase 3”, disse Yang.

São vários os tipos de vacinas em desenvolvimento. Yang explicou que há as vacinas que usam o vírus inativado e que já são bastante conhecidas, mas exigem laboratórios com alto padrão de segurança. Há as que utilizam ácido nucleico, processo mais simples e seguro no desenvolvimento. Porém, mexe na genética humana. “Até hoje não existe nenhuma vacina assim e não se sabe o risco, porque modifica o DNA humano”, alertou. Ele citou ainda vacinas que utilizam proteína recombinante, vetor viral ou vírus atenuado.

Seja qual for o tipo de vacina  escolhido para ser desenvolvido, o procedimento para todas é padrão: obter o imunógeno, que pode ser um fragmento ou o vírus inteiro; desenvolver o processo; fazer o controle da qualidade da pesquisa; testar em animais para avaliar a segurança; e, por fim, realizar a testagem em humanos”, reforçou o palestrante.

“Para produzir uma matriz da vacina, existem padrões tecnológicos. O procedimento nessas etapas vale para qualquer tipo de vacina. A testagem em animais, no caso ratos e macacos rhesus, é necessária para ver se crescem anticorpos eficientes para proteger a saúde. Esse é o teste de eficácia da vacina”, informou Yang. Ele ressaltou a importância dos testes de cruzamento, para testar a capacidade de neutralização de ampla faixa de cepas do vírus, que é o que garante o alcance da vacina.

Para Yang, a pesquisa sobre vacinas para COVID-19 é um grande resultado da cooperação científica mundial, um sucesso sem precedentes. “A coordenação entre as diferentes partes envolvidas, o uso de tecnologias inovadoras resulta de um esforço de todos os cientistas envolvidos em todo o mundo. Essas pesquisas ainda estão enfrentando grandes desafios. Qual abordagem é mais eficaz? Tem que ser vista a segurança, os efeitos adversos e a eficácia. Ainda é cedo para tirar qualquer conclusão. Estão todas no início da 3ª fase de ensaio clinico” dsse o pesquisador chinês.

Em sua opinião, pode ser que todas as vacinas em desenvolvimento tenham sucesso, cada uma com suas próprias vantagens. “As inativadas até agora atingem uma faixa maior de cepas, mas ainda não há certezas. E essa imunidade vai durar quanto tempo? Três meses? Em que momento essa imunidade se perde? Isso tudo ainda está sendo observado”, ressaltou Yang.

Concluindo, o pesquisador refirmou que “ainda há muitas questões científicas a serem estudadas e temos que trabalhar em conjunto, o mundo todo. Os ensaios clínicos das vacinas chinesas estão sendo feito fora da China, nos EUA e  no Brasil. O momento é de grande solidariedade e a ideia é beneficiar os parceiros.”

COVID-19 estimulando a coevolução mundial

Morel comentou sobre as parcerias da Fiocruz com a Universidade de Oxford e do Instituto Butantã com a Sinovac: “Cada abordagem vai gerar resultados diferentes, talvez seja importante unir as primeiras vacinas para obter a vacina perfeita. Acho que é muito importante que se dê prioridade à vacina voltada para a saúde pública e não àquela que visar o lucro de uma determinada empresa”, alertou.

Davidovich ressaltou que a pandemia mostrou a fragilidade humana: “É preciso integrar os conhecimentos para viabilizar a sustentabilidade da espécie”. Encerrando, Margareth Dalcomo destacou que a pandemia desperta o melhor de nós: a valorização da vida humana, a solidariedade e o destaque do papel da ciência.”